DOS LIVROS. 70

21-10-2022 00:04

De um caderno de apontamentos. 10

 

A ideia de reencarnação, de que já cá estivemos muitas vezes e de que voltamos de novo à vida para obtermos melhor conhecimento e maior aperfeiçoamento, talvez num processo sem fim, fez que se caísse no absurdo de haver, ao mesmo tempo, centenas de praticantes de espiritismo que receberam do outro mundo a comunicação de terem em si um homem ilustre ou, o que é o mesmo, de terem sido, no passado, Platão ou Napoleão. O filósofo e o general são os preferidos. Ultimamente, em Portugal e até fora de Portugal, Fernando Pessoa faz-lhes concorrência.

O que se nos afigura ridículo, absurdo, impossível nestas transmigrações de corpo para corpo do mesmo homem ilustre não o é no domínio do espírito. Assim, por exemplo, D. Quixote, que é uma pura criação espiritual pode estar presente ao mesmo tempo, embora de modos diferentes, na alma de várias pessoas realmente existentes, sem que se possa falar de imitação, mas por afinidade electiva. Esteve encarnado em D. Miguel de Unamuno, para lembrar o caso mais evidente, em D. Miguel de Unamuno que até escreveu um livro sobre si próprio dando-o como tratando de D. Quixote. Entre nós, os parapsicólogos poderiam indagar se não foi esse também o caso do António Sérgio e do Agostinho da Silva, batalhadores indomáveis. Deixo ao cuidado do leitor a identificação de D. Quixote nos restantes países da Europa, da África, de Ásia e das Américas. Não digo que haja uma multidão deles. Não é qualquer que é D. Quixote. Ele é o espírito na sua forma combativa e a maioria das pessoas são só almas.

Infeliz ou supremamente feliz será o dia em que deixe de vir almar-se na terra. Infeliz por se ter decepcionado com o próprio combate que a nada levou; feliz, se já cá não for preciso. Mas antes do Apocalipse, isto é, da Revelação final e absoluta, há-de regressar sempre para derrotar os mágicos negros e as suas manipulações.

A figura perfeita, exemplar, inimitável de D. Quixote, pelo pensamento e pelo comportamento, foi, ainda há pouco tempo, que Deus o tenha em paz!, um dos irmãos por vontade de Deus de quem escreve estas linhas. Não há político, professor universitário, literato que não saiba imediatamente de quem falo. De Orlando Vitorino, claro.

 

António Telmo       

 

(Publicado em A Aventura Maçónica e outros textos sobre a Arte Real, 2018)