DOS LIVROS. 40
Coincidências, 3
Escreveu Fernando Pessoa, numa escondida mas evidente alusão a Teixeira de Pascoaes, haver poetas que, tendo um dia criado um poema extraordinário, depois o repetem incansavelmente até ao aborrecimento. E Miguel de Unamuno, dirigindo-se a Teixeira de Pascoaes directamente numa carta, aconselha-o a encurtar os poemas que, longos como os escreve, se tornam monótonos e cansativos.
Ambos, Fernando Pessoa e Miguel de Unamuno são nisto como alguém que estivesse diante do misterioso mar assistindo ao seu espraiar-se e lhe voltasse as costas cansado de ondas após ondas até ao fim do tempo.
Perante este mesmo mar, contemplando-o ou imaginando-o, o primeiro daqueles dois poetas escreveu estas duas admiráveis quadras:
Onda que enrolada tornas
Ao mar que te trouxe
E ao rolar te transtornas
Como se o mar nada fosse,
Porque levas contigo
Só a tua cessação
E, ao voltares ao mar antigo,
Não levas meu coração?
Escreveu-as talvez à mesa de um café. À mesa de um café, imaginando os longos poemas de Pascoaes, talvez devesse ter escrito:
Verso, que enrolado tornas
À alma que te trouxe
E que, ao rolar, te transtornas
Como se a alma nada fosse,
Porque levas contigo
Só a tua cessação
E ao voltares à alma antiga
Não levas meu coração?
Tão certo é que, aprendendo a estar diante do mar, se aprende a compreender os grandes ritmos verbais da alma. Da alma do homem e da alma do mundo.
António Telmo
(Publicado em A Terra Prometida, 2014)