INÉDITOS. 61
Sobre A Goga
Goga é o termo grego para o italiano Duce e para o alemão Führer. A palavra, pela repetição da gutural, é a repetição de um estado peculiar da alma bem conhecido, muito frequente nas pessoas que o destino, a ambição e a vaidade, e também a incompetência, elevaram a cargos de chefia. Na Comédia do Ensino de que o leitor acabou, se leu, a primeira parte, a Goga é a personificação da pedagogia, tropo que atrairá a censura de quem vê na condução da criança para a escola (é este o significado exacto da palavra pedagogia) a suprema virtude do Estado. Se a palavra pedofilia (amor pela criança) não tivesse sido posta a correr com o sentido de pederasta, diria que os pedófilos são os educadores, os que conduzem da escola para o mundo e para a vida as crianças que o pedagogo traz para dentro das quatro paredes de uma escola. Não são jogos de palavras, mais ou menos inofensivos, que ponho aqui. A linguística tem vindo a demonstrar cientificamente uma doutrina filha da intuição dos antigos, a de que o poder de transformação das sociedades se exerce através das palavras. Poem-se a correr termos em vez dos termos correntes, pela substituição, que parece deixar tudo na mesma, alterando os significados e as relações de conceitos. Como só se pensa com palavras, a sociedade que recebe e acolhe a substituição, adopta aquelas novas relações como as verdadeiras.
Um dos exemplos disto é a troca de pederasta por pedófilo. Como o amor pela criança é uma virtude, o conteúdo sordidamente sexual da nova palavra insinua-se revestido de ares aprazíveis. Outro exemplo, bem actual, é o da substituição da distinção homens–mulheres pela de homossexuais e heterossexuais. Como cada homem pode ser homossexual e heterossexual, e também cada mulher, ninguém já se caracteriza por ser um ou outro, a antiga e natural distinção anula-se porque homens e mulheres agrupam-se na classe dos homossexuais, homens e mulheres agrupam-se na classe dos heterossexuais. Assim se torna justificado o direito à pederastia, ao homossexualismo.
O comediógrafo usa de análogo processo, não com a finalidade naqueles exemplos apontada de integrar na sociedade e de valorizar os que, por este ou aquele motivo, se desviaram do “natural”, mas com outra, essa cheia de malícia e de maldade, que é a de ridicularizar os que pretendem como a Goga construir uma sociedade, mais justa e mais livre, sem diferenças e em que cada um faça o que quiser, com a condição de não poder fazer, como é lógico, o que o torna diferente dos outros. Sou livre, para a Goga, de fazer tudo o que me torna igual aos outros, vou preso quando reconheço aos outros o mesmo direito.
A maldade do comediógrafo começa logo, usando o tal processo, pela escolha da palavra Goga. Insinuam-se subtilmente uma sugestão de gaguez e, ao mesmo tempo, de desequilíbrio interior, de descontinuidade psíquica a acompanhar a diferença física das duas pernas e a arritmia do andar. A alternância do ô da primeira sílaba e do a da segunda insinua estes desequilíbrios. Mas a força da Führer está na gutural, reside na garganta, como se vê pelos dois gês de ambas as palavras.
António Telmo