DOCUMENTA. 05
[António Cândido Franco, Afonso Botelho, António Telmo, Artur Anselmo, Francisco Soares e José Manuel Capêlo]
O Bateleur foi o sexto livro publicado por António Telmo. Editada em 1992 pela Átrio, chancela de José Manuel Capêlo, a obra pode ser considerado uma novela segundo o critério adoptado por Álvaro Ribeiro em A Razão Animada, onde o género nos surge definido como a narrativa dos modos por que os homens e os povos vão adquirindo a consciência do mal. Com efeito, a sua trama fala-nos da inveja e enreda as figuras maiores de Fernando Pessoa e Almada Negreiros. António Telmo reuniria mais tarde esta narrativa no livro Contos, de 1999, que de novo saiu a lume pela mão de Capêlo, desta feita na editora Aríon.
O lançamento de O Bateleur teve lugar na Galeria Nasoni, em Lisboa, no dia 10 de Dezembro de 1992. A apresentação da obra esteve a cargo de Afonso Botelho, amigo e condiscípulo de Telmo no magistério de Álvaro Ribeiro e José Marinho. Na mesma sessão, foram ainda lançados dois outros livros da Átrio: Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa, de António Quadros, apresentado por Artur Anselmo, e Eleonor na Serra de Pascoaes, de António Cândido Franco, apresentado por Francisco Soares. Na assistência encontravam-se, entre outros, Natália Correia, Fernando Dacosta e Abel de Lacerda Botelho. E António Carlos Carvalho, que escreveria para o Diário de Notícias o apontamento que em seguida publicamos.
[António Telmo autografando O Bateleur. Ao seu lado, António Carlos Carvalho]
Anotações
- Autores há que vivem numa certa «marginalidade», longe das bocas do mundo e dos tops de vendas, mas cujas obras, aparentemente obscuras, escondem uma luminosidade que não devemos ignorar e que acabará certamente, um dia, por emergir das trevas em que o mercado e a ignorância a querem sufocar. Felizmente ainda há editoras que apostam nesses «marginais» – podíamos citar os casos da Assírio & Alvim, da Guimarães, da Vega e da Átrio. Falamos nesta última até porque acaba de lançar simultaneamente três títulos de três dos tais escritores à margem das modas (mas não sinais dos tempos): «Le Bateleur», de António Telmo, «Eleonor na Serra de Pascoaes», de António Cândido Franco, e «Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa», de António Quadros. Uma aposta desta envergadura não pode passar despercebida.
- «Le Bateleur» é a primeira carta do Tarot, como se pode ver na capa do livro de António Telmo. E constitui a chave que foi dada ao autor (pelo seu «alter ego» Tomé Natanael) para decifrar o famoso retrato de Pessoa feito por Almada Negreiros. Todo o texto (apenas meia centena de páginas, mas deliciosas de ler e profundas nos conhecimentos que encerram e nos transmitem) conduz o leitor a domínios que são caros a António Telmo desde há muitos anos e que fazem dele o mais esotérico (e por isso mais interessante), discípulo de Álvaro Ribeiro, sendo assim o mais original pensador das últimas gerações da Filosofia Portuguesa (que existe e recomenda-se), como salientou Afonso Botelho na apresentação do livro. Um texto de um filósofo do espírito para despertar os que conseguiram sair do adormecimento encantatório em que foram mergulhados pelo chamado «mundo moderno».
[António Telmo autografando O Bateleur. Da esquerda para a direita: Natália Correia, Jorge Preto e Abel de Lacerda Botelho]
- António Cândido Franco chama a atenção para um outro Pascoaes, diferente do «oficializado» e que, «com um saudosismo inofensivo atrás de si, tratado sempre mais como excepção do que como criador genial, é tão ridículo como o Camões que nos deram a estudar no liceu ou como o Pessoa que nos têm dado a conhecer hoje nos jornais, nas comemorações oficiais e até na publicidade comercial. Em meu entender, é preferível um autor esquecido, mas intacto, que um autor consagrado, mas domesticado e deturpado». Subscrevemos.
Finalmente, António Quadros, abordando outra vez as obras de Antero como de Raul Brandão, Pascoaes e Pessoa como Natália Correia ou Ruben A., sublinha que «neste período de desconfiança, de juízos apressados e de falta de maturação quanto ao essencial, convém lembrar que o imaginário de cada povo é o seu Universal, exactamente na medida em que possa revelar a sua originalidade virtual e actual, e transformar as formas estruturais extintas ou arrefecidas em arquétipos dinâmicos, em sujeitos que serão criadores de civilização, não quando se fechem em si próprios e sobre o seu passado, mas quando se abram para os mais altos horizontes futuros, pensados que sejam por uma filosofia criacionista do espírito».
- Não, não são livros de Natal, sugestões de belos presentes que enchem os olhos nesta época de presentes obrigatórios: São textos que nos aquecem a alma, quando nos desgostamos da tal apagada e vil tristeza em que ainda vivemos – até quando?
António Carvalho
[No primeiro plano: Natália Correia. Na fila de trás, Fernando Dacosta e Maria Violante Vieira]