VERDES ANOS. 17

29-10-2015 11:10

Durante o seu período formativo, que culminou com a edição de Arte Poética, António Telmo dedicou cinco escritos de imprensa a Sampaio Bruno, quatro dos quais foram já publicados nesta página. São eles "Problemas do estilo em Sampaio Bruno", "No centenário do nascimento de Sampaio Bruno", "Sampaio Bruno, crítico literário" e "Sampaio Bruno", este último comentado por Paulo Samuel, que será um dos oradores do Congresso A Obra e o Pensamento de Sampaio Bruno, a realizar-se, em Lisboa e no Porto, já na próxima semana, entre 4 e 6 de Novembro. Entre os participantes contam-se ainda outros membros do Projecto António Telmo. Vida e Obra: Manuel Ferreira Patrício, Rui Lopo, Samuel Dimas e Pedro Martins, que falará sobre "Sampaio Bruno e António Telmo". 

Completando hoje a publicação dos escritos télmicos da juventude sobre Sampaio Bruno, aqui deixamos o escrito de António Telmo no primeiro número do 57 sobre "O Centenário de Sampaio Bruno". 

    

 

O Centenário de Sampaio Bruno[1]

 

Através de excertos de livros, ensaios e artigos publicados recentemente em Portugal e no estrangeiro, «57» oferece aos seus leitores um panorama da actualidade cultural, chamando a atenção para obras que merecem ser lidas e meditadas, para problemas que se inserem entre as maiores preocupações da espiritualidade moderna, enfim, para aspectos valorativos da cultura portuguesa segundo o critério da sua originalidade, da sua afirmação e do seu progresso. Saibamos ler as obras estrangeiras, não como figuras dogmáticas a seguir obedientemente, mas como contributos para a afirmação do nosso próprio carácter. Saibamos distinguir, na produção cultural portuguesa, o que é meramente importado do que constitui afirmação pessoal e nacional.    

 

O centenário do nascimento de Sampaio Bruno para o qual chamou pela primeira vez a atenção a Gazeta Literária do Porto, foi até agora comemorado por alguns diários citadinos, e algumas revistas, como o Diário Popular, o Diário de Notícias e a Brotéria, sendo, porém, justo destacar o Comércio do Porto, por ter dedicado ao fundador da filosofia portuguesa uma página inteira. Infelizmente, porém, a generalidade dos escritores que subscreveram os vários artigos desse número, por motivos óbvios a qualquer inteligência medianamente informada sobre a nossa vida cultural na sua relação com os sentimentos negativos, preferiu encarar Sampaio Bruno apenas como o primeiro doutrinador da República Portuguesa a meditar a sua obra e a sua filosofia. É certo que o autor da Ideia de Deus é um pensador que se torna difícil para os espíritos formados, directa ou indirectamente, em escolas de filosofia estrangeira. O racionalismo escolástico dum Agostinho Veloso ou o universitarismo anedótico dum Vieira de Almeida ou o enciclopedismo francês de um Joel Serrão ou o filosofismo pseudo-moderno dum Eduardo Lourenço ou o intelectualismo universitário dum Delfim Santos constituem fortíssimo obstáculo à apreensão dum pensamento radicado em categorias nacionais. Em plena decadência do positivismo tal incompreensão só pode ter duas significações: ou é má vontade ou gosto de persistir em formas inactuais.

Perante este quadro, os admiradores do filósofo foram suficientemente compensados pelo artigo de José Marinho, também incluído no Comércio do Porto, artigo que é o produto duma meditação séria, digna e incomparável, apenas atenta ao germinar fundo do pensamento e dessa atenção sabendo extrair uma exegese que, por vezes, penetra no domínio da hermenêutica. «57» transcreve, por isso, um excerto dessa admirável página de filosofia portuguesa. – A. T.

 

António Telmo    


[1] 57, ano I, n.º 1, Lisboa, Maio de 1957, p. 12.