INÉDITOS. 97
ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS
A ciência é o que menos importa quando descobre aquilo que a nega[1]
Mais uma vez me acontece ficar a olhar maravilhado para a iluminura do manuscrito persa com a paisagem da Ilha do Amor imaginada por Luís de Camões.
O meu livro Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões foi um insucesso. Nem o facto de ter sido escrito pelo autor da História Secreta de Portugal contribuiu o que quer que fosse para atrair a simpatia do leitor. O maniqueísmo é uma doutrina condenada. O Príncipe dos poetas maniqueu!
A partir daqui as pessoas não vêem mais nada. Nem sequer se interrogam se o seu conceito de maniqueísmo que divide o universo entre dois princípios antagónicos corresponde ao que facto ele foi no mundo persa.
Pus a palavra no título associando-a a Camões, julgando que assim atraía o leitor escandalizado para a leitura de um livro onde descobriria a beleza sem par da espiritualidade daquela Pérsia que o poeta tinha por gloriosa.
Estava convencido de que, quando esse leitor verificasse a espantosa coincidência entre a paisagem do manuscrito e a paisagem da Ilha do Amor poria em questão tudo quanto até agora se escreveu sobre as “fontes” camoneanas. Não vivemos num país culturalmente sério. Não é verdade que os positivistas façam a história sobre os documentos. Eles arranjam os documentos que possam mostrar o que pensavam previamente da história. Em terra de científicos, a ciência é o que menos importa quando descobre aquilo que a nega.
António Telmo