«OS MEUS PREFÁCIOS». 11
PREFÁCIO A ARTE E TRANSCENDÊNCIA, DE MARIA DE LURDES PELICANO[1]
Ao escrever este prefácio, conhecia Maria de Lurdes Pelicano apenas pela voz, de a ouvir ao telefone, e pelo vozear, de ler os seus transcendentes poemas. Quando não vemos, julgamos não conhecer, tão habitual e dominador é o sentido da vista que até, quando dorminos, se desenha no sonho a paisagem das imagens. O ouvido, porém, se o sabemos utilizar metafisicamente (e é só não nos esquecermos de que também existe em nós), é bem mais atento ao essencial.
Quando lemos, conhecemos pela vista ou pelo ouvido ou simultaneamente pelos dois? É que o corpo da palavra, na sua dupla natureza oral e escrita, emerge uno da treva e do silêncio, é luz que soa e som que ilumina, ela é portadora da única sinestesia que está ao alcance de toda a gente. O espaço revela-se-nos pela vista; o tempo pelo ouvido. Como observou Aristóteles, o nosso desejo de conhecer utiliza a vista para determinar semelhanças e diferenças, o ouvido para aprender. O que é que aprendemos com este Florilégio Poético de Maria de Lurdes Pelicano? Aprendemos a ser atentos à desgraça da humanidade neste fim de ciclo e ao que há em nós capaz de nessa desgraça viver em esperança. Ambas as coisas em perfeita simultaneidade, como a Cruz que se alia à Rosa. O título é tão belo – Arte e Transcendência – que se eu não tivesse ouvido Maria de Lurdes Pelicano pelo telefone seria na mesma atraído para conhecer o livro e não me sentiria logrado, antes exaltado, depois de o percorrer, por sentir na minha alma uma diferença que não havia antes. Perante os seus poemas, tal como me aconteceu lendo Dalila Pereira da Costa ou Natália Correia ou Maria Filomena Molder, e perante esta desgraça de uma humanidade feita pelos homens, não pude deixar de lembrar a profecia de Joseph de Maistre de que “a salvação virá pelas mulheres”, assim no plural sem alegoria ou sofisma.
António Telmo
[1] Maria de Lurdes Pelicano, Arte e Transcendência: florilégio poético, Edições Margem, 1997, pp. 9-10.