UNIVERSO TÉLMICO. 46

19-11-2016 22:19

Agostinho da Silva: a década perdida

Pedro Martins


António Telmo ofereceu-me este manuscrito (ou dactiloscrito, se preferirem) de Agostinho da Silva no início de 2004. "Projecto", destinado à nunca concretizada Revista Municipal que a Câmara de Sesimbra deliberara criar em Dezembro de 1969, quando Telmo era já o Director da Biblioteca Municipal, estava ainda inédito ao vir para a minha mão. Tive o privilégio de o publicar, juntamente com a, também inédita, "Apresentação", por Telmo, da revista, no número 30 da agenda cultural Sesimbra Eventos (1999-2005), na verdade uma pequena revista cultural bimestral de que se publicaram 40 números, e que jornalistas autorizados como o saudoso Helder Pinho, de A Capital, e Pedro Rolo Duarte, do Diário de Notícias, consideraram uma das melhores do país.
Dois anos e meio depois, «Projecto» saiu pela primeira vez a lume em livro, nas Actas do Congresso «Agostinho da Silva e o Espírito Universal», realizado na Biblioteca Municipal de Sesimbra, sob a égide de António Telmo, por ocasião do centenário agostiniano. Recentemente, em 2015, foi republicado na marginália do Volume III das Obras Completas deste filósofo, chegando, assim, à disposição do grande público. Acompanha-o um outro escrito de Agostinho, sobre um livro perdido de Telmo, proveniente do espólio deste, mantido inédito até ao final de 2014, quando a generosidade de António Cândido Franco me permitiu publicá-lo na revista A IDEIA. Creio não errar por muito se afirmar que, desde 2007 e até hoje, foram estes, a par das Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, de Agostinho da Silva - A Última Entrevista de Imprensa (no âmbito do GEAS - Gabinete de Estudos Agostinho da Silva), e da segunda parte de Vida Conversável, em curso de publicação na revista NOVA ÁGUIA, os únicos inéditos do filósofo que vieram a lume. Depois da de Fitzgerald, também Agostinho parece ter tido a sua década perdida. Ficaremos por aqui? 
Quando será possível vir a encontrar os dois escritos do espólio télmico que acima mencionei num livro de dispersos do próprio Agostinho da Silva? 
Quantos inéditos da autoria deste aguardam por um prelo? Por que motivo, de 2006 em diante, praticamente parou a edição de novas obras de Agostinho da Silva? Por que estão hoje ausentes das nossas livrarias os títulos clássicos da sua bibliografia? Agostinho não vende? Deixou de ter leitores? Perdeu o interesse? Não interessa dar a conhecê-lo às novas gerações? Ou será apenas desejável confiná-lo à memória circense das Conversas Vadias? Ou ao debitar a esmo de citações avulsas, dirigidas e descontextualizadas no facebook, para fomento do devocionismo, a par do famélico recurso a uma ou outra selecta? De repente, um assombroso paradoxo se abateu sobre o Colosso, ao ver-se agora servido como célere comida de plástico num qualquer McDonalds, mas jungido à frugalidade herbívora das tebaidas. 
Por que se organizou um grande Colóquio Internacional sobre o filósofo em Fevereiro deste ano sem o mínimo vislumbre de actas, ou sequer da disponibilização electrónica dos respectivos registos em video, sabendo-se que o colóquio foi difundido pela Internet em live streaming?
Talvez, como há não muito Renato Epifânio alvitrou no texto que assina em Agostinho da Silva - A Última Entrevista de Imprensa, seja este caso uma «espécie de maldição». Se assim for, só nos resta esperar que o feitiço se vire contra o feiticeiro.