VOZ PASSIVA. 26

16-07-2014 10:21

Em A Aventura Maçónica, livro póstumo saído a lume já em 2011, António Telmo incluiu uma longa carta dirigida a Eduardo Aroso, onde a Rainha Santa, traço de união entre Estremoz e Coimbra, é o motivo central da reflexão do filósofo. O escrito de Aroso que agora publicamos pode ser visto como um diálogo com esse texto de Telmo, sobretudo no que toca à "alquimia operativa" de Isabel de Aragão.

Registos - A Rosa e o Pão entre abertura e oclusão
Eduardo Aroso
 

«As direcções dos ventos têm origem no ponto central da Rosa, donde irradiam para todas as partes do Universo. Não é ainda a rosa perfeita, porque essa é, para lá do mundo subtil, a rosa de treze pétalas»  (António Telmo)

 

Ela imita, no reino vegetal, a receptividade da noite servindo de sacrário a certas espécies que na mais densa penumbra descansam para assegurar a continuidade possível. Mas no repouso do escuro, onde a lucidez, às vezes, acorda de repente nos seres humanos para fazer surgir o fotão das palavras «a intacta glória de Deus». A Rosa conhece a lei das alternâncias, a cronometragem dos ciclos da Grande Obra e diariamente esforça-se por falar do aroma e dos espinhos. É uma linguagem mais encriptada do que a do Sermão de Santo António aos Peixes, porque a palavra primeira é silêncio (silêncio apenas vigiando o esforço invisível e universal) enquanto os pés não tiverem passado antes pela lição das Bem-aventuranças da Montanha e, doloridos, por fim, sintam que não é ilusão ouvir-se a palavra que a Rosa pronuncia – o seu indício é apenas rosácea. Foi colocada nos templos como garantia. Antes do verbo religar tempos, vidas e solidão de puros anseios, requer-se a faina constante de edificar sem «ruído de martelo» e nada de agitar publicidades fora do templo, quando entram no espaço onde pouco ou nada se distingue do que seja alma.

A Natureza ensina: as pétalas abrem-se ao mavioso toque da manhã, merecido afago, indiferenciado todavia para o mundo vegetal, havendo, ainda assim, respostas diferentes. Mas ao ser humano, que vai no caminho consciente, isto é, o que foi talhado - não encontrado - há um outro sol que se levanta no horizonte da busca árdua, que pode trazer a palavra vinda da seiva intacta. Aí talvez o som dos pássaros se capte de outro modo; não apenas ultra-sons, mas outros sinais que indiciam boas-novas, como as que habitavam de esperança nas «flores de verde-pinho». Do anoitecer à aurora, entre o piar e os chilrear, esconde-se a escala de outros hinos. Já sabemos tudo sobre os ninhos circulares nas árvores (da lida e da vida) também eles circulares como as rosáceas?

A Rosa não escolhe cátedra, podendo vicejar num jardim real ou encostar-se a um humilde muro. Seja como for, utiliza sempre a mesma linguagem, um estilo onde o sentido é como se sente, porque os que a ela chegam, venham de onde vierem, distinguem claramente a palavra que é a mesma do Bom-Pastor, a que soa sempre, porém inaudível para a turba.

No decorrer dos tempos, quando se torna necessário, a Rosa cria também os seus heterónimos! Um deles tem o nome de Pão. Nasceu num dia límpido como os da certeza que há nos sonhos que se vão realizar. A Rosa distingue o pão dos pobres de espírito do pão dos pobres em espírito. Ninguém melhor do que uma real Senhora (e Senhora real) pode mostrar isso. E pode fazê-lo para ambos os pobres. Esse é o verdadeiro bodo, o mais acolhedor. Uns pobres vêem o cereal, outros vêem ainda e escutam a palavra vivente, tradução da seiva, o verbo que abre e fecha a operação no verso e no inverso.