NO PRÓXIMO DIA 20, ÀS 18:30, NA ESCOLA ANTÓNIO ARROIO: RISOLETA C. PINTO PEDRO, DO PROJECTO «ANTÓNIO TELMO. VIDA E OBRA», LANÇA «HAPPY MEAL»

12-10-2015 20:01


UM EXCERTO DE HAPPY MEAL

 

Embora estivesse quase a fazer os quinze, o Rubem ainda tinha nessa altura catorze anos, ia para o 10º ano de uma escola particular muito selecta, dizia a minha irmã, coisa que não havia na pequena povoação onde habitavam. Não valeu a pena fazer-lhes discursos sobre as qualidades da escola pública, que eu, como professora, conhecia muito bem e podia testemunhar. A minha irmã estava determinada.

Para Rubem a decisão era perfeita, finalmente tinha um McDonald’s à mão de semear. O supra sumo do requinte em culinária era para ele o happy meal. Não adiantava muito eu esmerar-me na cozinha, só o via deliciar-se na ida semanal ao Mac, que fazia parte do pacote do nosso pacto de entendimento. Entre outras coisas. Ele não deixava as meias espalhadas pela casa. Eu acompanhava-o ao Mac. Parecia-me justo. Ele não se importava de ir ouvindo os meus discursos ecologistas sobre a devastação das florestas da Amazónia, de que esta cadeia de restaurantes era em parte responsável por causa dos pastos para as vacas; nada lhe tirava o apetite. Nem o atormentava a consciência. Ainda. Eu comia uma salada. Ele também. Entre o primeiro happy meal e o segundo. Nada mau. Consolava-me eu vendo o meu sobrinho crescer,

Pronto, o rapaz vai sobrevivendo ao veneno e até cresce, já deve ter adquirido bastantes anti-corpus.

Pareciam-me eternidades, aqueles almoços a que nunca consegui habituar-me, que despertavam em mim um sentimento de fome e em que assistia, espantada, à procissão de hamburgers penetrando no corpo de Rubem sem que se verificasse qualquer tipo de fenómeno físico visível. Era sempre com a mesma estupefacção que, calculava eu, só devia igualar a dos cientistas quando confirmaram a teoria da relatividade de Einstein, os raios de luz das estrelas Híades na constelação de touro, situadas atrás do sol, encurvadas pela estrela, numa estranha relação entre matéria e energia, como os extraordinários fenómenos que eu imaginava dentro da massa corporal do meu sobrinho, esse pequeno sol que passara a iluminar-me a casa e o vazio e a vida! Só Einstein conseguiria explicar este encurvamento do espaço e do tempo, dentro e fora de Rubem, em tudo o que tocava. E o que mais intensamente tocava esse paradoxal adolescente comedor de vacas trituradas e criador de sóis era, sem dúvida, a minha nova vida.

Havia no prédio um vegetariano, mas esse era especial. Havia e há. É o meu vizinho comedor de rosas. Diziam as más

boas?

línguas que comia rosas ao pequeno almoço. E que estava em licença sabática. Foi o que me contaram as miúdas. Falarei delas mais tarde.​