CORRESPONDÊNCIA. 52
Carta de Dalila Pereira da Costa para António Telmo, de 21 de Outubro de 1984
Porto, 21-X-1984
Querido Amigo
A carta vai escrita à máquina, para ser fácil de ler: não tenho como o António letra legível. Seria eu a ter de lhe agradecer sua vinda aqui ao norte e sua companhia nesta viagem. Foi bom. Só me ficou a pena de não ter visto, conhecido o que é um centro do sagrado, uma sábia concentração de sua força, terrível, ainda agora sentida, como é a da igreja de S. Pedro de Balsemão: passámos a um kilómetro. Tem de ficar para outra vez. É um dos pontos altos deste norte: a primeira igreja cristã portuguesa (talvez séc. V) e peninsular.
Mas como todos ficámos tão unidos a S. Pedro das Águias, queria hoje enviar-lhe mais informes, que colhi de um primo meu que a visitou no sábado anterior a estarmos lá. A visita foi feita com uma nossa prima, filha do antigo dono de S. Pedro das Águias (convento), o visconde de Macedo Pinto; que lhe contou: o pai, tendo grande pena do estado de ruína em que estava a igreja do eremitério (um montão informe de pedras) levou um dia lá D. Fernando de Almeida, que ficou siderado com o lugar. E logo, conseguiu ajuda do Estado para sua reconstrução: felizmente não faltava nenhuma pedra. Sua reconstrução e abertura da estradinha, pois o lugar era inacessível. Mais ainda lhe informou: que uma das grutas abertas naquele enorme penasco coberto de liquens amarelos, conduz ao convento. E que o fantasma da Moura Artiga, morta pelo rei de Lamego e atirada ao Távora, ainda hoje aparece em fantasma branco, perto do rio.
Fiquei muito contente com a notícia que me dá: de uma próxima edição de Pascoaes, sem aqueles horríveis prefácios, obstruentes.
E gostei também que tivesse visitado Guimarães: espero que não tivesse deixado de ver a rua de Santa Maria e o largo da Colegiada. Bem, para outra vez, será o santuário rupestre de Panoias, e a Senhora da Serra.
Mas este norte, como viu, tem de se olhar para além de toda a destruição (estragação) que sofre há vinte anos; as desnorteadas casas dos emigrantes parecem feitas para degradar a Terra-Mãe. Um acto misterioso.
Mas gostei que tivesse compreendido e sentido este norte. E lembre-se, lhe peço, que o Camilo chamou, num dos livros, sem mais rodeios, ao Porto, a “cidade dos livres”.
Agradeça também ao amigo Inácio Ballesteros a companhia. E saudades para nosso Amigo, para Maria Antónia e para si, António. De sua amiga dedicada, Dalila.
[Carta dactilografada, com excepção da data, destinatário e da parte final dos cumprimentos de despedida com assinatura.]