CORRESPONDÊNCIA. 24
CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 07
Estremoz
18-3-90
Meu caro António Cândido Franco
Envio-lhe esta carta por Fátima, para que a leia antes de terça-feira. O café, às 18 horas, é o Águias de Oiro, onde o espero e ao seu colega.
Concordo que o “histórico” seja excessivo no seu romance[1], mas não julgo excessivas as minhas palavras de exaltação. Direi, porém, que o peso, que é demora, do enredo histórico com o inútil que há nele em relação ao essencial constitui uma imitação da nossa vida, que se arrasta ao longo dos dias aparentemente feita do que é metafisicamente inútil, mas onde se vai secretamente formando a nossa forma de luz – a ígnea Inês. É este contraste entre o tédio da viagem e as súbitas revelações que há nela que eu também amei no seu livro. O oásis só é porque há deserto.
Vai ficar surpreendido, mas a verdade é que nunca li livro de Herberto Helder. É a segunda vez que me fala dele e a primeira que, com ele, se bem percebi, meu complementar me inscreve na rosácea Templária. Não sei se, ao substituir o triângulo duplo pelo duplo quadrado esteve perfeitamente consciente de tudo quanto a nova figura envolve. Dir-lhe-ei que, no seu desenvolvimento geométrico aparece de novo, no centro, o misterioso hexagrama. Se estiver interessado, e não o souber, podemos falar mais demoradamente sobre isso.
Claro que gostaria de ler Herberto Helder.
Há à venda nas livrarias de Lisboa?
Se não lhe causar incómodo, poderá enviar-me o livro que mais amar dele, emprestado, já se vê, pois não sei quando irei à Cidade.
Terça-feira falaremos sobre a ida a Setúbal.
Não percebi bem do que se trata.
Até lá, um grande abraço do
António Telmo
[1] Nota do editor – António Telmo refere-se ao romance de António Cândido Franco Memória de Inês de Castro, Mem Martins, Europa América, 1993.