UNIVERSO TÉLMICO. 70
ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS
O Mestre, Maria Azenha (arte digital)
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O Mestre
Maria Azenha
Ele era um mendigo que morava na rua.
Numa rua bem conhecida,
Ao pé de minha casa.
De face iluminada,
Como nunca outra pude ver,
Caminhava,
Sem rumo,
De um lugar para outro.
E rendia-me à sua beleza. E aos seus passos de música.
Ele era tão belo como a face de Cristo representada por alguns pintores.
Pude claramente ver ali, ao vivo, como a chuva fluía
Ao longo das suas vestes
Acompanhando o seu antigo corpo.
Olhava-o com algum pudor.
De volta, ele fixava-me o rosto e mostrava-me a mão
Aberta.
Afinal quem era?
De onde viera?
Impossível saber se era grego ou egípcio ou
De outro lugar qualquer.
Com os seus profundos olhos
– Disso estou certa –
Ele era o meu Mestre.
De roupas longas,
Pés cobertos pelas pontas de um cobertor,
Na escuridão da rua,
Na mais pura noite coberta de estrelas,
Celebrámos a luz do amor.
Não falámos. Talvez comunicássemos numa língua arcaica.
Da última vez que o vi, já com algum esforço,
Parecia apontar para o mistério do fim,
Andando muito devagar.
Encostei-me ao seu ombro, estremeci.
Beijei-lhe o rosto.
Um relâmpago abriu o céu de uma ponta a outra.