VOZ PASSIVA. 106-107
ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS
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António Telmo, Mara Rosa (retrato a carvão)
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Na morte de António Telmo
António Cândido Franco
À esquina o nome do lugar.
Na porta a declaração de óbito
e uma fotografia a preto e branco.
Um homem de óculos
de ar impenetrável e amplo.
Na capela uma caixa de pinho
embrulhada em veludo preto e
coberta com um pano cor de vinho.
Por cima pétalas e rosas.
Aos pés duas batas de flores.
Diante o altar com crucifixo em lata.
No nicho em pau as santas do lugar.
Ao cimo um Cristo triste no Calvário
com cruz e espinhos.
Nos bancos corridos
sombras negras que compõem o cenário.
Um grupo de amigos caminha e avança.
No centro a caixa preta de pinho.
O Filósofo é agora o tapete
à volta do qual se vive o transe.
No silêncio hierático e puro
da sua boca selada pelo não ser
brilha o azul incriado do verbo escuro.
Morte, mistério da iniciação.
E numa rosa quente, a arder
que alguém lhe pôs à altura d’ coração
explode a luz em fogo do Oriente.
22 de Agosto de 2010