VOZ PASSIVA. 82
A palavra perdida[1]
Afonso Botelho
Foi Álvaro Ribeiro – sabemo-lo bem – quem se preocupou em acentuar que o positivismo não se constituiu em escola filosófica.
A minha geração, que comprovou a função intermédia deste movimento, não terá ainda hoje dificuldade em verificar que a sua intervenção no desenvolvimento doutrinário, na edificação institucional, na argumentação filosófica persiste em se insinuar no pensamento como uma lei redutora, tal qual a que Leonardo Coimbra definiu por coisificação.
Se o positivismo possui este poder de infiltração e persistência não foram suficientes os esforços os nossos Mestres nem o respaldo da doutrina criacionista para libertar o pensamento da acção entrópica. Aliás, a intervenção do pensamento essencialmente positivista faz-se sentir no acto poético de pensar e na própria raiz da livre criação.
Ora na refutação das teses e normas positivistas, sistematicamente feita de Leonardo Coimbra ao movimento do 57, só a obra superiormente inteligente de António Telmo erradica aquela perversa acção anti-poética. Com efeito, desde 1963 e com a Arte Poética que este filósofo percorre os caminhos sempre iluminados da imaginação e da intuição na procura das energias espirituais transmitindo realidade àquelas coisas «que o positivismo relegou para o campo da superstição».
O pensamento adormecido dos portugueses necessitava deste despertar do sono plúmbeo de modo a reconhecer o que lhe tem estado oculto nas formas históricas, na génese da língua, nos sinais da religião e na própria tradição filosófica.
Ao longo de trinta anos António Telmo tem pensado por nós e para nós, desvelando o secreto em tudo o que esquecidamente tomávamos apenas por oculto.
[1] Publicado em Arca do Verbo, Ano III – 1.ª Série, n.º 110, in O Setubalense, de 20 de Fevereiro de 1991.