VOZ PASSIVA. 57

20-07-2015 13:50


Apresentação do livro

UM ANTÓNIO TELMO – MARRANISMO, KABBALAH E MAÇONARIA

Pedro MARTINS, 2015, Col.‘Tomé Nathanael - Estudos sobre António Telmo’, Ed. Zéfiro, Sintra

Rui Arimateia

 

Estremoz, 20 de Junho de 2015

 

 

Notas introdutórias

Diz-nos Daniel Serrão que:

         “O futuro do Homem é viver num Universo colectivo de inteligências comunicantes onde não haverá nem mestres que ensinem, nem discípulos que aprendam. Todos aprenderão com todos.”

A frase anterior poderia constituir uma das ideias-força do pensamento não só de António Telmo mas também de Agostinho da Silva e de toda uma plêiade de escritores e de pensadores que honram com os seus trabalhos e reflexões a língua e a filosofia portuguesas, e onde poderemos adivinhar, latente, a famosa tríade da Revolução Francesa e adoptada pela Franco-Maçonaria: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

António Telmo, foi de facto um homem livre e de livre pensamento ao serviço da Obra!

 

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Digo desde já que este não foi para mim um livro de fácil leitura, tive necessidade de recorrer aos dicionários e a trabalhar alguns conceitos filosóficos e teológicos menos comuns mas fundamentais para a abordagem e para a possível compreensão da obra télmica. Por outro lado, são citados neste livro de Pedro Martins, como importantes para o entendimento das múltiplas facetas abordadas de António Telmo, nada mais nada menos do que 118 autores, muitos deles de conhecimento e leitura obrigatórios para uma profunda compreensão do texto e das ilações retiradas dos escritos de António Telmo.

O trabalho de Pedro Martins agora publicado, que trata, no fundo, de uma proposta de desocultação da Obra de António Telmo, fez-me reflectir sobre a forma de a olhar que necessariamente será semelhante mas simultaneamente diferente da forma de olhar de outro sobre a mesma Obra. Perante a mesma substância temos miríades de formas de a olhar, de a compreender. É esta a riqueza do legado filosófico de Telmo. A liberdade que nos dá para até ele chegarmos e a surpresa que eventualmente possamos experimentar quando constatarmos que no final da Obra estaremos todos de mãos dadas, tal Cadeia de União Simbólica, porque a sua finalidade última, penso eu, será o Encontro com a Unidade e a Unicidade da Vida e a certeza de que a Vida vencerá a Morte!

Assim, olhando com “olhos de ver” a obra de António Telmo, intuímos que se encontra “contaminada” com a tríade filosófica atrás referida – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – que imediatamente nos coloca num registo de compreensão enquadrada numa “Escola de Pensamento” cujo fio condutor nos leva pelo menos até aos antigos Mistérios da Filosofia Perene da Idade Média, de Roma e da Grécia… a Escola Universal dos Livres Pensadores Franco Maçons.

Contudo, metodologicamente teremos de encontrar outras ferramentas de abordagem que nos permitam uma compreensão mais profunda – e dentro de cada um de nós – das mensagens que António Telmo intuiu e nos tentou transmitir. No fundo cabe a cada um de nós encontrar uma chave simbólica que consiga penetrar na fechadura dos mistérios télmicos, desocultando a Sageza aí latente.

Uma dessas abordagens é a poética. Só a poesia entra em esferas inatingíveis para os estados normais e normalizados de vigília (ou adormecimento?). Só a poesia é detentora de uma linguagem que permite uma comunicação com o Todo e com o Uno, e a linguagem de Telmo é de facto uma totalidade que nos envolve, que nos penetra nos nossos poros, que nos alimenta como uma Mãe  – como uma Tellus Mater...

Outra abordagem possível será a analógica. Talvez porque só analogicamente, só pesando no nosso mais íntimo Ser, realidades diferentes nós possamos ter consciência de todo o processo histórico, mítico e humano e da transmissão dos Mistérios através dos séculos e das diferentes Culturas.

Ainda uma outra abordagem será a imaginária. A imaginação criadora (realidade filosófica tão querida do nosso António Telmo) realiza milagres, pequeninos milagres (haverá outros?) tais como: o desabrochar do significado oculto de uma palavra... o sorriso envergonhado de uma metáfora que se debruça e nos espreita do fundo de um texto... aquele conceito lá muito no profundo poço do nosso subconsciente que nos devolve a nossa imagem refletida... a sombra e as contra-sombras de um texto mais esotérico... um grito latente de desespero ou de alegria... uma palavra que adivinhamos... o harmonioso cântico da Vida e do seu Mistério... 

Agarremos então nestas (e porque não noutras que possamos inventar?...) ferramentas de “observação”, de “escuta” e de “exegese simbólica” e partamos em demanda das profundezas Télmicas. Veremos que talvez se entreabra a porta do coração, do nosso coração, para as sentir, para as intuir, para as olhar, para as ver e compreender no mais íntimo do nosso Ser.

Diz-nos António Telmo, na sua História Secreta de Portugal, que estamos “num mundo onde a presença do mistério impõe que nada se possa realmente saber fora dos termos desse mistério. Assim, os mais lúcidos e imprudentes não desistiam de procurar a palavra perdida da Sabedoria.”

 

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Breves reflexões sobre o livro

Do Texto introdutório[p. 11]

Abre este livro com um notável excerto de Álvaro Ribeiro [in “A Literatura de José Régio”], que nos apresenta uma brevíssima mas muito clara caracterização cultural do povo judeu, remetendo para o livro de Sampaio Bruno, “O Encoberto”, onde este autor refere que a principal causa da decadência dos povos peninsulares resultou como consequência da expulsão dos judeus no século XV…, ainda no reinado de D. Manuel.

Matéria interessantíssima para pesquisa e para reflexão, contudo fora do âmbito dos ensinos oficiais dos poderes dinasticamente instituídos, antes e após o 25 de Abril de 1974.

 

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Do Prefácio, por António Carlos Carvalho [pp. 13-18]

 

“Quem foi, quem é António Telmo? Partiu há quase cinco anos, deixando-nos uma saudade imensa, um vazio que nunca conseguiremos preencher, uma vasta obra por decifrar, um exemplo de filósofo errante e exilado na sua própria terra, como sempre acontece neste País envolto em brumas de inveja. Mas desde então a sua ausência física tornou-se presença constante entre aqueles que o conheceram e os que o vão descobrindo nas páginas que publicou. (…) foi alguém que buscou precisamente a luz e soube transmitir as suas centelhas nas reflexões que nos legou. (…).”[p.14]

 

Explicação [pp. 19-26]

 

Com este pequeno capítulo introdutório à obra agora analisada pretenderá Pedro Martins, muito sinteticamente, problematizar os pontos abordados ao longo do livro. Nomeadamente a condição de marrano em António Telmo que marcou consciente ou inconscientemente a sua obra e a sua vida. Mais do que um sincretismo religioso, assumido por António Telmo, a questão cripto-judaica  aparece “resolvida” interiormente mas sintetizada de modo poético, filosófico e vivencial com uma assunção do Cristianismo… mas também do ocultismo Cabalístico e de todo um conjunto de referências teosóficas e maçónicas.

Diz-nos Pedro Martins sobre António Telmo:

“Ímpar pensador do ocultismo entre nós, é pelo lado de dentro que António Telmo opera a conciliação, ali onde o cristão gnóstico e o cabalista judeu subtilmente se concertam pela interioridade harmónica do recôncavo gnósico. A kabbalah de António Telmo é aquela que ressuma das páginas d’O Bateleur: uma síntese portuguesa da kaballah hebraica que remonta a Moisés e da kabbalah cristã que remonta a Cristo.”[p. 20]

São referidos os livros onde António Telmo abordou estes temas, nomeadamente “História Secreta de Portugal”, Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões”, “Congeminações de um Neopitagórico”, “A Aventura Maçónica – Viagens à Volta de um Tapete”, “Filosofia e Kabbalah”, “Viagem a Granada”, além de serem igualmente nomeados autores que muito importaram na obra e no pensamento de António Telmo: Álvaro Ribeiro, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, António Quadros, José Marinho, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Agostinho da Silva,Natália Correia, Herberto Helder e ainda Luís António Verney, Pascoal Martins e Luís de Camões.

 

Teoria do Marranismo

 

“Tudo em Portugal, se explicará pelo compromisso do consciente cristão com o subconsciente hebraico.”

[in António Telmo, 1989, Filosofia e Kabbalah, Guimarães Editores, L.da, Lisboa]

 

Importante a referência à filiação maçónica de António Telmo para a conciliação e harmonização das questões teológicas, tanto judaicas como cristãs.

Podemos então ler na página 35: “(…) A Ordem maçónica intenta conciliar, por via de uma síntese harmonizadora, estes dois aspectos antagónicos do mundo divino, graças ao equilíbrio incessantemente promovido por Schadaï (ou El Schadaï), assimilável, segundo a lição de Benzimra [in Contribution Maçonnique au dialogue entre les religions du Livre – Le grand secret de réconciliation, Paris, Dervy, 2010, p. 160], ao Grande Arquitecto do Universo que os franco-maçons procuram glorificar com o seu trabalho. (…).”

 

Agostinho da Silva, O Marrano do Divino  [pp. 29-90]

 

Este é o capítulo mais longo da obra em referência em que o autor  nos leva, metaforicamente falando, numa viagem com os dois companheiros de vida e de pensamento, António Telmo e Agostinho da Silva, através das concordâncias mas também através das suas dissonâncias conceptuais. Não só em relação às questões e problemáticas ligadas com o marranismo e também a muitas outras que, no fundo, caracterizam as especificidades idiossincráticas de natureza espiritual, filosófica e literária dos dois autores.

Assim, são por Pedro Martins rigorosamente identificadas algumas subtis nuances de pensamento entre os dois filósofos, nomeadamente na assunção da condição de marrano, e mais conceptualmente  em assuntos de mor importância para a compreensão dos seus pensamentos e filiações filosóficos.

Por exemplo, poderemos ver a pequena citação de um texto de António Telmo sobre  a tecnologia nas sociedades modernas, referindo a posição de Agostinho da Silva sobre a matéria e sobre a evolução das concepções de trabalho e de ócio nas sociedades ideais, bafejadas pelo sopro e inspiração do Espírito Santo:

“Agostinho da Silva vê o perigo. Os computadores podem libertar os humanos do trabalho, mas ao mesmo tempo tornar tudo previsível, como já se começa a ver em meteorologia. Ora sendo o imprevisível manifestação do Espírito Santo, tornar tudo calculável não será como que um esboço do único pecado imperdoável”.[p.38][in António Telmo, A Terra Prometida: Maçonaria, Kabbalah, Martinismo e Quinto Império, pp. 74-75]

No seguimento deste desencontro entre António Telmo e Agostinho da Silva, refere-nos Pedro Martins, à p. 38:

“(…). Noutro escrito, desta feita uma prancha maçónica, (…), o filósofo, coberto pelo recato secreto e restrito dos adeptos, ao reflectir sobre o mal entrevisto na “aplicação do sistema binário que tornou possível a cibernética [António Telmo, A Aventura Maçónica – Viagens à Volta de um Tapete…, Sintra, Zéfiro,2011, pp. 54-55], pôde afirmar:

“Não é difícil ver para onde isto aceleradamente nos encaminha. A Humanidade degenerará numa vastíssima comunidade de autómatos, obedecendo a comandos electromagnéticos. Todos estarão em linha, mas não haverá, dentro de poucos anos, um único obreiro que possa dizer-se livre. Alguns admiradores da tecnologia, como esse extraordinário homem que foi entre nós Agostinho da Silva, têm pensado que ela nos libertará do trabalho que escraviza, proporcionando-nos o ócio paradisíaco que nos deixará todo o tempo para cultivar a Beleza, a Força e a Sabedoria. Se ele caiu nesse engano, todos nós podemos cair. A época pós-moderna pode aparecer-nos como a idade do Espírito Santo, prometida pelas profecias. Todavia, assim como não devemosconfundir a internet com o Livro da Vida onde o G.A.D.U. tudo regista, também devemos ver que o império do número não é o Quinto Império.”

Outra dissonância muito interessante entre António Telmo e Agostinho da Silva, e que nos põe a reflectir é a concepção que os dois diferentemente possuem do ser-criança. A apresentação desta dissonância por Pedro Martins faz-se através da apresentação de dois textos fundamentais dos dois filósofos compadres:

De António Telmo que deixou escrito um texto inédito intitulado “Infância e Conhecimento”, agora publicado integralmente em livro. Eis um excerto:

“Todos nós nascemos não para sermos os homens que somos; a natureza cria-nos para ser outra coisa; aquilo de que a criança é embrião ou desaparece completamente no homem feito, a que Fernando Pessoa chamou “cadáver adiado”, ou se reclui numa intimidade impenetrável; a educação, não só a do Estado mas também essa, desvia o que noutros tempos constituía o curso inevitável da natureza (a criança é o ser que cresce) e, em lugar de desenvolver esse embrião de poder e conhecimento, faz o pobre ser frágil que é o adulto – poltrão, vaidoso, cuja afirmação de si não é mais estúpido do que o esconder de uma radical insegurança. Ai de quem denunciar essa insegurança!”

Por sua vez, de Agostinho da Silva recorda-nos o seu livro Educação em Portugal [1996, Ed. Ulmeiro, Lisboa, pp. 23-24], “onde a criança ocupa um lugar central na economia do pensamento agostiniano”[p. 42]. Um excerto:

“O ponto fundamental do culto popular do Espírito Santo não é, porém, nem o banquete comum e livre, nem o soltar dos presos, nem a procissão que segue a pomba, no estandarte ou coroa; é a instalação de uma criança como imperador do mundo. No paraíso terrestre que se quer dispensam-se os adultos de todas as funções dirigentes que têm tido até hoje e se declara mais importante que tudo quanto possam ter sido na vida o menino que foram e tão infelizmente morreu, declara-se que todos os Imperadores de qualquer Império declarado Santo pela vontade, os interesses e os apetites dos homens, devem ceder seu trono às características infantis de atenção contínua à vida, de existência total no presente, de ignorância de códigos, manuais e fronteiras, de integração no sonho, de valorização do jogo sobre o trabalho, de simpatia pela cigarra, que logo a nossa escola substitui pelo aplauso à formiga, já que uma convém à alegria, apenas, e a outra ao lucro.”[p.42]

Para Agostinho da Silva – a criança ficará cristalizada, em estado de inocência, gerindo os destinos do Império. Contudo, a inocência, sem uma conscientização trabalhada intimamente, interiorizada através da experiência e da educação, poderá gerar ignorância, insegurança…

Para António Telmo – criança é o ser que cresce, o adulto em devir; a criança, através da educação deverá atingir o estado adulto com uma inofensividade (ahimsa) que a tornará um “príncipe, isto é, um ser que em si tem o seu princípio e do qual o Infante é o seu perfeito símbolo.”

 

 Recordemos o Infante do poema Eros e Psique de Fernando Pessoa:

 

“(…).

E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.”

 

Inofensividade é um estádio de evolução psicológica e espiritual que acontece após a fase de inocência da criança; é um estádio em que a reflexão e o autoconhecimento constroem um homem novo. Nos contos do maravilhoso, o Príncipe e ou a Princesa, no início da saga encontram-se normalmente num estádio de graça onde a inocência impera! Através das provas físicas e psicológicas, através da experiência perigosa de contacto com o mundo real, vão adquirir força, beleza e sabedoria interiores suficientes para assumirem a transformação/crescimento do Ser e, através da escolha e do livre arbítrio transmutam a inocência (estádio inconsciente) em inofensividade (estádio consciente). O autoconhecimento tem aqui um papel fundamental.

Não resisto a apresentar o “poema de infância” da autoria de Maria Beatriz Serpa Branco, em casa de quem tive o prazer de conhecer o António Telmo nos inícios dos anos 80 do século passado, do seu livro de poemas “A face e as sombras” [Colecção Daimon, Evora, 1959]:

 

“como deuses vivendo-se em disfarce

deuses de velhos mitos      as crianças

descem do horizonte da distância

e vêm      por um dia

a habitar nossa vileza

 

como deuses mendigos      as crianças

vêm a provocar nossa riqueza

 

pedindo em sabedoria

as migalhas de saber

da nossa mesa vazia”

 

De Telmo a Herberto, Os Passos em Volta: Notas para uma Propedêutica do Agnosticismo Marrano[pp. 91-105]

 

Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, nasceu a 23 de Novembro de 1930 no Funchal, ilha da Madeira, no seio de uma família judaica. Conviveu literariamente, em Lisboa, com o grupo do Café Gelo de que faziam parte nomes como os de Mário Cesariny, Luís Pacheco, António José Forte, João Vieira e Hélder Macedo. Em 1958 publica o seu primeiro livro:  O Amor em Visita.

Pedro Martins faz-nos uma brilhante proposta de uma desocultação sobre as condições marrânica e cabalística, tendo como objecto de estudo o livro de contos publicado em 1963 (ano em que António Telmo publica o seu primeiro livro – Arte Poética) por Herberto Helder, Os Passos em Volta, estabelecendo uma comparação do conteúdo dos diferentes contos com a obra e a evolução do pensamento de António Telmo, tendo sempre subjacente leituras de um sentir interior judaizante e cabalístico. É obrigatório ler o livro de contos de Herberto Helder, considerado uma espécie de autobiografia do poeta. Contos marcados por uma estética surrealista, em que faz passar conteúdos literários marcados pela inquietação e inteligência (como dizem Pedro Martins e António Telmo: “os dois grandes indícios judaizantes” dos cripto-judeus, dos marranos…), pela morte, pelo agnosticismo, pela prostituição “sagrada”, pela demanda errática, pela experiência psicologicamente subterrânea de vida. No final do capítulo, Pedro Martins sugere-nos a leitura de um excerto do conto “Holanda”, em que o poeta fala de si:

“Sente-se como um apóstolo sem fé. Desejaria morrer, arder no fogo apocalíptico das cidades. Ou ser devorado pela lucidez, estiolar de excessiva inteligência no meio da loucura campestre. Tradição, compreende uma: ama-a. Perdeu o nome, essa sabedoria. Beleza, é pouco. Verdade, é muito. Trata-se de um termo subtil que participa de uma e outra, que se tornou inútil, insensato.”[p.104]

 

Pensamento Pós-Atlântico[pp. 109-142]

 

Os ensaios apresentados por Pedro Martins inseridos no capítulo Pensamento Pós-Atlântico, abordando o encontro entre António Telmo, António Quadros e Teixeira de Pascoaes, pretendem “mostrar que a kabbalah, em António Telmo, se constitui como um regresso à terra e a terra – a uma terra firme, mas vivificada pela descensão das energias espirituais (…). Mais do que o marrano está aqui em causa o kabbalista (…).”

 

Hermenêutica Camonina [pp. 145-182]

 

Diz-nos Pedro Martins que:

“A Hermenêutica Camonina, tema central do pensamento télmico onde o marranismo, o cabalismo e o maçonismo naturalmente afluem, autonomiza e domina a terceira parte do livro, em que a conversação do filósofo com o poeta ora se firma de um modo directo, ora se estabelece pela interposta pessoa de Verney.”[p. 24]

 

Verney que não conseguiu ou não quis penetrar nas profundidades da poesia e do pensamento do fiel-de-amor que foi Luís de Camões, principalmente através das mensagens cifradas na sua obra-prima “Os Lusíadas” e que António Telmo tão bem intuiu e apresentou nas suas reflexões ao longo de toda a sua vida literária e filosófica.

 

As palavras de António Telmo mais uma vez elucidam, recorrendo ao seu mentor:

 

«(…).

Álvaro Ribeiro dá em A Razão Animada o preceito central de hermenêutica: “A leitura de escritos que versem acerca dos problemas humanos, dos segredos naturais e dos mistérios divinos só é útil na medida em que o leitor pratique a autognose.”

(…).

“Conhecer-se a si próprio é, efectivamente, conhecer-se como espírito. A energia primordial que assim é dada à consciência não deve, porém, ser confundida com o pensamento, segundo o erro de Descartes, nem com os princípios da lógica escolar, segundo o erro de Hegel.”

Todavia:

“Ao conhecer-se a si próprio, gnosicamente, o homem adquire a certeza que pensa e raciocina para se relacionar com o espírito universal…”

(…).»[in António Telmo, 1989, Filosofia e Kabbalah, Guimarães Editores, Lisboa, pp. 99-100].

 

Da Inveja, essa hiena da alma [pp.183-199]

 

Remeto mais uma vez para as palavras de Pedro Martins:

“Na última parte, Da Inveja, essa hiena da alma de que nos fala Telmo, surgem dois dos mais altos espíritos portugueses do século que passou, Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa. Irmanados na morte, pois que a ambos os levou a Parca em pouco mais de um mês, nessa dobra fatídica do calendário de 35 para 36, ei-los também irmanados em vida pelo génio cintilante da palavra que os faz sofrer as agruras da invídia, o desencanto da I República e o embate agreste do Estado Novo. (…).

(…). A inveja, que matou Mestre Hiram, é simplesmente o não querer ver, trate-se da verdade do amor ou da verdade da razão…”

Mais uma vez a palavra a António Telmo:

«(…). Todos somos filhos da Inquisição. Os nossos antepassados transmitiram-nos pelo sangue o medo e, mais do que o medo, a censura automática a tudo quanto seja menos certinho, a qualquer desvio da norma geral, em suma, à afirmação de uma personalidade original. Na aliança do medo e da autocensura emerge a inveja, essa hiena da alma.» [pp. 95-96]

[in “Marranos”, 2014, António Telmo, A Terra Prometida – Maçonaria, Kabbalah, Martinismo e Quinto Império, Col. ‘Obras Completas de António Telmo’, Vol. I, Edições Zéfiro, Sintra.]

 

Conclusão e Agradecimentos

 

Uma palavra de agradecimento a Pedro Martins pelo desafio proposto e a todos os Amigos e Amigas do Projecto António Telmo. Enquanto se trabalhar e pensar a Obra de Telmo este estará vivo e presente entre nós, continuando a sua excelsa obra hermenêutica e de desocultação da língua, da cultura e do génio português.

Obra labiríntica esta a de Pedro Martins, mas também labiríntica se poderá considerar a Obra de António Telmo. Contudo, simbólica e mistéricamente, o Labirinto foi feito para chegarmos sempre ao Centro. A questão de encontrarmos ou não o Minotauro no Caminho para o Centro e a questão de o dominarmos ou não durante a nossa Demanda é outra conversa! A natureza do Minotauro confunde-se com a nossa própria natureza e a escolha é única e exclusivamente nossa, e como na fábula: teremos de decidir se alimentamos o lobo mau ou o lobo bom...

 

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PEDRO MARTINS - NOTA BIOGRÁFICA

 

Pedro Martins nasceu em Lisboa em 22 de Janeiro de 1971. Jurista e advogado, licenciou-se em 1993, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pós-graduou-se em Sociologia do Sagrado e do Pensamento Religioso, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa. Vive há muito em Sesimbra. Ali ou em Estremoz, conviveu uma década bem contada com António Telmo, de quem é um continuador. É autor dos livros O Anjo e a Sombra: Teixeira de Pascoaes e a Filosofia Portuguesa (2007); O Céu e o Quadrante: desocultação de Álvaro Ribeiro (2008); O Segredo do Grão Vasco: de Coimbra a Viseu, o 515 de Dante (2011); Teoria Nova da Saudade (2013); Agostinho da Silva em Sesimbra (em colaboração com António Reis Marques, 2014); e Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo (em colaboração com João Ferreira e Rui Lopo, 2014). Tem colaboração nas revistas A Ideia, Devir, Invenire, Callipole, Nova Águia, Teoremas de Filosofia e Cadernos de Filosofia Extravagante, de que foi coordenador entre 2009 e 2013. Membro fundador do Projecto António Telmo. Vida e Obra, integra a coordenação editorial das Obras Completas de António Telmo, em curso de publicação na Zéfiro. Integra a equipa de investigadores do projecto “Redenção e Escatalogia no Pensamento Português”, da Universidade Católica Portuguesa, onde irá colaborar com artigos sobre Grão Vasco, Jaime Cortesão e António Telmo.