DOS LIVROS. 61
Zé Preto. Foto publicada por Joaquim Diogo no blogue Salvaterrazimbra
Zé Preto*
Acontece-nos, às vezes, perguntar se há um sentido e qual em termos conhecido determinada pessoa que passou pela nossa vida como um meteoro de sombra, riscou-lhe o céu de luz e se apagou. Digo meteoro de sombra porque o passado é, como o Hades descrito por Homero, um lugar de imagens e sombras. Digo meteoro porque todas as almas são luzes que desceram a iluminar a matéria que as entenebreceu.
José Preto passou pela minha vida e eu passei pela sua. Eu passei, nos meus anos moços de entusiasmo pelo conhecimento nascente, talvez para lhe emprestar o Fédon de Platão, o Fédon ou sobre a imortalidade da alma.
Havia também o Gilberto Pinhal, o outro poeta de Sesimbra, como ele esperando a morte inevitável dos tuberculosos. A penicilina ainda não tinha sido descoberta. Era estranho! O rosto do Gilberto, a sua cabeça assemelhava-se até à coincidência com a de Rodolfo Steiner, tal como aparece num dos livros dele que, então, nós líamos. Apareceu-me, depois, em sonhos e ainda hoje o vejo, tal como o vi alguns dias depois de ter morrido, mais nitidamente do que, ao lembrá-lo, na vida real. A nossa pálida memória diurna é a superfície ou o eco de uma memória mais funda, em nós ínsita, onde os seres são realmente existentes. Às vezes aparecem inesperadamente. Onde, em que lugar, em que tempo os trazemos connosco? Ou não seremos nós que estamos nesse lugar e não tomamos consciência disso, do mesmo modo que eu, estando como estou neste mundo, em que sou e vivo, mal me apercebo dele?
Da leitura do Fédon nasceu a poesia “O Moço Chamador”. É uma balada de mar e morte. O chamamento essencial.
Antonio Telmo
(Publicado em Capelas Imperfeitas - Dispersos e inéditos, 2019)
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