INÉDITOS. 87

28-04-2020 22:02

L. e T. de Pascoaes

 

A amizade entre estes dois homens não foi importante somente para eles, mas mais ainda para todos nós, porque nela e dentro da mais séria e compreensiva atitude da alma se cruzaram duas das orientações cardiais do pensamento português. São o maniqueísmo (Pascoaes) e o cristianismo (Leonardo) que, confrontado com os problemas que aquele lhe põe, se coloca à suficiente distância do cristianismo de estado para poder encontrar o seu caminho de reflexão e de liberdade. As duas outras orientações cardiais são esse mesmo cristianismo de estado, assegurado pelas instituições laicas e religiosas, e várias formas de materialismo e de racionalismo ateu que tem com o primeiro mais afinidades do que em geral se supõe.

Damos as quatro direcções do esquema espacial. Na obra de Leonardo Coimbra, constantemente se verifica que o seu pensamento se forma reagindo perante estas três arestas e, se digo perante e não contra, é porque procurou integrar aquelas três orientações na sua própria orientação, lutando, num dos lados, por um catolicismo renovado, noutro por uma razão científica criacionista, noutro ainda por uma conciliação que é, afinal, a expressão de uma profunda afinidade, quer o dualismo invencível dos novos maniqueus não deixa realizar-se plenamente.

Deveria, talvez, dizer gnósticos em vez de maniqueus. O maniqueísmo é uma variedade da gnose. Esta palavra é a que, segundo Leonardo Coimbra, caracteriza o pensamento de Teixeira de Pascoaes.         

Temos, pois, Bruno, Antero e Pascoaes, do lado da “gnose” e Leonardo profundamente interessado neles.

Bruno é um representante, entre nós, da gnose judaica. Nele se repercute o pensamento de Isaac Luria, filtrado pelas reflexões sobre o pensamento contemporâneo: Leibniz (Amorim Viana), Schelling, Darwin, etc….

Antero vai ligar-se ao budismo tal como foi refractado pela filosofia nórdica.

Pascoaes é de pura inspiração portuguesa, um Prisciliano renovado e casto, um maniqueu naturalista.

Há ainda António Sérgio e a sua relação com a Índia, étnica (era goês) e espiritual, o pensador do “uno unificante”, mas nele há uma radical repulsa em combinar a Razão com a Fé. Um espírito quezilento que se comprazia em aborrecer os descobridores do espírito, aqueles que para atingir uma estrela embarcam no que lhes parece, na ocasião, o melhor barco – razão, imaginação, intuição – e só depois de estarem em pleno oceano é que põem a funcionar o astrolábio. Claro que confiam em quem fez os barcos. Mas um barco serve para descobrir e não para ficar ali pregado como se fosse de pedra e cal, uma espécie de prisão maçónica, onde, contando os dias, se passam as horas sempre iguais a brincar à ciência ou à religião.    

 

António Telmo