CORRESPONDÊNCIA. 26
UMA CARTA INÉDITA DE ANTÓNIO QUADROS PARA ANTÓNIO TELMO (NO 92.º ANIVERSÁRIO DO AUTOR DE PORTUGAL, RAZÃO E MISTÉRIO)
Lisboa
12.2.87
Meu caro António Telmo:
Agradeço-lhe a sua carta, sobretudo porque é bom reflectir um pouco em diálogo com uma pessoa como você.
Duas palavras, a principiar, acerca das ideias do centro e da revista. Depois dos meus almoços, trocas de impressões, etc., estou francamente desanimado quanto a tais possibilidades, pois verifico que os discípulos estão ainda mais divididos, ora por razões de pensamento, ora por causas pessoais, de que imaginava.
Seria necessário da minha parte um enorme esforço e para isso seria preciso colocar entre parêntesis os projectos de obras que tenho em perspectiva. Entre outros menores mas que também darão trabalho, principalmente o III vol. de Portugal, Razão e Mistério, que talvez afinal se intitule (para não ser demasiado saudosista), Da glória do Império ao desafio do Futuro; e a Introdução à Filosofia Portuguesa ou título parecido com este, cujo esqueleto já está delineado e vários textos aprontados, pois tive de os preparar para o curso da Universidade Gama Filho. Um outro livro em perspectiva para breve, é O Primeiro Modernismo Português . Da Vanguarda à Tradição (Pessoa, Sá-Carneiro, Almada, os futuristas, A. Ferro, Sousa Cardoso, Raul Leal, etc.)
Acho que você é capaz de ter razão, os sessenta anos são próprios para fazer obra mais sólida e avessos ao tipo de acção do 57. Uma parte de mim continua a querê-lo, mas há também uma aversão à ideia de perder tempo com coisas fugazes, quando a margem que temos à nossa frente vai diminuindo rapidamente.
Mas, até à Páscoa, compromissos grandes me ocuparão, só nessa altura podendo lançar-me àqueles dois livros de fundo.
O II vol. de Portugal… está quase a sair, assim como o 10.º vol. da Obra em Prosa de Pessoa na Europa-América. Quanto àquele, cerca de 1/3 parte é dedicada aos Painéis, que expressamente procurei interpretar nos quatro planos de Dante: o literal, o ético, o alegórico e o anagógico. Verá o resultado em breve. Quanto ao Pessoa, julgo que num dos volumes, que intitulei A procura da verdade oculta, sintetizei no prefácio, talvez bastante melhor do que até aqui, o pensamento filosófico, neo-pagão e gnóstico do poeta.
Noto que estou a falar demasiado de mim e pouco de si. Mas, creia, a sua obra está sempre presente (embora em leitura selectiva, no que está mais de acordo com o que sinto e penso), no que faço em áreas afins.
Por hoje, tenho que terminar.
Um abraço do seu amigo dedicado,
António Quadros