COM PREFÁCIO DE ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO E POSFÁCIO DE JOÃO FERREIRA: «AGOSTINHO DA SILVA - A ÚLTIMA ENTREVISTA DE IMPRENSA» É LANÇADO A 2 DE JULHO NO AUDITÓRIO DO «RAIO DE LUZ» E SERÁ APRESENTADO POR FERNANDO DACOSTA
Será um dos acontecimentos editoriais do ano e traz o selo do GEAS - Gabinete de Estudos Agostinho da Silva. Agostinho da Silva - A Última Entrevista de Imprensa, com coordenação editorial de António Ladeira, Pedro Martins e Rui Lopo, é lançado no próximo dia 2 de Julho, no Auditório do Centro de Estudos Culturais Raio de Luz, em Sampaio, Sesimbra, com a chancela da Zéfiro e o selo da Colecção Nova Águia. A apresentação estará a cargo de Fernando Dacosta, numa sessão que contará com a participação de Pedro Martins, Renato Epifânio e Rui Lopo.
Na sua edição número 203, de 30 de Setembro de 1993, o mensário sesimbrense Raio de Luz deu à estampa uma entrevista com Agostinho da Silva, conduzida por Pedro Martins, António Ladeira e José Pedro Guerreiro Xavier, este último, então, o director daquele jornal. A conversa com o filósofo, registada em gravação sonora, teve lugar em casa deste, na Travessa do Abarracamento de Peniche, em Lisboa, no decurso de uma tarde do Verão de 1993.
A peça jornalística, que domina a capa do periódico, ocupando a metade superior deste, foi publicada nas páginas centrais (6 e 7) daquele jornal, com continuação, em caixa, na página 9. O título da entrevista, “Prof. Agostinho da Silva ao «Raio de Luz»: «A Península Ibérica deveria ser guia do mundo»”, surge quer na capa, quer no interior.
Dadas as naturais limitações de espaço que condicionam a vida de qualquer periódico, o texto da entrevista publicada no Raio de Luz revelou apenas uma parte da conversa mantida com Agostinho da Silva, que sofreu a necessária intervenção editorial, de modo a se reduzir a extensão das respostas do pensador aos limites do espaço existente e a adequar as marcas de oralidade do diálogo à fluência comunicativa do registo jornalístico.
A entrevista de 30 de Setembro de 1993 foi a última entrevista de imprensa de Agostinho da Silva, conforme assinala Renato Epifânio no seu livro Perspectivas sobre Agostinho da Silva na Imprensa Portuguesa (Sintra: Zéfiro, pp. 101-102). Tratou-se, por conseguinte, de uma entrevista histórica.
Tal como saiu a lume na versão do jornal sesimbrense, viria a ser publicada em livro, pela primeira vez, na terceira parte de Agostinho da Silva em Sesimbra, de Pedro Martins e António Reis Marques (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2014).
Recentemente, no ano de 2015, António Ladeira, um dos jornalistas que entrevistaram Agostinho para o Raio de Luz, encontrou no seu arquivo pessoal, em Lubbock, no Texas, onde vive, os registos fonográficos da conversa de 1993, consistindo estes em duas cassetes áudio, uma das quais inteiramente gravada e a outra só em parte. Efectuadas cópias das cassetes, os duplicados cruzaram o Atlântico com destino a Lisboa. A sua audição viria a revelar o que a memória, à distância de mais de duas décadas, já não recordava: a maior parte da entrevista permanecera inédita, sendo apenas de cerca de um quinto o que no Raio de Luz se transcrevera e dera à estampa. A isto acresce que quanto não vira ainda a luz do dia era de manifesto interesse.
Perante um documento histórico de considerável valia, impôs-se imediatamente a decisão de o publicar, no âmbito do Projecto António Telmo. Vida e Obra (PAT.VO), assim se dando continuidade à produção agostiniana que, em 26 de Novembro de 2014, culminou na apresentação, na Biblioteca Nacional de Portugal, em sessão de homenagem ao autor de Um Fernando Pessoa, no ano em que se assinalou o 20.º aniversário da sua partida, dos livros Agostinho da Silva em Sesimbra, já referido, e Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo (Transcrição, organização, notas e comentários de João Ferreira, Pedro Martins e Rui Lopo. Évora: Licorne: 2014).
Procedeu-se, assim, à transcrição tendencialmente integral e fidedigna da conversa, nos limites consentidos pelo estado da gravação, e optou-se, desta feita, pela fixação do texto num registo tão próximo quanto possível do que efectivamente foi dito, desta sorte se reduzindo a intervenção editorial. Não surpreenderá, assim, que o que agora sai a lume evidencie fortemente as marcas de uma oralidade espontânea que se, aqui e ali, pode prejudicar a fluência da leitura, restitui, porém, ao leitor, de um modo vivo e genuíno, o discurso do filósofo. Na fixação do texto, entre parêntesis rectos grafaram-se palavras de percepção duvidosa, ou mesmo em falta, e facultaram-se, pontualmente, algumas precisões elucidativas.
Tal como sucedera já com Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, beneficia o presente livro de um duplo privilégio de excelência: a colaboração de António Cândido Franco, que o prefacia, e de João Ferreira, que assina o posfácio, ambos membros do PAT.VO. O primeiro, professor de Literatura e Cultura Portuguesa na Universidade de Évora e biógrafo de Agostinho da Silva, que recentemente publicou O Estranhíssimo Colosso – Uma Biografia de Agostinho da Silva, enriquece o livro que o leitor tem em mãos com um estudo sobre as entrevistas de Agostinho da Silva, abordando o recurso, pelo filósofo, a este género de expressão no contexto da sua obra e enquadrando A Última Entrevista de Imprensa no conspecto da produção homóloga de Agostinho. O segundo, amigo e colega de Agostinho da Silva, na segunda metade da década de sessenta, na Universidade de Brasília, de que é professor jubilado, profundo conhecedor da obra agostiniana e hoje o decano da Filosofia Portuguesa, meio século após a publicação desse marco miliário que é Existência e Fundamentação Geral do Problema da Filosofia Portuguesa (Braga: Editorial Franciscana: 1965), empreende, em aturado comentário posfacial, a análise e a síntese filosófica da entrevista.
Por uma feliz conjugação de circunstâncias, em 19 de Dezembro de 2015 foi criado, em Sesimbra, na presença do Professor João Ferreira, que assim se associou à sua fundação, o GEAS - Gabinete de Estudos Agostinho da Silva, numa parceria do PAT.VO com o Centro de Estudos Culturais e de Acção Social Raio de Luz, associação que é a proprietária do jornal homónimo, onde saiu, na sua primeira versão, A Última Entrevista de Imprensa de Agostinho da Silva.
Tendo o GEAS incorporado no seu património histórico toda a actividade agostiniana desenvolvida pelo PAT.VO desde 2014, é com orgulho que, depois da abordagem de 2014 à epistolografia do filósofo de Considerações, já mencionada, se dá agora a conhecer, no campo das entrevistas, aquela que foi a derradeira por Agostinho concedida à imprensa escrita. Como sempre tem sucedido, o ensejo é também um pretexto para o aprofundamento do estudo da vida, da obra e do pensamento de Agostinho da Silva.
O GEAS em acção. António Cândido Franco em Sampaio, Sesimbra. João Ferreira no Porto. Fernando Dacosta no Feijó, em Almada.
"Fale-se agora sobre a entrevista surgida no jornal Raio de Luz no último dia de Setembro de 1993 – e reproduzida por Pedro Martins, um dos três entrevistadores, em livro seu, Agostinho da Silva em Sesimbra (2014). É uma entrevista de imprensa e por esse motivo muito mais limitada da concebida na mesma altura por Luís Machado. Ainda assim, tal como apareceu no jornal, é uma entrevista longa, de várias páginas, dividida em oito curtos capítulos e introduzida por dois parágrafos dos responsáveis. Os capítulos sucedem-se consoante os pontos que são tratados, com destaque para Europa, Comunidade Europeia, Iberismo, Festas do Espírito Santo, Educação, Municipalismo, Expo 98 e Lisboa – capital da Cultura e por fim Sesimbra, Rafael Monteiro (com quem Agostinho muito privou) e Templarismo. É uma das raras entrevistas em que o entrevistado abraça de forma explícita o Iberismo, deixando a Lusofonia semi-esquecida. Diz ele: Aquilo que pode um dia inspirar e guiar o mundo (…) é uma Comunidade Internacional de Línguas Ibéricas. E ainda: Espanha é a Península. Nós, portugueses, somos “portugueses de Espanha”. Habituados a associar Agostinho à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, temos aqui um motivo que só é surpresa para os que não conheçam a sua criação da década de 60, em especial as Folhas Soltas de São Bento e Outras (1965-1968) e essa figura magistral – Agostinho a escrever em castelhano – que se chama José Maria Carriedo."
António Cândido Franco, in Prefácio
O GEAS em acção. Agostinho Revisitado. Novas Aproximações, em Sampaio, Sesimbra. Exposição Cartas Várias, em Setúbal.
O GEAS em acção. Apresentação de Agostinho da Silva em Sesimbra e de Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Novembro de 2014.
"No âmago da filosofia do autor de Só Ajustamentos há algo que é muito próprio dele também: a filosofia do paradoxo: «Agradeço o facto de me considerarem paradoxal. Como vejo sempre no heterodoxo o ortodoxo do outro lado, creio que aquilo que realmente nos pode unir é o paradoxal. Importante é instalarmo-nos no paradoxo. Medo tenho eu do ortodoxo e do heterodoxo, que me coibiriam de fazer algo que muito me agrada: poder conversar com pessoas de vários pensamentos, várias atitudes, com a capacidade de as entender em si mesmas, sobretudo quando alguma me aparece com sinal inteiramente contrário ao meu.» Defender uma realidade como paradoxal é afirmar que certa realidade não é mas é. Dizendo de outra forma: essa realidade não é dessa maneira mas é de outra maneira. Não é rotineiramente isso. Diríamos, talvez melhor em termos criacionistas, que “é de outra maneira”. As palavras constituem a realidade com a originalidade expressiva que vem de dentro. Nessa reformulação Agostinho nos mostra como em seu espírito bailavam vários princípios importantíssimos que regiam sua visão de mundo: Primeiro, ao aderir a uma realidade paradoxal, Agostinho adopta uma atitude criacionista, na linha da filosofia de seu mestre Leonardo Coimbra. Segundo, ao aceitar o princípio de paradoxalidade, dá à realidade um estatuto mais dinâmico descobrindo dentro dela uma eterna forma de a ler com novidade. Terceiro: dialecticamente, ao optar pelo paradoxal e alinhar pelo lado criacionista da palavra, Agostinho opta ao mesmo tempo pela exclusão do mundo cousista que é o mundo parado e positivista dos objetos constituídos em visão de mundo."
João Ferreira, in Posfácio
O GEAS em acção. Apresentação das Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo na Escola Secundária de Estremoz, em Novembro de 2014.
"A. S. – Dentro de uns dias vai sair a última. É a última. Não vou escrever mais folhinhas.
R.L. – Acabou?
A. S. – Acabou. Passei a outra coisa, não é assim? Passei a ver com os meus amigos aquele que iria experimentar comigo uma coisa. Ver que maneira de servir lhe seria preferível ele ter com Portugal. Quer dizer, o que está faltando no mundo… Portugal fez-se, como vocês sabem, por ordens militares. A ordem militar é fundamentalmente a ordem em que um sujeito actua e contempla ao mesmo momento. Não quer dizer que as pessoas agora vão fazer uma ordem militar para andar à pancada uns com os outros. Mas é para actuar e para meditar ao mesmo tempo. Bem, então eu estou perguntando ou estou levando isso para ver se algum amigo me diz assim: “Eu gostava de experimentar uma coisa dessas.” Está bem. Então nós hoje vamos experimentar uma terra qualquer. O que é que nos interessaria fazer nessa terra? Vamos travar conhecimento com a Junta de Freguesia e perguntar se eles estão dispostos a isso ou não. E um problema pelo qual eu estou muito interessado foi dado por uma analfabeta, na Serra da Estrela, em Orjais. Estávamos ambos conversando, ela devia ter os seus 70 anos, era cozinheira em casa de uns amigos ou não sei quê, estávamos conversando diante da escola de Orjais. E eu disse-lhe: “Olhe, está bonita, vocês têm aqui uma escola bonita.” E ela disse: “Tem. Temos. Mas está quase sempre fechada. Aí seis horas ou coisa assim aberta durante o dia. Você não acha que ela devia estar sempre aberta, para eu entrar a qualquer hora e perguntar o que não sei?”. E eu disse e vi: “É a melhor escola que podia haver no mundo!” Então vê. Será um dia possível fazer isso? Sob o ponto de vista de um particular é muito difícil, vocês morarem numa casa e ser uma porta aberta, entrar a qualquer hora um sujeito e perguntar uma coisa esquisita. Mesmo que se tenha telefone, telefone por satélite para várias universidades, dá muito trabalho andar a perguntar aos outros coisas, a resposta que ela quer saber. Complicadíssimo. Mas talvez numa Junta de Freguesia se pudesse começar isso. Por exemplo, o Presidente da Junta afixar lá uma coisa dizendo: “Quem tiver alguma pergunta a fazer faça favor de a depositar aqui.” Então o sujeito vinha e depositava a pergunta. Depois o Presidente da Junta via a quem se devia dirigir para arranjar resposta àquela pergunta. E afixava lá: “Às perguntas tal vem responder o senhor fulano terça, quarta e quinta, às tantas horas e tal.” E ia lá o homem que pergunta e provavelmente outra gente, interessada na mesma coisa. As perguntas podiam interessar gente em lançar-se a assuntos. A certa altura, quando a Junta de Freguesia estivesse gorda ao máximo, já não cabia mais nada, parava ali e ia-se noutro lugar, a outra junta que eles comunicassem isso. Porque o povo português está hoje com uma tendência bem engraçada, sabe? É lembrar-se de coisas que devia haver, que não há, que provavelmente nenhum governo trará a Portugal, e eles fazerem isso. Vou-lhe contar a última. A Junta de Benfica, parece que o Presidente é muito bom, eu não o conheço pessoalmente, parece que o Presidente é muito bom, assim mo diz uma amiga que trabalhou já com ele, e naturalmente tem levantado ali problemas vários, culturais, etc., ou é a própria gente da freguesia a levantar problemas… então, houve um exemplo de uma coisa que se fez ali. Quer dizer, o povo, três ou quatro amigos que lá se encontravam, lembraram-se de uma coisa de que ninguém se tinha lembrado e que governo nenhum faria. Sabe o que é? Formaram um grupinho para acompanhar moribundos. Lembraram-se disso: gente que morre sozinha. Irem lá, só para consolar o homem? Não se sabe… Fizeram para consolar. Mas sabe-se lá o que vem de uma experiência de ter acompanhado um moribundo?! Que ideias é que podem dar na cabeça?! Que costumes se vão implantar?! Não se sabe. Devia haver uma Comissão dos Descobrimentos atenta a isso. O que é que vai sair de uma coisa dessas? Venha lá agora o relato! Então há muita coisa a fazer assim. Experimentação. Sobretudo no sentido [de] que as pessoas se pronunciem, que as pessoas digam aquilo que lhes apetece perguntar e para que não obtêm resposta. E depois, entre si, entre o grupo de amigos, discutem isso, a ver o que é que vai saindo. Estou metido nessa tentativa, não sei o que é que vai dar, porque não vou publicar mais Folhinhas. Vou pedir às pessoas que tenham visto alguma coisa que lhes pareça de perguntar que perguntem. Estou pronto a responder às perguntas que mandarem, o mais breve possível e com a melhor letra possível, porque a minha é quase ilegível, mas eu não gosto de escrever para os amigos à máquina, acho que não está certo."
Agostinho da Silva, in A Última Entrevista de Imprensa