INÉDITOS. 52
88 ANOS DEPOIS: ANTÓNIO TELMO, SEMPRE!
Homens sem sono[1]
O problema que se põe é o de saber se, entre nós, há homens despertos activos, homens-galos, não no sentido puramente estético do termo, mas naquele que Boitaca associou aos descobridores do Caminho pelo galo que anuncia o nascer do sol no alto da coluna e que talvez explique a etimologia do nome de Portugal. O enigma ainda inexplicado do 25 de Abril, é o aparecimento em jornais, televisão e rádio de uma expressão referida aos que fizeram o 25 de Abril: a de “homens sem sono.” Quaisquer que tenham sido as consequências do 25 de Abril, penso que foi um facto positivo, não pelas razões que têm sido dadas, mas porque abanou um povo adormecido, o fez estremecer e se, no campo político e social, tudo está aparentemente na mesma, é possível que os “homens sem sono” se tenham servido de conhecidos autómatos para abrir a janela no quarto onde o país dormia. Continuo a pensar que qualquer coisa mudou na casa de Portugal, qualquer coisa que ignoram políticos, psicólogos, sociólogos, mas que germina – ainda obscura semente de luz – como um suave movimento que pode ser encontrado se estivermos subtilmente atentos.
O que germina é a Pátria, que se lançou no 25 de Abril, cansada de ser Bragança ou de ser Salazar, mas que não quer ser Soares, Cunhal ou Freitas do Amaral. Há ou não homens despertos que saibam que a trombeta sonora, composta de sete sons, do galo primigénio da raça soará na hora exacta da noite excessivamente densa? Por enquanto, se acena a ouvirmos, não queremos acreditar e negamos. Três vezes a negamos. Negámo-la em 1640, quando confundimos D. João IV com D. Sebastião, em 1820 com as ideias francesas, em 1928 com Salazar e em 1974 com Spínola. É preciso acertar com o sinal do Encoberto. Só que o Encoberto por definição não tem sinal.
Por quê o galo?
O galo, de que Portugal é o porto, tem as seguintes características que convém meditar profundamente:
1. Bela plumagem, cauda em espiral e crista vermelha.
2. É polígamo.
3. Ergue-se erecto e altivo sobre as patas.
4. Marca pelo canto os tempos essenciais do curso do sol.
5. O seu canto ascende numa tríplice cadência, despertando as potências adormecidas da alma. É a manifestação sonora de Kundalini.
Claro que os “cientistas” que estudam as sociedades se riem destas disquisições poéticas e irreais. É uma das regras da ocultação. Tudo se passa como se Portugal não tivesse nome. É “este país…”, talvez definitivamente morto com o “Pai Rosacruz” mostrado por Pessoa, aquele que “conhece e cala”. Ver o problema da existência ou morte da Pátria através das imagens de um galo, aproveitando uma vaga associação etimológica, um puro acaso de sons, se não é a ironia que, por contraste, lembra as galinhas que tomaram conta do terreiro, é, quando muito, coisa de literato simbolista. Outra regra, senão a mesma, da ocultação.
Há, porém, coincidências espantosas para lá daquela já referida dos “homens sem sono”. Há, de novo, o encoberto de Massamá, desta vez de monóculo, que foi vencido e logo se ocultou para dar veracidade ao símbolo. Muita gente se contentaria com um símbolo (os monárquicos, por exemplo, desde que o símbolo os garantisse contra os que não são símbolos). Há os cravos, as chakras! Há a era do Aquário, na boca dos chacais e de Costa Gomes. Há, por cima disto tudo, o País de Gales, a Galiza, a Gália, uma grande comunidade antiga que aqui tinha seu Porto, seu Porto Culto, como dizia Bruno ou Oculto, porque lido em voz alta soa na mesma.
Tudo aparece, neste tempo que vivemos, como uma grande paródia simbólica da verdade da Pátria. Uma grande paródia simbólica onde, apesar de tudo, o mesmo está! Eis um sinal do fim da Pátria. Surge com as ideias que a formam na forma de uma grande curiosidade. Eis o sinal que não se vê.
António Telmo