VERDES ANOS. 21
Psicologia e sociologia do trabalho[1]
Só em data recente é que a psicologia e a sociologia do trabalho alcançaram aquela precisão de métodos e clareza de fins, qualificadas de científicas. Como todo e qualquer ramo de ciência, têm, todavia, a sua história. Assim, os seus inícios podem talvez situar-se no estudo de Paracelso Doenças e Males dos Mineiros, o qual, contudo, escassamente prenuncia a orientação geral das modernas investigações. O mais antigo livro que se pode legitimamente situar na linha da psicologia e sociologia do trabalho, tais como hoje se estudam, é Examen de Ingenios para las Ciencias por Juan Huarte de San Juan. A partir do século dezassete, o desenvolvimento das ciências físico-matemáticas distraiu os estudiosos da antropologia. Sobretudo, aos Americanos e Ingleses se deve que, mais tarde, o problema da indústria, em grande parte derivado daquele desenvolvimento, fosse posto em termos de autêntica antropologia, pelo estudo psíquico do comportamento individual e colectivo perante o trabalho. Nesta linha de ideias, é justo lembrar o nome de Frederico Winslow Taylor, cujo contributo para o progresso da psicologia e sociologia do trabalho é, a todos os títulos, notabilíssimo.
Em Portugal, no século dezanove, eclodiram movimentos políticos, atacando, em nome do operariado, a sociedade tradicional. Os trabalhadores viviam descontentes e tal descontentamento era explicado por razões políticas, que se exprimiram em doutrinas, como o anarquismo, o sindicalismo e o comunismo. Não era, porém, crível que multidões de trabalhadores analfabetos ou quase iletrados se afirmassem sequazes de doutrinas tão complexas, cujas teses e cujos conceitos pressupõem longas e difíceis lucubrações filosóficas.
Tais doutrinas eram, assim, apresentadas e propostas em livros, brochuras e jornais, como, por exemplo, as edições de A Batalha, e defendidas por escritores, jornalistas e estudantes. O operariado seguia apenas, e cegamente, sem reflexão intelectual, as palavras de ordem dos doutrinadores. A imprensa operária – quinzenários, semanários e diários – publicava também as notícias das lutas sociais, incitando pelo exemplo os sindicatos portugueses a usarem dos mesmos actos de violência que pareciam normais no estrangeiro.
Concluir-se, daí, que o operariado português na sua totalidade, ou na sua maioria, professava conscientemente as doutrinas anarquistas, sindicalistas ou comunistas seria cometer um erro que posteriores acontecimentos históricos felizmente desmentiriam. O descontentamento individual ou colectivo perante as condições do trabalho deveria ser explicado muito mais por motivos psicológicos e sociológicos, do que pela aceitação de ideologias estrangeiras ou internacionais.
Alguns autores distinguem entre fisiologia e psicologia do Trabalho. J. A. C. Brown observa:
«Ainda há quem suponha que a maioria dos indivíduos não sentem inclinação natural para o trabalho, que o salário é o mais poderoso estimulante, que, em suma, a função do psicólogo que estuda o trabalho consiste em determinar quanto influem sobre o trabalhador factores como temperatura, ruído, humidade, boa ou má iluminação. Assim, a eliminação de movimentos ineficientes transformaria o operário numa máquina mais eficaz. Tão certo é que muito do que corre com o nome de psicologia do trabalho com mais propriedade se chamaria fisiologia do trabalho.»[2]
Posta claramente esta distinção, podemos dizer que todos os problemas de higiene e medicina do trabalho se encontram ainda sem codificação, para cuja resolução bem poderia contribuir a Direcção-Geral de Saúde. Entre eles, avultam os das condições de higiene dos locais de trabalho – ventilação, iluminação, aquecimento, humidade, isolamento de ruídos, afastamento de exalações infectas, etc.. Estes problemas afectam principalmente a conservação dos locais de trabalho e a adaptação de edifícios a locais de trabalho. Como diz o Sr. Dr. João Manuel Cortês Pinto:
«As questões de higiene dos locais de trabalho assumem hoje uma importância excepcional, depois de os psicotécnicos terem demonstrado a sua influência na produtividade e até nos acidentes.
«Nessas questões se compreendem as do meio físico onde o trabalho se exerce e que se procura que assegure a mais perfeita adaptação do trabalho ao homem, tanto por evidentes razões morais como por razões individuais menos manifestas.
«É que, além de humanizar o trabalho, a realização de um meio físico óptimo vem ainda diminuir grandemente a fadiga do trabalhador e aumentar assim a sua produção.»[3]
Outro aspecto importante da fisiologia do trabalho é o da construção e da aquisição de utensílios e máquinas que se adaptem ao corpo humano, de modo a não exigirem esforço doloroso ou cansativo. Este assunto suscita problemas para cuja resolução poderia contribuir também a Direcção-Geral dos Serviços Industriais.
Assim, os movimentos dos braços devem ser curvilíneos e a máquina deve estar colocada em frente do busto, entre a altura do ombro e a da cinta. Vários autores se têm ocupado deste aspecto. May Smith, por exemplo, afirma:
«Os movimentos rítmicos são menos fatigantes do que os irregulares ou desarmoniosos. Um movimento em que a mão se move segundo linhas curvas e não segundo linhas rectas, quando exercido pelos principiantes reduz consideravelmente o período de aprendizagem, dentro dum processo industrial estudado minuciosamente.»[4]
Há que considerar também as diferenças fisiológicas dos sexos. O homem pode trabalhar várias horas de pé, mas a mulher não suporta esse esforço por longo tempo. Um simples inquérito às empregadas de balcão demonstraria essa verdade.
Encerrando estes tópicos sobre fisiologia do trabalho passamos propriamente à psicologia.
Entre os factores psicológicos da atitude perante o trabalho convém estudar:
1) O interesse ou desinteresse pelo trabalho: o gosto ou desgosto pela profissão.
2) As habilitações do trabalhador, sabido que a falta de habilitações dificulta o trabalho, que o seu excesso torna aborrecido o trabalho.
3) O aborrecimento, pela monotonia.
4) O cansaço ou fadiga, muito estudado pelos fisiologistas.
5) A falta de estímulo de aperfeiçoamento, na forma de louvores, prémios ou participação nos lucros.
6) E, em último caso, o salário ou vencimentos insuficientes.
O interesse ou desinteresse pelo trabalho, o gosto ou desgosto pela profissão têm causas naturais sabido que cada indivíduo, por genealogia, temperamento, idade, sexo, etc., prefere, consciente ou inconscientemente, um determinado tipo de expressão da personalidade. Descobrir a inclinação natural é função dos Institutos de Orientação Profissional.
Não é aconselhável, dentro do propósito deste estudo, discutir os métodos de descoberta da vocação, usados nos vários institutos. Não deixaremos, todavia, de nos referir a um dos principais problemas epistemológicos da vocação. Afirmam alguns psicotécnicos que muitas vezes as tendências reveladas durante os questionários e as provas são de origem patológica, isto é, representariam um desvio na natureza normal do homem, não corresponderiam, portanto, à verdadeira inclinação natural do indivíduo sujeito a exame. Conviria, nestes casos, interrogar em que medida, eliminadas as diferenças patológicas, subsistiriam diversos tipos de vocação. Neste debate seria de considerar a evolução semântica de palavras como «patológico» e «patologia».
Tal interesse ou desinteresse pelo trabalho, tal gosto ou desgosto pela profissão também existem em função de factores que surgem durante a prática do trabalho ou o exercício da profissão preferidos. Repare-se, por exemplo, que as faltas ao trabalho, incluindo as faltas por doença, até mesmo por doença simulada devem ser consideradas como incitamento a um estudo psicológico e não como actos de transgressão a um regulamento que exijam correspondentes sanções. Assim transitamos para os problemas indicados nas alíneas seguintes.
May Smith deste modo se exprime quanto ao problema das relações da inteligência com o trabalho:
«Quanto mais inteligente é o operário, mais sujeito está ao aborrecimento. Visto que existem centenas de pessoas que possuem baixa ou medíocre inteligência, é uma pena empregar em trabalhos baixos os espíritos bem dotados. Dever-se-ia seleccionar os trabalhadores inteligentes para trabalhos mais elevados; não há dúvida que isso nem sempre acontece. Ocasionalmente encontra-se alguém que, embora inteligente, gosta da rotina, e isso porque o trabalho, enquanto aborrecido, não é exaustivo; por meio dele a vida pode ganhar-se e despender-se o tempo de ócio num esforço criador. Contudo estes são poucos e não afectam a corrente geral.»[5]
Por outro lado, a falta de inteligência também torna mecânico o trabalho, como é óbvio. Não se realiza a adequada relação do espírito com o trabalho.
A rotina é um movimento em que não participam activamente nem a fantasia, nem a imaginação, nem a inteligência. Assim surge o aborrecimento.
«De uma forma geral a luta contra a monotonia de trabalho» – escreve o Sr. Dr. João Manuel Cortês Pinto – «é luta contra a fadiga industrial, que a monotonia, mais do que qualquer outro factor, provoca e agrava.»[6]
Do mesmo autor citamos um parágrafo esclarecedor:
«A influência das cores no estado psíquico do trabalhador é manifesta, e tem sido diminuída a fadiga, e aumentado o rendimento, só com a pintura de oficinas. As cores óptimas variam de trabalho para trabalho, desde os que exigem cores quentes aos que se acomodam melhor com cores frias. A influência das cores é das mais profundas porque o estado psíquico para que contribuem, mantém-se fora da oficina, e muitas vezes não desaparece até à nova entrada no trabalho.»[7]
A falta de variedade nos movimentos, nas figuras, nas imagens, falta de variedade que se designa por monotonia, é a causa principal do aborrecimento. Experiências feitas com a iluminação na América do Norte vieram demonstrar que a mudança de visualidade é um factor mais poderoso, relativamente ao acréscimo de produção, do que as condições de visibilidade, dado que muitas vezes se verificou um maior rendimento no trabalho, não obstante se terem piorado estas condições. Sem dúvida, porém, que, nestes casos, há que estabelecer uma função, com constante e variável movendo-se dentro de certos limites.
Importa distinguir cuidadosamente o aborrecimento da fadiga. Alguns autores estabelecem a distinção entre fadiga psicológica e fadiga física, como, por exemplo, F. Maier:
«Usamos o termo fadiga psicológica para designar os mais variados tipos de factores com consequências negativas no poder do rendimento do operário. Neles se incluem a quebra de eficiência no trabalho comummente designada como fadiga mental, além dos fenómenos conhecidos como monotonia e aborrecimento.»[8]
O que precisa bem a distinção em causa é o exemplo seguinte: o operário aborrecido retoma com gosto um trabalho diferente, enquanto que o operário cansado se mostra incapaz de prosseguir qualquer espécie de esforço. O aborrecimento, tornando mais penível o esforço, contribui em grande parte para o aumento de fadiga, com suas consequências no rendimento e na produção. É, porém, impossível eliminar a fadiga porque isso equivaleria a eliminar o trabalho. O que se pode é levá-la até aos limites mínimos.
Surge assim o problema dos estímulos, problema muito discutido sobre o qual se têm tecido as mais variadas ideologias. Ouçamos o que diz o Sr. Dr. Adérito Sedas Nunes:
«É evidente que o trabalhador deve ser interessado, por uma forma de participação nos lucros ou outra semelhante, na prosperidade da empresa: não ponho aqui o problema do direito; afirmo apenas que dificilmente o operário se sentirá estimulado a trabalhar a pleno rendimento, se do seu maior esforço e diligência não lhe advier um ganho monetário acrescido. Mas, tal como para o chefe da empresa, esse estímulo não é o único e nem sequer opera bem, isolado. O operário tem de sentir que a empresa também é sua, que a empresa é uma obra comum que ele ajuda a construir, que precisa dele, que depende dele, que conta com ele, em que ele colabora como homem livre e não como servo.
«Ser colaborador, e não servidor, eis aquilo a que o operário aspira e a que, como homem, tem direito.»[9]
Só em último caso se deve considerar a acção do salário ou do vencimento, como estimulantes. A psicologia mostra que, muitas vezes, a incessante exigência de mais salário é uma forma indirecta e até inconsciente de protesto contra as más condições psicológicas do trabalho. Muitas vezes, o operário troca um trabalho mais remunerado, por outro, com maiores estímulos. Muitas vezes, atingida a idade de reforma, ele sofre, não por ganhar menos, mas por não poder trabalhar. J. A. C. Brown, no livro já citado, refere o caso de operários que à hora de saída esperam os antigos colegas e procedem exactamente como se estivessem empregados.
Como se vê, este estudo de psicologia do trabalho incide principalmente sobre os aspectos emotivos e afectivos. É a tendência da psicologia inglesa e americana, oposta à tendência alemã que incide sobre os motivos da vontade. Os aspectos intelectivos ou ideológicos só aparecem em último lugar, porque variam e dependem da cultura do trabalhador. A psicologia americana tem por método o estudo do comportamento, de que é típico exemplo o livro de F. Maier, A Psicologia na Indústria.
Antes de terminar a primeira parte do nosso estudo, a parte relativa à psicologia do trabalho, não podemos deixar de referir uma importantíssima distinção, que convém introduzir e desenvolver nos estudos de psicologia.
Queremos falar da distinção entre psicologia feminina e masculina. Tal distinção é já reconhecida pelas pessoas que determinam os trabalhos impróprios para mulheres e que lhes devem ser vedados, embora a lei não tenha atingido ainda aquela precisão que seria de justiça. Além disso, a lei reconhece e concede privilégios à mulher casada, quando atende à sua função maternal.
Tal diferença psicológica dos sexos terá também de ser tomada em conta nos estudos de sociologia do trabalho, de que nos passamos a ocupar.
Por sociologia do trabalho não se entende qualquer divisão, ramo ou espécie de sociologia política, mas apenas o estudo dos fenómenos sociais das e nas relações de trabalho.
É útil começar esse estudo pela família, porquanto aqui nos é dado surpreender as relações de trabalho na sua origem. O trabalho doméstico, concentrando e orientando a vida afectiva para um fim comum, não só conserva e desenvolve as boas relações de parentesco, como contribui para formar um ambiente de convívio espiritual, profundamente educativo.
É a mulher a força que mais e melhor actua no sentido de manter o trabalho na família. As características masculinas de trabalho encerram, pelo contrário, uma força de expansão que se tem de considerar na base de todas as transformações industriais que se deram no decurso da história. A característica fundamental do trabalho masculino é a relação de exterioridade entre o operário e a máquina. O homem movimenta-se, desloca-se em torno da máquina. Necessita dum espaço diferente daquele que lhe proporciona o lar para exercer a sua actividade masculina. Nasce assim a oficina, construída no lugar mais exterior da habitação. Por seu lado, a mulher cose, borda e tece, sentada, ou se move, como no cozinhar e no arranjo da casa, dir-se-á que se coloca, perante os objectos, de dentro para fora, como quem de si prolongue os utensílios de trabalho. Isso manifesta-se também no carácter orgânico do ensino materno às filhas, iniciando-as e educando-as numa tradição secular.
A autoridade paternal transforma-se na autoridade patronal. Entre os artesãos da mesma arte, entre «os oficiais do mesmo ofício», sempre se estabeleceram relações de sociabilidade e solidariedade, que não só aumentam o interesse, o amor e o aperfeiçoamento no trabalho, como contribuem para formar e fortalecer a dignidade social do trabalhador. Neste mundo associativo, o trabalho, tornando-se mais amado, em virtude da afectividade e a afectividade, enriquecida em virtude do trabalho, dificilmente degeneram no mecanismo da produção em série e no colectivismo do pessoal em massa. Tal ímpeto associativo mantinha-se por relações de parentesco entre os vários artesãos, relações de parentesco que os casamentos vinham reafirmar.
Da oficina proveio a fábrica, com a sua complexidade de técnicas e processos de trabalho. A estruturação deste que dominou nos séculos XVIII e XIX, construção idealista da razão em que o operário funcionava como simples produtor de energia muscular, era uma violência, impossível de perdurar sem que as formas materiais e artísticas de exercício da actividade humana surgissem de novo, como quem espera só o tempo necessário para se adaptar às modernas condições técnicas e económicas em que o trabalho passou a desenvolver-se.
O artesanato foi muito combatido e com ele a corporação, depois da Revolução Francesa. Alguns sociólogos o julgaram postergado com o processo das novas técnicas de aplicação da energia muscular. Era, porém, o novo tipo de organização do trabalho sobre as novas técnicas e não estas – tipo de organização e técnicas que sociólogos mal doutrinados julgaram indissolúveis – a causa de que um abismo cada vez mais fundo se cavasse entre o trabalho e a família, da qual, como vimos, surge naturalmente o artesanato. Na verdade, qualquer que seja a técnica, sempre o homem, integrado por nascimento ou adesão instintiva numa associação, trabalhará os dados naturais com dons de artista. O artesanato subsiste sempre onde se mantém uma atmosfera de íntima e calorosa sociabilidade.
É este o parecer do Sr. Dr. João Manuel Cortês Pinto, ao atribuir ao artesanato uma fundamentação sociológica. Muito, com efeito, se tem discutido para decidir se o artesanato é uma categoria sociológica ou uma categoria económica. Se, como crêem em grande parte os sociólogos, não é uma categoria económica, tudo depende da organização social que informa a indústria fabril. Constitui um grande mérito do nosso tempo ter-se demonstrado errado o pensamento que aceita por guia de estudo a legislação e a estrutura fabril dos séculos XVIII e XIX, – com a produção em série e o pessoal em massa. Neste sentido aconselha-se a leitura de J. A. C. Brown, o qual é a demonstração de que convém, mesmo na grande indústria de laboração contínua, regressar a estruturas de tipo artesanal.
O Sr. Dr. Adérito Sedas Nunes, depois de ter referido como a indústria moderna, nos seus vários momentos de evolução, encarou o operário, desde a sua identificação à máquina, cujo ponto crítico se encontra na aplicação dos princípios de Taylor, até à consideração deste como ser físico, orgânico, psíquico, moral, confirma este ponto de vista, ao escrever:
«Mais recentemente descobriu também o seu aspecto social. Descobriu que o operário trabalha melhor em equipa do que isolado; melhor junto de camaradas que estima, do que junto de outros a quem é indiferente ou hostil; melhor em grupos em cuja organização participa, do que em grupos cuja organização lhe é dada; melhor com chefes que o esclarecem e orientam, do que com chefes que simplesmente ordenam; melhor ainda com chefes que ajudou a escolher, do que com chefes impostos. Descobriu, em resumo, que o rendimento do trabalho depende do ambiente social, das relações humanas dentro da empresa.»[10]
Ainda o Sr. Dr. Adérito Sedas Nunes, após ter afirmado que a regra fundamental do cumprimento do engenheiro e do técnico em geral para com o trabalhador é o respeito da sua inteligência, conclui:
«Este princípio de liberdade do operário na execução do seu trabalho encontra a melhor expressão na fórmula das equipas semiautónomas. Consiste no seguinte: a empresa é dividida segundo os grupos de serviços de que se compõe, e aos trabalhadores ocupados em cada um desses grupos de serviços concede-se certo grau de autonomia. Concretamente, os trabalhadores recrutam e escolhem (de acordo com o chefe da empresa) os seus próprios companheiros e chefes imediatos (contramestres, etc.), acordam entre si a distribuição das tarefas a realizar, ajudam-se mutuamente no trabalho, estudam em conjunto os problemas de pormenor da organização do trabalho e da execução de cada uma das operações fabris, e, em geral, recebem uma remuneração global, calculada em proporção à produtividade obtida, a qual têm toda a liberdade de partilharem como quiserem. Parece talvez um princípio de anarquia e desperdício, mas os resultados colhidos em numerosas e muito variadas aplicações práticas revelam exactamente o contrário: o rendimento da produção cresce notavelmente, o operário sente-se mais vivamente integrado na empresa, as relações entre patrões e assalariados melhoram, a disciplina é mais perfeita.»[11]
Nas oficinas, nas fábricas e nos escritórios, a sociologia do trabalho defronta graves problemas, tais sejam os que resultam do convívio dos colegas entre si. As dificuldades que o trabalhador encontra nesse convívio é uma das causas mais importantes e frequentes de despedimento. Num recinto em que se trabalha e onde, por isso, uns necessariamente hão-de mostrar superioridade sobre os outros é difícil impedir que surjam as invejas, os ressentimentos e a maledicência. É curioso notar que pessoas, capazes de fazer melhor, por vezes preferem ficar no nível comum para evitar a inveja, e, em consequência, o combate.
Quando trabalham em comum os dois sexos, surge outro motivo de conflitos. Tecem-se as intrigas femininas e é raro não haver maledicência acerca do comportamento moral das mulheres, dentro e fora dos locais de trabalho. Todas se esforçam por adular o chefe, cada uma pretende ser a preferida. Este mau ambiente de trabalho, criado pelas intrigas, pela maledicência e pela adulação, suscita problemas difíceis de resolver, pois, por outro lado, os homens que trabalham com mulheres fazem-no com muito mais agrado. O que está verificado é a inconveniência de elevar as mulheres a lugares de chefia. Consultando pessoal feminino sobre se prefere ser dirigido no trabalho por homens ou por mulheres, a estatística respostas confirma a observação dos sociólogos.
Muitos sociólogos foram, por isso, levados a estudar com a maior atenção o problema da chefia. Com efeito, do chefe, do vigilante e do capataz, em grande parte, depende a boa ou má atmosfera social em que exerce o trabalho.
«Três tipos gerais de procedimento», escreve J. A. C. Brown, «caracterizam as investigações sobre o problema da chefia. Primeiramente os traços daqueles que foram reconhecidos como grandes chefes no passado e no presente, foram analisados de modo a descobrir o que de comum existe nesses homens. Em segundo lugar, foram formados grupos experimentais, a cada um dos quais se pediu a nomeação de um dos seus membros para o cargo de chefe, e estudaram-se, depois, os escolhidos, segundo aquela directriz. Em terceiro lugar, examinou-se uma grande quantidade de listas com as qualidades dos chefes e concluiu-se que, na sua maioria, obedecem a um critério subjectivo em que as qualidades apresentadas representam apenas a própria concepção que o escritor faz do «Grande Chefe». Mais adiante, o mesmo autor escreve: «Qualidades tais como «sentido da justiça», «sentido do humor», «sentido das responsabilidades» são tão complexas que não podem apresentar-se como uma característica simples que uma pessoa possua ou não possua.»[12]
O Sr. Dr. Adérito Sedas Nunes, como se vê pela citação que inserimos linhas atrás, é de opinião que os chefes devem ser escolhidos de acordo com a vontade dos chefiados e não impostos. Neste sentido, importa considerar a motivação psicológica da escolha. W. J. H. Sprott escreve:
«Do ponto de vista dos chefiados, o chefe pode realizar uma grande variedade de funções. Ele pode simplesmente conhecer o caminho. Da maior importância são os casos em que o chefe é o centro de fixação das emoções. A pressão dos sequazes junto do chefe, e a adulação foram frequentes vezes notadas. Le Bon, por exemplo, escreve: «Homens reunidos num grupo perdem toda a sua força de vontade, e voltam-se instintivamente para a pessoa que possui as qualidades que lhes faltam». Todavia, a escolha do chefe nem sempre é acertada. «Os chefes são com mais frequência homens de acção, do que pensadores... são especialmente recrutados das linhas dos neuróticos, irritáveis, pessoas desequilibradas, estrei-tas ou loucas». Michels, também, como já mencionámos, nota a importância dos chefes. «A necessidade que as massas sentem, mesmo as massas organizadas, de serem dirigidas por chefes, acompanhada por um vivo culto dos heróis, é ilimitada.»[13]
Por estas citações, pode o leitor calcular a influência dos chefes no bom funcionamento dos serviços. Numa vasta organização de trabalho, o chefe actua como intermediário, que, integrando os meios nos fins, pode, pela sua influência pessoal e inteligente orientação, dar a cada trabalhador a consciência de uma personalidade activa e criadora, na sua dependência. De aqui se aconselha o exigir-se aos futuros chefes provas suficientes de conhecimento dos homens e de psicologia do trabalho.
É o chefe quem conhece o valor dos seus subordinados, pelo que seria aconselhável atribuir-lhe total competência quanto à disciplina de faltas, licenças e férias, ao contrário do critério geralmente adoptado que relega para um director afastado a resolução abstracta desses problemas burocráticos.
Até aqui consideramos as relações de trabalho dentro dos locais em que este se exerce. Concluir-se-á da nossa exposição que o princípio associativo, de que a família é a representação mais imediata, deve presidir a essas relações, sem o que o trabalho e a sociedade dos trabalhadores degeneram em formas contrárias não só à elevação espiritual do homem como à utilidade pública. Agora, e por fim, vamos rapidamente considerar aquelas relações de trabalho fora dos locais em que ele se exerce. Nesse âmbito, destaca-se a vida sindical, que tão largo papel ocupa na organização hodierna do trabalho. É evidente que tal vida se reveste dum carácter abstracto e ilusório. O trabalhador inscreve-se, paga as quotas, recebe os benefícios, vai às assembleias gerais, mas afasta-se do convívio sindical. Mal conhece os dirigentes, porque lida só com os funcionários de secretaria e tesouraria. Quando o sindicato atinge milhares de sócios, o trabalhador vota numa lista, cujos nomes designam pessoas que ele nunca viu.
Que diremos das cantinas, dos balneários, dos recintos desportivos, das colónias de férias? Neste ponto, cabe ouvir o Sr. Dr. João Manuel Cortês Pinto, quando escreve:
«A principal, a mais profunda e a mais útil acção da empresa no terreno social, será de contribuir para a desproletarização do trabalhador, auxiliando-o sempre que as circunstâncias o permitam, a construir a sua casa em vez de lhe ceder casa no bairro operário; facilitando-lhe a aquisição de bicicletas, ou bicicletas motorizadas, que lhe permitam ir almoçar a casa, era vez de criar a cantina; concedendo subsídios para férias, em vez de manter colónias de férias, etc. Sempre que estas realizações sejam economicamente possíveis, ainda que com maiores dispêndios, elas são muito preferíveis e para aí se devem orientar as realizações de um sistema eminentemente personalista como é o corporativo.» [14]
Do mesmo autor é também digna de nota a crítica que faz aos bairros de habitação para operários:
«Quer-nos parecer que o problema da habitação ganharia em ser visto a uma luz menos técnica de facilidade de construção e mais social. O bairro económico perverte o fim da casa económica, que é dar um abrigo à própria família. Ora, para se ter a sensação de casa própria, a primeira condição é que ela seja diferente, que não seja de série. A intimidade do lar está violada quando se sabe que esse lar é precisamente igual aos que se encontram à sua volta, está como que devassada pela sua reprodução em série. Por outro lado, o bairro económico, como o bairro residencial, vem fixar uma estratificação que nos parece altamente inconveniente para a educação social. Para amar é preciso conhecer, e estas separações de classes, impedindo-as de se conhecerem, não são próprias ao entendimento nem à solidariedade social.»[15]
Como se vê, autores portugueses e estrangeiros, da maior notoriedade, concordam nas linhas gerais das modernas psicologia e sociologia do trabalho. É de notar a falta destas disciplinas nas Faculdades de Engenharia, no Instituto Superior Técnico, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e na Faculdade de Direito. Se as relações humanas que mais interessam para fins sociais são as relações do trabalho, ou profissionais, justo seria habilitar com tais conhecimentos aqueles que destinam a ser directores, chefes ou técnicos das empresas.
António Telmo
[1] Mensário das Casas do Povo, ano XI, n.º 127, Janeiro de 1957, pp. 6-7 e 16, e n.º 128, Fevereiro de 1957, pp. 10-11 e 22.
[2] J. A. C. Brown, The Social Psychology of Industry, London, 1956, p. 186.
[3] João Manuel Cortês Pinto, A Corporação, Coimbra, 1955-1956, p. 285.
[4] May Smith, An Introduction to Industrial Psychology, London, 1952, p. 44.
[5] May Smith, livro citado, p. 92.
[6] João Manuel Cortês Pinto, A Corporação, Coimbra, 1955-1956, 2.º vol., p. 294.
[7] Idem, p. 286.
[8] Norman R. F. Maier, Psychology in Industry, Cambridge, 1955, p. 457.
[9] Adérito Sedas Nunes, Situação e Problemas do Corporativismo, Colecção de Estudos Corporativos, Lisboa, 1956, p. 162.
[10] Adérito Sedas Nunes, Situação e Problemas do Corporativismo, Lisboa, 1954, pág. 161.
[11] Adérito Sedas Nunes, livro citado, p. 164.
[12] J. A. C. Brown, livro citado, p. 220.
[13] W. J. H. Sprott, Social Psychology, London, 1956, pág. 85.
[14] João Manuel Cortês Pinto, A Corporação, Coimbra, 1956, vol. II, pág. 158.
[15] João Manuel Cortês Pinto, livro citado, pág. 75.