VOZ PASSIVA. 142

02-05-2024 00:01

António Telmo, Platão e o ritmo

Risoleta C. Pinto Pedro 

Soube-se, há poucos dias, por pergaminho encontrado nas cinzas do Vesúvio, qual o lugar onde teria sido enterrado Platão: o jardim da Academia de Atenas, que fundara. Dá-se a morte cerca do ano de 348 a.C., mas é de vida que hoje aqui venho falar. Estar sepultado num jardim é uma forma de estar vivo, e António Telmo foi um dos que deram vida a Platão, lendo-o, pensando-o e escrevendo-o.

O documento, que já fora encontrado em 1750, foi agora mais revelador devido a novíssimas técnicas de decifração.

Mas por que razão aqui trago hoje esta notícia, em dia de aniversário?

Por aquilo que diz o Expresso, e cito:

“Na sua última noite, Platão terá ouvido a música proveniente de uma flauta de uma escrava trácia, e, apesar de lutar contra a febre que o consumia e de estar à beira da morte, ainda criticou a artista, apontando-lhe falta de ritmo.”

Ora alguns dos textos mais importantes de Telmo sobre a Poesia, essa música das palavras, referem, precisamente, a importância do ritmo. Não um ritmo exterior feito de repetições, rima e outros artifícios que todos os poetas e os artesãos da Poesia conhecem, mas um ritmo interno, uma respiração que antecede as palavras.

Por diversas vezes e em diversas partes da sua obra o expressa:

«Ah! O refrão é para ser ouvido cantado pelo coro dos anjos no grande silêncio do mundo […]»

(“Diálogos de Thomé e Nathan” in Cogeminações de um Neopitagórico.

Di-lo também em verso:

«Com doce cadência certa

Que fascine o pensamento

E dê som ao insonoro

E me adormeça por fora

E me desperte por dentro.»

“Poesia”, in Viagem a Granada

Também em “Teixeira de Pascoaes, o Poeta da Natureza” chama a atenção para a quebra do automatismo dos lugares-comuns da língua, que encontra em Caeiro e Pascoaes, hábeis em, cada um à sua maneira, fazerem ruir a descrição do mundo.

Quando afirma, a propósito da metáfora, que nem tudo está nela, mas quase, este “quase” é o ritmo oculto que mesmo sem rima, que mesmo sem refrão, que mesmo sem repetições, aproxima a poesia da música através de algo misterioso que não é do domínio do físico, mas que está lá.

E que se expressa pela palavra, pela imaginação e pelo ritmo.

Ou, como diz:

«O ritmo, porém, antes de ser oral é mental».

Um ritmo «encantatório» dissolvido em sons «cheios de ‘espírito’», o que podemos ler na sua Arte Poética, texto fundamental, juntamente com a Gramática Secreta, para compreender o poder hipnótico deste ritmo de que fala e que tem uma importância fundamental na sua reflexão sobre a Poesia. Como Platão, uma das suas reiteradas referências, aquele que, soube-se agora, uns dias antes do aniversário de Telmo, esse profundo conhecedor da literatura e da filosofia clássicas, procurava na música, mesmo à beira da travessia da Grande Porta, o ritmo que Telmo buscava na Poesia.