CORRESPONDÊNCIA. 09

29-04-2014 10:27

CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO. 04

CORRESPONDÊNCIA DE ÁLVARO RIBEIRO PARA ANTÓNIO TELMO. 03



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Lisboa, 30 de Março de 1971

 

Meu caro António Telmo:

 

Motivo superior à minha vontade obriga-me a escrever-lhe de repente. O António Telmo foi citado por mim na palestra que efectuei a 23 de Março sobre “Filosofia e Filologia” no Círculo de Estudos Filosóficos, promovido e dirigido por António Quadros. Nas conversas das nossas tertúlias muitas vezes rememoramos o nome do autor da “Arte Poética”, infelizmente afastado de nós. Não sentirá o António Telmo o efeito da nossa invocação?...

Ser-nos-ia agradável que António Telmo viesse a Lisboa falar sobre “Filosofia e Kabala”. Sei que hoje conhece bem esse assunto, especialmente na feição sefardim. Lembro-me das nossas conversas sobre interpretação kabalista das doutrinas de Freud sobre a polaridade dos sexos e a mediação da libido, o prazer e a morte. Ultimamente, ao retocar nuns textos de Kant, verifiquei que a psicanálise descobre nos estudos do grande filósofo a profundidade do subconsciente judeu. Não deverá ser novidade para a erudição alemã. Certo é, porém, que o pietismo cristão em que o filósofo foi educado pela mãe admite a tradução para o hassidismo polaco. A leitura da obra de Martin Buber permite a fertilidade da comparação.

Kant dá, efectivamente, expressão laica a certas teses do judaísmo. Fichte, Schelling e Hegel são mais goim, pagãos ou cristãos. É útil rever e reler a obra de Kant.

Volto a pedir-lhe que reconstitua ou elabore o seu ensaio sobre a interpretação filosófica de “O Encoberto” de Sampaio Bruno. Vamos dactilografá-lo e editá-lo. Usaremos da melhor interferência junto da Sociedade de Expansão Cultural.

Espero publicar um opúsculo intitulado “Mestrado e Magistério”. É um escrito de ocasião, fogoso e piramidal. Protesto contra o mal que se diz na imprensa sobre ensino esotérico e exotérico. Não sei desistir. Pinharanda Gomes pôs em foco o meu nome ao editar “Liberdade de Pensamento e Autonomia de Portugal”. A querela da filosofia portuguesa ainda não terminou. Quando se pronunciará sobre o problema, António Telmo?

Os seus amigos esperam.

Eu abraço-o, mando cumprimentos a sua mulher e beijos aos seus filhos.

Creia sempre na boa amizade do

Álvaro Ribeiro