INÉDITOS. 31
aDeus*
Na visita que fiz pela primeira vez à casa de Teixeira de Pascoaes, vi que a última palavra que o poeta escreveu foi a palavra aDeus, assim com o D maiúsculo. A família não tocara em nada no interior dos aposentos que, no grande solar, eram exclusivamente dele. Sobre a sua mesa de trabalho, a sua mesa de arte, conservava-se, amarelecido pelos anos, o papel com as últimas linhas que escreveu.
Soube que as últimas palavras por ele proferidas foram “até amanhã”. Nesta expressão, o primeiro a é aberto e não fechado. “Até amanhã”, isto é “até à manhã”. Fazendo reflectirem-se uma na outra a última palavra escrita e a última palavra falada, não deve ser errado presumir que Teixeira de Pascoaes, ao dizer esta, terá de facto pensado: até ao nascer de um novo Sol que é Deus.
António Telmo
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