DOCUMENTA. 04
Depois de ter sido alistado em 22 de Setembro de 1947 como «recrutado», de ter sido incorporado em 8 de Agosto de 1951, e feita a recruta em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, em Maio de 1952 António Telmo está a cumprir o serviço militar em Évora, no Regimento de Infantaria 16. Não por acaso terá sido escolhido para proferir um discurso aos novos soldados, em data assinalada. O jornal local A Defesa publica o escrito da alocução do «Sr. Aspirante Vitorino», fazendo-o preceder da seguinte notícia:
«Os oficiais e soldados do Quartel de Infantaria 16 comemoraram, no domingo, o 143.º aniversário do combate de Grijó contra os franceses, em que os portugueses se cobriram e glória.
Na parada, o sr. coronel Plácido Bravo da Costa, comandante do regimento, passou revista aos soldados e recrutas formados sob o comando do sr. major Orlando Luís de Oliveira. O aspirante sr. António Telmo Carvalho Vitorino leu aos soldados a breve e patriótica alocução que a seguir publicamos e que foi ouvida com prazer por todos os assistentes.
A seguir foi prestada continência à bandeira e realizou-se, no antigo picadeiro, um alegre festival dedicado aos recrutas, com vários números de cântico e orquestra, que revelaram, entre os soldados, autênticas vocações artísticas. O orfeão actuou sob a direcção do sr. tenente Manuel João Alves.
Assistiram muitos convidados.»
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Alocução do Sr. Aspirante Vitorino
Hoje, dia do nosso Regimento, estamos aqui reunidos, uns com a consciência plena do significado da comemoração, outros, os soldados recrutas, a quem esta festa é dedicada, no seu maior número não sabendo o que aqui os trouxe. É, pois, a vós, soldados, que a minha palavra sobretudo se dedica.
Disseram-vos com certeza que este é o dia do nosso Regimento, o dia escolhido? Ides sabê-lo: nesta data se comemora a vitória do combate de Grijó, para a qual mais do que ninguém contribuiu o 1.º Batalhão do Regimento de Infantaria 16. Foi em Maio de 1809, há mais de um século. Os franceses, enviados por Napoleão, general sedento de domínio, tinham penetrado em Portugal. A nossa querida terra gemia ao peso do inimigo. Eram nossos aliados os ingleses. Combatíamos lado a lado. Em 11 de Maio de 1809, 4.000 franceses ocupavam uma óptima posição entre Souto Redondo e Grijó, protegidos pelo mato e pelo arvoredo. Foi mandado ao 1.º Batalhão do Regimento de Infantaria 16 atacar pela direita. E tão heroica foi a sua acção, tão impetuoso e irresistível o ataque, que em breve o inimigo cedeu. O combate estava ganho.
Convém, aqui, recordar a acção do seu chefe, do comandante do 1.º batalhão, o coronel Machado Mendonça. Ele era um herói. Um homem cuja presença desafia o tempo.
Eis o que diz antes do combate: «Soldados, chegada é a ocasião de mostrardes vosso valor e patriotismo. Melhor é morrer no combate que deixar-se vencer pelo inimigo. Eu vou para a frente. Segui-me todos! Se virem que tenho medo do fogo do inimigo, matem-me!»
Povo que nenhum iguala, o povo português destes chefes necessita e destes chefes sempre tem tido. Por isso, vós, soldados recrutas, em breve sentireis honra e orgulho em pertencerdes ao Regimento de Infantaria 16.
Os ingleses não pouparam elogiosos comentários, impregnados de sincera admiração, ao bravo comportamento do Batalhão comandado pelo coronel Machado Mendonça. Como Montgomery, o marechal inglês, deixaram inscrita, em palavras duradoiras, a funda impressão que lhes causou o soldado português. O tempo é como um círculo: repete-se. Gira à roda das horas e no curso histórico dos povos situações idênticas surgem. Então, o sonho napoleónico de império não venceu a resistência, para cá dos Pireneus. Hoje ambição idêntica que surja ou que já tenha surgido não surtirá também, pois os soldados estão sendo adestrados e os chefes estão alerta.
11 de Maio de 1809 foi realmente o grande dia, o dia de oiro do nosso Regimento. Mas não julgueis que a sua acção foi só esta. Albergaria, Malijoso, Bussaco, Almeida tiveram ocasião de assistir à sua bravura. E tantas terras mais! Por toda a parte e em todo o tempo da sua existência a conduta foi só uma: «brava e em tudo distinta.»
Esta é a nossa divisa! Da boca de um marechal inglês a tomamos, mas antes a inscrevemos a sangue no campo de batalha. Está gravada nos nossos corações. Batam sempre serenos e fortes, nunca se apagará. Ontem, hoje e sempre ela incarna a mais íntima essência do nosso sentido.
Sabemos agora todos porque é hoje o dia da nossa Festa. Ela serve para reavivar a memória de um passado glorioso, para manter sólidos os laços da tradição, para fazer um só indivíduo dos múltiplos indivíduos que compõem o nosso Regimento. Por ela nos sentiremos verdadeiramente juntos, oficiais, sargentos, cabos e soldados.
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Vai-vos agora ser mostrada a nossa bandeira. Ela, em Grijó, tremulou azul e branca na fúria do combate. O nosso sistema de governo era então a Monarquia. Com a República as cores foram mudadas para verde e vermelho. A bandeira é, contudo, a mesma, porque o espírito é o mesmo. Aquilo que o coronel Machado Mendonça fez pela outra, faria também por esta. E nós, o que fazemos por esta, faríamos também pela outra. Através das vicissitudes da política, o povo permanece o mesmo. Mudam as cores da natureza, o Inverno substitui a Primavera, a Primavera o Inverno, mas subsiste a natureza. Mudam as cores da bandeira, o espírito que incarna é sempre o mesmo, idêntico e imperecível. Ela é um sinal, uma representação, um símbolo. Ides vê-la!