INÉDITOS. 85
Esboço de uma carta para António Quadros
Dirijo-me a si, com quem são raríssimas as ocasiões de conversar, a si pela nossa homónima afinidade, para lhe perguntar se por acaso não recebeu o meu último livro Gramática Secreta da Língua Portuguesa e, se o recebeu e leu, o que é que pensa dele. Eu acreditava nesse livro. Todavia, embora não me surpreenda a sua desclassificação no concurso ao Grande Prémio da Sociedade de Língua Portuguesa, intriga-me o silêncio do grupo de Filosofia Portuguesa. Com excepção do Agostinho da Silva e do Álvaro Ribeiro, dos quais possuo cartas, todos os outros se comportam como se ignorassem a sua publicação. Devem ter feito o mesmo com o seu último livro sobre o Fernando Pessoa, mas o António Quadros, pelo que vejo com o exemplo dos magníficos artigos no jornal Tempo, continua a escrever consciente de que a nossa missão é só essa: dizer o que há para dizer e conforme nos é concedido dizer. “Tudo o mais é com Deus”.
Eu sei que, não propriamente o livro, mas a científica determinação dos vinte e dois esquemas consonânticos, dos dez grupos ou conjuntos de consoantes afins, das quatro espécies em que se subdivide a voz, das três medidas verticais, das sete vozes puras, determinação que é a própria forma da balança sephirótica na sua complexa estrutura, constitui a mais importante descoberta linguística que se fez desde os gregos até hoje. Enquanto tal, há-de no futuro vir revolucionar a linguística europeia. É possível que, sendo o meu livro um livro de ciência e não de filosofia, isso explique a indiferença do grupo de filosofia portuguesa.
Li o seu artigo onde defende que se passa por uma Escola, e ali se recebe a iniciação, para depois não se ficar preso a ela e fazer a sua própria obra. Inteiramente de acordo, lembro-me contudo do José Marinho e do Álvaro Ribeiro. Sinto que nos olham e esperam mais do Pinharanda Gomes, de si, de mim, do Orlando, do Braz Teixeira, do Sottomayor, do Guerra, do que a divisão religiosa. O próprio António Quadros mostra bem nitidamente no seu último livro como a profissão de fé católica não exclui a atenção à gnose e até a valorização do que nela se aprofunda para levantar o catolicismo até ao limiar da Igreja Invisível.
António Telmo