DOS LIVROS. 32
O pêndulo
Houve uma época, não há muitos anos, em que frequentei, com alguma assiduidade e algum interesse, uma associação de neopitagóricos e foi aí que conheci, felizmente por um só dia, um desses curandeiros ocultistas com consultório a imitar os da medicina oficial. Digo felizmente por um só dia pois bastou uma breve conversa com ele para que me lançasse num abismo de preocupações. Foi o caso que logo descobriu no lóbulo da minha orelha um risco que lhe dizia, sem qualquer dúvida, que eu estava a ser minado por uma angina de peito e que devia tomar consciência disso e ver o que se podia ainda fazer.
Por uma daquelas coincidências tão frequentes que já ninguém se espanta com elas, o meu médico de família, achando-me uma tensão arterial demasiado elevada, levara-me a consultar um cardiologista e a obter o inevitável electrocardiograma, coisa que se realizaria três dias depois da conversa com o neopitagórico. As duas coisas juntas puseram-me a alma em pânico. Regressei de Lisboa a Estremoz tão preocupado com a ameaça da angina pectoris que não disse palavra durante toda a viagem e nem sequer ouvi o que diziam os meus dois companheiros.
No dia seguinte, dirigia-me eu, como de costume, logo pela manhã para o Café onde tenho escrito todos os meus livros, quando aconteceu o inexplicável.
Num dos bancos do jardim que por ali há no Rossio, na grande praça de Estremoz, estava sentado um desses alentejanos como se vêem tantos, com o seu típico boné.
– Chegue aqui, senhor professor.
O homem conhecia-me. Tinha um rosto simpático. Aproximei-me.
– Sabe o que é isto?
– Sei. É um pêndulo.
– Sabe para que serve?
– Diga-me o senhor.
– Para ver se uma pessoa está doente ou goza de saúde.
– E como se vê?
– Se o pêndulo se deslocar a direito (fez o gesto com a mão) é porque a pessoa está mal. Se começar a girar em círculos é sinal que a pessoa está bem. Quer saber o que se passa consigo?
– Então não hei-de querer?
Eu estava espantado. Tudo aquilo vinha de encontro à terrível preocupação que me criara o neopitagórico.
O pêndulo, suspenso de um fio entre o indicador e o polegar, começou a mover-se em círculos harmoniosos. O rosto do homem iluminou-se:
– Oh! Como tem saúde!
Balbuciei, como que atordoado, algumas palavras de agradecimento e fiz o gesto de prosseguir o meu caminho.
– Olhe! Disse-me ele, não sou eu que movo o pêndulo. São os anjos.
O cardiologista, que consultei dois dias depois, nada encontrou de inquietante. Eu contei-lhe da angina pectoris. Com minha surpresa, não negou que houvesse a tal relação com o risco na orelha, mas explicou que isso nem sempre batia certo.
António Telmo
(publicado em Congeminações de um Neopitagórico, 2006-2009)