INÉDITOS. 09
Dos símbolos[1]
A incapacidade de pensar por outro modo que não seja o que tudo compreende por relações mecânicas, se pode dar a ilusão de inteligência onde não há a vida do espírito ou nem sequer a vida, revela-se, pelo contrário, como opacidade quando tal modo aparece a descrever e a circunscrever aqueles domínios que se caracterizam pela ausência de relações mecânicas na produção dos fenómenos. É o caso do esoterismo. Observamos aqui, naqueles que hoje parecem incumbidos de o destruir divulgando-o, que se nega ao pensamento ou ao espírito qualquer eficácia ou até realidade se não o interpretarmos como energia ou força ou vibração actuando sobre a matéria ou sendo essa mesma matéria actuando sobre si por diferenças de nível ou de tensão.
Ninguém nesse domínio aceita ou reconhece o sobrenatural como aquilo cujas leis são inacessíveis à Física, isto é, que sejam outras que as leis da natureza e somente acessíveis a uma espécie de intuição que seja, ao mesmo tempo, a revelação de outra coisa. Por isto mesmo é que os símbolos (e a natureza é símbolo da sobrenatureza) constituem a linguagem de acesso ao que sem eles permanecerá abscôndito.
Só neste sentido se pode dizer que a poesia é superior à história e a metafísica à física. O diálogo da razão com o que se intui simbolicamente é o que verdadeiramente constitui a filosofia. Pela imaginação as metáforas compõem-se com os conceitos para formar a poesia. Mas o modo como os esoteristas que vimos referindo pensam os símbolos, se é lícito e próprio falar aqui de pensamento, ou é um jogo infantil em que pelo fio das associações por semelhança se prolongam indefinidamente as comparações ou decai novamente na tenebrosa redução do superior ao inferior, como quando se diz, por exemplo, que Cristo é o símbolo do sol ou na indefinição do superior, como quando se diz, ao invés, que Cristo é o sol espiritual de que o sol físico é o símbolo. O verdadeiro caminho, neste último caso, seria o de ver no sol físico o sol espiritual por um modo de o olhar de que só os contemplativos têm o segredo.
Daqui se compreende que o que quer que se consideremos (pois tudo é símbolo) vemo-lo sempre depois de se ter produzido, o nosso ser está sempre em atraso em relação ao fiat do ser. Um símbolo vive-se ou não se vive, explica-lo é perdê-lo. Só há um processo de vencer esta dificuldade, é o de descer à fonte do nosso próprio ser.
António Telmo