INÉDITOS. 51
Que o final de A Verdade do Amor, de António Telmo, esteve para ser outro, ficáramos já a sabê-lo por um trecho das suas Páginas Autobiográficas, parte integrante do III Volume das Obras Completas do nosso patrono, a sair a lume em Junho com a proverbial chancela da Zéfiro. No espólio télmico conserva-se, inédita, a primitiva versão da última cena, que agora damos a conhecer ao leitor.
Última cena
Ao meio, arde uma fogueira. É noite de São João. Um aluno entra de capa e batina, despe-se e lança-se para as chamas que se levantam, alegres. Seguem-se outros até doze. No lado direito da cena, sentados em grandes cadeiras, vestido de negro, um coro de sacerdotes católicos.
Coro, levantando-se e os braços solta uma exclamação prolongada e soturna de indignação e espanto.
Os estudantes dançam em volta da fogueira. Dançam com ela e saltam-na. Surge uma rapariga lindíssima. É a Natália. Diz:
“Por este rito queimamos o velho hábito secular de andarmos vestidos de preto, como se Cristo, apesar de ter ressuscitado, continuasse eternamente morto. Vede! Eu sou a filosofia, como a ensina Leonardo. Quem me ama pode andar vestido de luto?
“Triste e pesada como uma cruz é a religião de nossos pais.”
Alguns rapazes pegam nela e atiram-na por cima das chamas para que outros a recebam nos braços. Ela vem para a frente dançar com um de cada vez. Começa a soar um harmónio.
Uma voz canta:
1
Como é bom dançar
Ao som do harmónio
Sem pensar
Que o toca o demónio,
Ter Lilith por par
No adro da igreja
E todos a dançar
E ninguém com inveja.
2
Tão contente está Lilith
No seu trajo de campónia
Que se esquece que é demónia
E enteada de Afrodite.
Ao som do harmónio
Todos batem palmas…
Está tão feliz o demónio
Que se esquece das almas.
Cala-se o harmónio e a voz prossegue:
3
Ah! Mas fora da dança
Renasce a inveja.
Calou-se o harmónio
No adro da igreja.
Findou a festança.
Só há o demónio
E a demonia.
E esta balada
Na noite calada
Na noite vazia.
CORO de sacerdotes
Ai!, ai!, ai de nós!
António Telmo