CORRESPONDÊNCIA. 44
CARTA DE ANTÓNIO TELMO PARA ÁLVARO RIBEIRO, S. D.
Sr. Dr. Álvaro Ribeiro
meu amigo
A minha vinda para Beja foi decidida e executada tão ràpidamente que não pude despedir-me, nem sequer anunciar êste novo rumo da minha vida. Peço-lhe, por isso, desculpa e à sr. D. Angelina e à Conchita. Não sei se fiz bem, se mal. Tenho grandes dificuldades em ensinar o francês, que aqui exigem falado, segundo os preceitos de um programa que elimina a gramática, a traducção e a retroversão, as únicas coisas de que sei um pouco. Está aqui também, como deve saber pelo Avelino, a Mimi. Beja, não sei se conhece a cidade?, é sobretudo notável pela doçura e harmonia das vozes femininas, umas vozes naquela toada que leva a água ao moinho. Não tenho lido, nem escrito e sinto que se quebrou a minha carreira literária, para a qual aliaz nunca senti nítida vocação. Envolvido já numa aventura curiosíssima, de carácter estranho e simultaneamente cómico, cujos elementos concretos mais tarde lhe contarei, cada vez acredito mais que os acontecimentos não são produzidos do exterior e, como a fisiognomia, como a palavra, como os gestos, se ligam intimamente à nossa natureza. Do 57 não ouço aqui ninguém falar e, nesta terra de padres e democratas, guardo o meu humilde anonimato.
O livro do sr. Dr. já deveria ter saído. Não seria capaz de mo mandar? Se isso lhe dá trabalho, por o achar inútil ou substituível, eu aguardo a minha ida a Lisboa para o comprar.
Cumprimentos e saudades a todos do
António Telmo
Morada: A. T. C. V., r. Dr. Teófilo Braga, 35, ao cuidado do sr. Dr. Jorge Coelho.
[Espólios N9/1055]