INÉDITOS. 32
Da saudade[1]
Como o espanto é para gregos (Platão, Aristóteles) o princípio da filosofia, o princípio da filosofia é para os portugueses a saudade. Mas a saudade implica espanto, o espanto de cada um se saber na sua essência mais íntima a substância amada e longínqua. Esta relação produz-se aparentemente através de uma imagem, e de alguém que amamos e que o tempo separou de nós. Na verdade, é de mim que me lembro com saudade, do que em mim é essencial que a separação daquele alguém revelou subitamente impossível de alcançar, e, no entanto, sentido como enigmaticamente próprio.
A separação que gera a saudade é um momento central de toda a nossa poesia lírica. “A alma gentil que te partiste tão cedo desta vida descontente” é a alma de Camões e não, como se julga correntemente, uma mulher que a morte levou. E é também essa mulher podendo funcionar como a imagem que desencadeia o sentimento. Teixeira de Pascoaes com a Elegia do Amor continua, desenvolve e aperfeiçoa o que está apenas indicado em Camões. Aqui, porém, a separação pela morte torna sensível em todas as coisas a presença da substância lembrada. Presença que nos reconduz a Camões pela “verdade que nas coisas anda, que mora no visível e no invisível”.
Não se entende como Sampaio Bruno tenha podido ver nascer em si a ideia de tempo puro, actualmente perdido, sem a saudade. Não chega a realidade do mal para levantar o pensamento d’A Ideia de Deus.
António Telmo