DOS LIVROS. 40

02-04-2015 09:17

Coincidências, 3

 

Escreveu Fernando Pessoa, numa escondida mas evidente alusão a Teixeira de Pascoaes, haver poetas que, tendo um dia criado um poema extraordinário, depois o repetem incansavelmente até ao aborrecimento. E Miguel de Unamuno, dirigindo-se a Teixeira de Pascoaes directamente numa carta, aconselha-o a encurtar os poemas que, longos como os escreve, se tornam monótonos e cansativos.

Ambos, Fernando Pessoa e Miguel de Unamuno são nisto como alguém que estivesse diante do misterioso mar assistindo ao seu espraiar-se e lhe voltasse as costas cansado de ondas após ondas até ao fim do tempo.

Perante este mesmo mar, contemplando-o ou imaginando-o, o primeiro daqueles dois poetas escreveu estas duas admiráveis quadras:

 

                        Onda que enrolada tornas

                        Ao mar que te trouxe

                        E ao rolar te transtornas

                        Como se o mar nada fosse,

 

                        Porque levas contigo

                        Só a tua cessação

                        E, ao voltares ao mar antigo,

                        Não levas meu coração?

 

Escreveu-as talvez à mesa de um café. À mesa de um café, imaginando os longos poemas de Pascoaes, talvez devesse ter escrito:

 

                        Verso, que enrolado tornas

                        À alma que te trouxe

                        E que, ao rolar, te transtornas

                        Como se a alma nada fosse,

 

                        Porque levas contigo

                        Só a tua cessação

                        E ao voltares à alma antiga

                        Não levas meu coração?

 

Tão certo é que, aprendendo a estar diante do mar, se aprende a compreender os grandes ritmos verbais da alma. Da alma do homem e da alma do mundo.

 

António Telmo

 

(Publicado em A Terra Prometida, 2014)