UNIVERSO TÉLMICO. 71
Homenagem ao professor José Santiago Naud, um dos fundadores da UnB[1]
Rozana Naves e Henryk Siewierski
Na última segunda-feira, dia 20 de julho de 2020, faleceu o professor José Santiago Naud, poucos dias antes do seu 90º aniversário. Nascido em 24 de julho de 1930, na cidade de Santiago (RS), e licenciado em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Professor Santiago Naud foi pioneiro de Brasília, para onde se transferiu após ser selecionado em concurso nacional para inaugurar o ensino de nível médio na nova capital. Convidado, em março de 1962, por Cyro dos Anjos, diretor do então Instituto Central de Letras da Universidade de Brasília (ICL/UnB), passou a integrar o corpo docente da UnB, tornando-se um dos seus fundadores.
Na UnB, esteve ligado ao Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, dirigido pelo professor Agostinho da Silva, com quem compartilhava inovadoras ideias educacionais, contribuindo para a sua concretização na prática universitária. Participou, ainda, da criação da Federação Espírita do Distrito Federal, da Associação Nacional de Escritores e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.
Lecionou literatura portuguesa e brasileira em várias universidades estrangeiras, entre as quais a Universidade de Yale e a de Los Angeles. Entre 1973 e 1985, dirigiu, como representante do Ministério das Relações Exteriores, centros de estudos e de cultura brasileiros em La Paz (Bolívia), Rosário (Argentina), Panamá e México.
É autor de uma extensa e original obra poética e de vários ensaios críticos, como Hinos Cotidianos (1960), A Geometria das Águas (1963), Ofício Humano (1966), Verbo Intranquilo (1967), Pedra Azteca (1985), Vez de Eros (1987), Memórias de Signos (1993) e Antologia Pessoal (2001), entre outros. Os seus livros de poemas foram publicados na Argentina, no Panamá, no México e em Portugal.
Reintegrado à UnB em 1990, atuou como professor no Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TEL) e no Núcleo de Estudos Portugueses do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), tendo participado de vários projetos de estudos literários e de tradução. Com o seu profundo conhecimento da herança poética e filosófica universal, e de língua portuguesa em particular, compartilhado generosamente com os estudantes e colegas, enriqueceu substancialmente os programas dos cursos do Instituto de Letras. Aposentado, continuava em contato e colaboração com a UnB, principalmente no âmbito da Cátedra Agostinho da Silva do Instituto de Letras.
Sempre atencioso e aberto ao diálogo, sabia valorizar e incentivar trabalhos dos colegas. O lado espiritual do seu pensamento se associava a uma prática da vida solidária e a uma busca insaciável do conhecimento, verdades da ciência e da fé, tornando a convivência com ele um dom singular.
Seu afeto e consideração para com o Instituto de Letras da Universidade de Brasília se expressaram fortemente no evento de comemoração dos 50 anos deste Instituto, realizado em 2012, em que nos honrou com a sua presença vibrante e entusiasmada. Gostaríamos de homenageá-lo a partir de um de seus poemas, que tem como temática a morte. Sem dúvida, ao Professor José Santiago Naud caberá a glória do legado que deixa ao Instituto de Letras, à UnB e ao país, razão pela qual seguirá vivo na memória afetiva dos que o conheceram e com ele conviveram e na nossa memória institucional.
DA MORTE
A morte joga no descampado
o seu jogo de dados
mas é no íntimo de nós
no âmago
que os pontos contam.
Ela funda
no fundo de nós
sua raiz fecunda –
no ventre
como bicho faminto
no coração
como casa sem gente
na mente
como causa de causas sem motivo.
É a nossa companheira
longinquamente
desde o berço
e muito antes ainda
pois quando nos embalava
ao doce enlevo da mãe
já modulava o canto
antiquíssimo
marcando o mais certo encontro conosco
para a miséria
ou para a glória.
[1] Nota do Editor - Texto originalmente publicado, em 1 de Agosto de 2020, na página oficial na Internet da Universidade de Brasília, de que os autores são professores. Henryk Siwierski é também membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra.