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VOZ PASSIVA. 124

21-08-2022 00:25

António Telmo e a astrologia: doze anos depois

(das terras de Estremoz vê-se melhor os céus)

Eduardo Aroso

 

Parece ser desígnio dos grandes seres a admiração pela relação que possa haver dos astros e dos humanos nas suas múltiplas facetas, influência extensiva ao mundo mineral, vegetal e animal. De tempos a tempos surgem listas, algumas exaustivas, de personalidades históricas que viveram nessa pertinência divina da relação causa-efeito e de uma mais ampla fraternidade cósmica. Muitas vezes, nessas almas invulgares, o espanto e interrogação dão mesmo lugar ao estudo mais ou menos afincado na matéria em causa. No momento em que escrevemos estas palavras, lemos um dos dezassete sonetos que William Shakespeare dedicou ao Jovem Desconhecido e onde o notável escritor escreve: «Das estrelas não vou julgamento extrair, /Mesmo tendo o saber de toda a astronomia» (*), tradução da brasileira Renata Maria Parreira Cordeiro, Landy editora, S. Paulo, 2003. Um ponto assaz importante é que Shakespeare, no contexto, por uma atitude porventura cauta, abstém-se de dar conselhos no seguimento do soneto. Todavia, clarividente da situação, não deixa contudo de animar o jovem.

Para além das situações de tipo utilitário a que a vida muitas vezes nos obriga (estas também revestidas do que se poderia chamar actos conscientes), é sempre difícil averiguar se também – ou essencialmente -  haverá razões mais profundas que levem um filósofo nascido numa região montanhosa da Beira Alta a ir descendo até à planície alentejana, onde, como certamente todos já tivemos a experiência, o céu parece estar mais próximo de nós, e mesmo que assim não seja realmente, a nossa visão é mais nítida, e neste sentido podemos criar uma outra proximidade sobre o sentido da vida.

António Telmo marcou o seu sério interesse pela astrologia em várias obras, faceta do filósofo que, mais detalhadamente, será explanada por nós numa publicação a editar brevemente, com escritos inéditos. Assim, não apenas um interesse dir-se-ia circunstancial, mas através da astrologia (qual Fio de Ariadne) melhor o filósofo pôde adentrar-se nos meandros ocultos do nosso destino, o que está bem patente, por exemplo, na sua obra História Secreta de Portugal. Quando da publicação do vol. VII das Obras Completas de António Temo (editora Zéfiro), tivemos a honra de prefaciar o livro. Vamos recordar algumas passagens, sempre oportunas para manter bem presente que o filósofo ultrapassava o próprio ecletismo, a interdisciplinaridade ou mesmo a transdisciplinaridade, situando-se, sem titubear, na Tradição fosse através da Cabala, da Astrologia ou outra gnose. «Não deixa de soar estranho que, num país que tem uma longa tradição neste campo e que, à parte a velha dicotomia astronomia-astrologia, este conhecimento arcano que foi matéria essencial para levar a cabo o bem planeado «Projecto Áureo Português», seja ainda tabu, ou como diríamos hoje “culturalmente incorrecto”! Podemos dizer sem qualquer hesitação que António Telmo, enquanto filósofo, é um dos raros autores no que se tem chamado pensamento português (sobretudo do século XX, o que mais nos interessa agora), a tomar a astrologia não apenas como estudo em si mesmo, mas sobretudo na ordem maior da nossa tradição e destino, como o reflectiu em História Secreta de Portugal, Filosofia e Kabbalah, Horóscopo de Portugal e até em A Aventura Maçónica. Cremos que António Telmo sentiu uma necessidade vital da Astrologia, do mesmo modo que do estudo da Kabbalah, para melhor discernir a confluência das três grandes tradições entre nós». O filósofo tomou a sério a frase de Pessoa «a astrologia é verificável, se alguém se der ao trabalho de a verificar». Disso resultou o que todos sabemos e podemos ler numa das suas obras nucleares: O Horóscopo de Portugal. Assim, António Telmo, na busca sem limites, fez jus ao que, de outro modo ou noutra linguagem está escrito na sua pedra tumular: «É a Tua face que eu procuro, Senhor».

 (*) a designação de astronomia é sinónima de astrologia até ao séc. XVII com a expulsão desta das universidades europeias, o que não acarretou o corte do seu estudo e prática até hoje, verificando-se até, no presente, uma nova abordagem muitas vezes associada à psicologia e à medicina. O facto é que o conceito moderno de astronomia não nasceu do nada, sendo esta “filha” da astrologia.

 

Agosto 2022

INÉDITOS. 100

21-08-2022 00:11

Iniciação e gnoseologia[1]

 

Eu fui dos que leram[2] os quatro livros de Carlos Castaneda acreditando. Eu afirmo a realidade do mundo sensível. Acredito que independentemente de mim existem seres que não sou eu. Não sou, por tendência natural do meu espírito, um solipsista. Penso, porém, como Kant que a realidade das coisas, o seu eu real nos escapa. Divirjo de Kant, porque admito a possibilidade de adquirir órgãos, de desenvolver órgãos de conhecimento da realidade. Acho, pois, que as formas a priori da sensibilidade são modos entre muitos outros de apreender a realidade, mas, enquanto o espaço, o tempo e o número se interpõem entre o espírito e os nómenos, há outras formas de sensibilidade, desconhecidas de nós mas possíveis pela iniciação, que revelam as essências das coisas. Penso até que elas são inversas daquelas, que nós estamos voltados ao contrário: o espaço inverso é o aspecto negativo das coisas, o seu lugar; o tempo é o instante; o número é a qualidade.

 

António Telmo

 



[1] Nota do editor – O título é da nossa responsabilidade.

[2] Nota do editor – No original manuscrito, certamente por lapso, surge “li”.

 

EDITORIAL. 27

21-08-2022 00:02

Publicar, estudar, conhecer

 

Doze anos após a sua partida para a grande viagem, evocamos António Telmo publicando um seu apontamento inédito e um estudo de Eduardo Aroso sobre o lugar da astrologia, ciência sagrada, no seu pensamento filosófico. Se o espólio do filósofo da razão poética ainda guarda páginas inéditas em que fulgura o seu pensamento operativo, o estudo sistemático da sua obra impõe-se como modo evidente de potenciar um legado singular e original.  

VOZ PASSIVA. 123

02-05-2022 16:40

António Telmo, do inesgotável ao infinito

Risoleta C. Pinto Pedro

 

A obra de António Telmo, por conta do trabalho sistemático com a publicação da sua Obra Completa que vem sendo feito pela editora Zéfiro, com a coordenação editorial de António Carlos Carvalho, Maria Antónia Vitorino e Pedro Martins, permite o que não tem acontecido com outros autores: o estudo, a leitura e releitura, e a permanente descoberta de novos textos a partir do espólio. Este ritmo apenas foi atenuado devido à pandemia, mas logo que todas as condições estejam reunidas, sairá o tão esperado XI volume, parado desde 2020 à porta do prelo pelas circunstâncias que todos conhecemos e vivemos. E se uma obra não é inesgotável, não está posta de parte a concretização de, pelo menos, mais um volume, que será o XII. Contudo, este conceito de inesgotável, talvez não coincida com o de infinito. Li, há pouco tempo, que dois infinitos não podem existir juntos, e como não sou matemática, fiquei a matutar no assunto sem sequer tocar na fímbria da questão. Contudo, a minha experiência com os livros de António Telmo, diz-me que uma fonte aparentemente finita pode produzir um infinito, e posso afirmá-lo sem grande hesitação. A obra do nosso filósofo esteve, durante alguns anos, esgotada, mas a reedição acrescida de novos textos permite dispor de uma série de volumes a partir dos quais o estudo pode ser organizado à maneira de cada um. Assim, o meu método é ir relendo os volumes mais antigos. A experiência é a de, se não total novidade, de pelo menos um refrescamento e novas descobertas como se o texto se abrisse a infinitas leituras e releituras. Claro que tal pode suceder-nos com outros livros e autores, mas nunca o experimentei a este nível com nenhum outro.  Isto é sério, mas brincando, posso relacionar este dia 2 do aniversário do ano de 2022 com o oito, ou o mesmo infinito de que falo, e abrindo o volume que estou neste momento a reler, o IV, intitulado Filosofia e Kabbalah, procurando o ponto onde fiquei há dias, e passando para a página seguinte, leio no segundo dos trinta pontos do “Louvor da Matéria”, texto cuja leitura e meditação vivamente recomendo:

«A madeira é o que cresce indefinidamente, é o princípio da multiplicação sem divisão».

Assim sendo, parece-me que dois infinitos não apenas podem coexistir, como podem ser mais, muito mais do que dois. Não significa que eu consiga compreender isto, ou mesmo que seja verdade, mas o meu coração adere a esta realidade que experimenta cada vez que penetra na leitura desta obra magnífica e inesgotável, ainda que o espólio pareça desmentir o que digo.

2 de Maio de 2022

EDITORIAL. 26

02-05-2022 09:41

Ressurgimento

 

Assinalando o dia em que se completam 95 anos sobre o nascimento de António Telmo, publicamos hoje uma carta inédita do filósofo para António Cândido Franco, datada de 17 de Julho de 2007 e recentemente reencontrada pelo autor de Arte de Sonhar, que generosamente nos cedeu a missiva para publicação. O seu texto integrará também, como um complemento, o Volume XI das Obras Completas de António Telmo, A Verdade do Amor precedida de Adriana, com edição prevista para o ano em curso, com a habitual chancela da Zéfiro, e que terá prefácio de Paulo Samuel. Após dois anos de uma tremenda crise pandémica, os tempos são, enfim, de ressurgimento.

CORRESPONDÊNCIA. 56

02-05-2022 09:20

CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 09
 

ESTREMOZ

17-7-2007

 

Meu caro Amigo

António Cândido Franco

 

O texto de teatro filosófico[1] que lhe enviei foi escrito há seus quinze anos, bem como a “explicação”[2] que agora também lhe envio. Talvez que esta ajude a compreender porque a “apoteose” é a da recepção no Templo de Salomão, onde se encontra Caterina (o nome de deriva de cátaro ou de Kéter?) com quem o “argonauta” se une em esponsais.

Não conheço o valor musical do rock e até é possível que seja muito elevado para os apreciadores, figura ali como elemento a juntar-se a outros para exprimir o processo de decomposição psíquica em que também nós estamos implicados. Não o Leonardo Coimbra da minha imaginação e tal como o penso ter ele sido, que, à semelhança de Eneias na Eneida, de Ulisses na Odisseia e de Dante na Divina Comédia não se mistura com o sórdido e o abjecto, mas dele se separa pelo caminho que ascende até Deus.

As páginas que agora lhe envio são para preceder o texto teatral[3], caso o livro A Verdade do Amor venha a ser editado. 

Estou-lhe muito grato pela atenção que me prestou mais uma vez lendo-me e pelo movimento junto do Paulo Loução.

Um grande abraço do seu muito amigo

 

            António Telmo

 

P. S. A igreja, sendo o Templo de Salomão, é aquela que Bruno e Pascoaes queriam que fosse a Igreja Lusitana.



[1] Nota do editor – Trata-se da peça teatral, da autoria de António Telmo, A Verdade do Amor, originalmente publicada em 2008, com a chancela da Zéfiro, no volume A Verdade do Amor seguido de Adoração: Cânticos de Amor, de Leonardo Coimbra.

[2] Nota do editor – Trata-se de “Breve explicação do que atrás foi escrito”, publicado, no volume referido, logo após o texto teatral.   

[3] Nota do editor- De facto, surgiram após aquele texto, conforme se explicitou na nota anterior.

 

VOZ PASSIVA. 122

23-08-2021 12:39

António Telmo e a Santa Cabala

Eduardo Aroso

 

Escorre lentamente

A seiva das eras,

A cabeça e a cauda

Sempre primaveras.

Na imagem de fora

Só a ilusão é que corre.

Do sol à raiz

Nunca a árvore morre.

Letra a letra,

Tempo sobre tempo,

A escrita é soprada

E a noite mais dolorosa

Ilumina a palavra procurada.

 

EDITORIAL. 25

21-08-2021 00:15

Um legado que se partilha

 

Assinalamos a passagem do décimo primeiro aniversário da partida de António Telmo com o início da publicação das cartas que o poeta e ocultista austríaco Max Hölzer lhe dirigiu, a qual se prolongará pelos próximos meses. A transcrição das missivas, escritas em língua francesa, bem como a apresentação e a anotação do conjunto, que ultrapassa as três dezenas de espécimes, são da autoria de Risoleta C. Pinto Pedro. No próximo número da revista de cultura libertária A IDEIA será publicada uma selecção deste epistolário traduzida para português pela sua transcritora, que igualmente o apresenta.

Proximamente, publicaremos ainda nesta página um conjunto de escritos inéditos de António Telmo versando a astrologia que serão comentados por Eduardo Aroso.

Acreditamos que a divulgação contínua e criteriosa do legado bio-bibliográfico do filósofo da razão poética será, ainda e sempre, a melhor homenagem que lhe poderemos prestar.    

VOZ PASSIVA. 121

21-08-2021 00:12

“Filosofiat” ou da importância dos nomes e do erro

Risoleta C. Pinto Pedro

A 17 de Janeiro de 2014, a rubrica “Voz Passiva” do Projecto António Telmo. Vida e Obra”, publicava um texto de António Carlos Carvalho intitulado “Os nomes de António Telmo”. É um magnífico texto cuja leitura recomendo e que reencontrei agora, a propósito, já explicarei de quê. O texto consiste na comunicação apresentada ao Colóquio “A Obra e o Pensamento de António Telmo”, promovido em 2011 pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira. Mas vamos ao que importa.

O texto do jornalista, escritor, pensador, editor, orador e amigo de António Telmo, consiste numa reflexão sobre a importância dos nomes na perspectiva do filósofo, e por isso se me apresentou ao caminho num dia que foi para mim, como tantos outros, de viagem. Quando me acontece viajar sozinha, penso e contemplo. O contemplar solta-me e disciplina-me o pensar. O carro transforma-se num templo, a estrada transporta-me para fora do tempo e os conceitos ora desfilam ora se aprofundam, complexos e límpidos sem interferências avulsas. Vinha discorrendo sobre pandemia e pausa. Tudo neste Universo é feito de respiração, balançando como pêndulo. A música: thesis e arsis, som e silêncio; o tempo: dia e noite; os astros com suas fases; o clima com suas estações; o humor com suas oscilações; a saúde com seus altos e baixos; e por aí fora. Apenas a actividade humana moderna é de uma incessante febrilidade, produção, exploração, expansão. Não há cessação de actividade. Porque a própria interrupção a que chamamos férias é uma imparável corrida: para outro lugar, para os prazeres fora de nós, para o divertimento. Continua a não haver pausa, silêncio, imobilidade. A sociedade de consumo é um imenso animal faminto que necessita de ser continuamente alimentado e tudo está organizado para que o façamos, mesmo quando pensamos que paramos.

Uma pandemia não tem méritos. Mas se formos inteligentes, isto é, se usarmos a inteligência que cada um de nós possui, podemos aproveitar tudo para aprendermos mais um bocadinho sobre nós e sobre o mundo. E este estado em que fomos mergulhados foi, está ainda a ser, uma imensa e desequilibrada pausa, tão excessiva e desequilibrada quanto a actividade anterior. Tudo parou. Até aquilo que já era paragem, os pauzinhos na engrenagem, as fugas ao indomável sistema histérico. Também a pausa parou. Tenho dúvidas que a maioria tenha aproveitado para ler, com o entusiasmo que se gerou em torno das redes sociais, lives, videoconferências, numa tentativa desesperada de compensar o proibido e legítimo desejo de contacto com o outro.

Ora a leitura em geral, e em particular a leitura dos filósofos, sendo ainda mais particular a leitura de um filósofo como António Telmo, constitui uma profunda respiração na actividade mental. Esta respiração tem vindo a ser promovida pelo trabalho editorial da Zéfiro, que vem publicando, ritmicamente, anualmente, as Obras Completas do Filósofo, trabalho coordenado por Pedro Martins. O XI volume, completamente terminado, ficou, também ele, suspenso à beira do poço da pandemia e aguarda as condições que os grandes grupos editoriais continuam a ter, mas que um editor independente como a Zéfiro, nestas circunstâncias não possui. Por isso, o XI volume aguarda serenamente. Esta situação, afectando economicamente a editora e culturalmente quem da sua actividade beneficia, o que não é de somenos, não seria, só por si, o único facto grave. É grave a forçada suspensão da respiração. Contudo, António Telmo era um homem com um ritmo afeito à planície alentejana, onde viveu a maior parte da vida, e esta pausa não o afectaria. Pelo contrário: aproveitaria para reflectir sobre as causas ocultas de tal detença. E, sem dúvida, começaria por olhar para o nome. O nome do X volume, o último a sair antes da grande travagem a fundo: Capelas Imperfeitas.

A expressão original designa o Panteão de D. Duarte, no mosteiro da Batalha, não acabado. É essa a sua imperfeição. O trabalho, em si, é tudo menos imperfeito, mas a morte do rei e do arquitecto inviabilizaram a sua conclusão. No reinado de D. Manuel o labor persiste com vista ao acabamento, e também no de D. João III: surgem o portal, a varanda renascença, obras sucessivas de Mateus Fernandes e Miguel de Arruda, e assim ficou a perfeita e inacabada obra, por isso designada imperfeita. Também a obra de António Telmo é, e isso está patente no espólio, uma obra perfeita em cada página que escreveu, mas muitas delas, muitos projectos de temas a desenvolver, de livros a escrever, ficaram inacabados. A publicação das Obras Completas tem contribuído, não só para reeditar, dando novamente à luz o que fora publicado, como para mostrar esse projecto futuro no seu processo de nascer, assim o desfragmentando e conferindo-lhe alguma unidade. Que tem. Ali se sente a respiração do filósofo, as pausas, aquilo a que ele chamava a sua “preguiça”, que eu vejo como contemplação sagrada, ali se vê como olha para trás e não tem receio de escrever o que já não diria da mesma maneira. Nas Capelas Imperfeitas, com seus apontamentos, fragmentos e inéditos dispersos, atinge-se o auge da perfeição do… imperfeito, no sentido já referido, de inacabado. Mas António Telmo continuaria a olhar para o título com a atitude que sempre teve perante os nomes e que António Carlos Carvalho tão bem sistematiza na acima referida comunicação, onde começa por assinalar que o você e  o tu não eram usados por Telmo, mas sempre o nome e apelido do seu interlocutor: «esse sublinhar do nome num tempo em que a importância é dada aos números que todos nós temos, que nos são atribuídos e é por eles que nos identificam, e não pelo nome que recebemos ao nascermos -- tal é o absurdo --, esse nome que nos deram e que se cola a nós ao ponto de a ele respondermos, de reconhecermos o seu poder de apelo». São as palavras iniciais de António Carlos Carvalho. Que vai, também, lembrar algumas das reflexões de Telmo, tais como (recito):
«Habitamos um nome, como habitamos uma casa.»
Assim como a existência de «uma íntima relação entre o nome de uma pessoa e o que ela viveu ou pensou» (Congeminações de um Neo-Pitagórico).»

Não querendo nem sendo elegante transcrever todo o texto, que o leitor poderá e terá todo o benefício em ler aqui:
https://m.antonio-telmo-vida-e-obra.pt/news/voz-passiva-11/,

pretendo apenas ressaltar uma outra importante afirmação de Telmo:

«O nome em princípio representa a essência sobrenatural do indivíduo.»

E outra ainda de seu mestre Álvaro Ribeiro:

«é preciso conhecer o ser que tem o seu nome e não outro».

Isto não se aplica apenas aos nomes humanos mas a tudo, daí eu trazer este tema, o nome do anterior volume publicado. Também os livros não se subtraem à Lei. Pelo contrário, contêm-na.

E para a compreendermos melhor, ajudará lermos a Gramática Secreta da Língua Portuguesa, onde os sons e as potências são quase racionalmente analisados e desvelados na sua criadora natureza.

Mas como não acreditamos em determinismos nem no poder da magia sobre a claridade do conhecimento, sabemos que este título, Capelas Imperfeitas, é sobretudo um instrumento para reflexão e não um dictat, a que também não atribuímos poder. Dictat não é Fiat, dictat é uma ordem que nos supera se tal permitirmos, Fiat é um poder que construímos pela luz da razão sustentada na intuição do coração. Também acreditamos na importância do erro para a evolução, e quando no início deste artigo ia escrever a palavra “Filosofia”, um t se acrescentou por vontade própria, um t de Fiat (Filosofiat), que acoplado ao amor pela sabedoria, possui um poder atómico no sentido da construção criativa, por isso acreditamos na próxima continuidade rítmica da publicação desta bela Obra de Telmo, que por muitos volumes que venha a ter (não terá muitos mais, e os que existem já não são poucos) será sempre incompleta, porque essa é a natureza da obra humana, à semelhança da própria criação do demiurgo, sendo que a próxima etapa da humanidade consiste, e Telmo para isso bem contribuiu, em ir aperfeiçoando o que ele, esse construtor escondido que não conhecemos do universo que conhecemos, não conseguiu. Ainda assim, que bela, esta Capela Imperfeita onde vivemos! Que sem o ignorarmos, não nos conformemos apenas com a beleza, enquanto houver seres em sofrimento. E outros a infligi-lo. As capelas imperfeitas que são a súmula do conhecimento e do pensamento humano inventariado pelos filósofos e pelos poetas, poderão ser o nosso ponto de partida e um possível caminho para mostrar quão nus vão os reis… de todos os domínios. É preciso sabê-lo para deixarmos de acreditar neles. E mais na nossa acção investigativa, reflexiva e criativa. Iniciemos, então, a imperfeita obra, nem por isso menos merecedora de ser construída.

Agosto 2021

CORRESPONDÊNCIA. 55

21-08-2021 00:07

Carta de Max Hölzer para António Telmo, de 16 de Maio de 1975

 

Paris, le 16 Mai 75

Cher António Telmo,

   Comme le temps passe (c’est dans sa nature, aurait dit Alfred Jarry) – j’ai eu à peine pour m’habituer au changement. À Lisbonne, dans votre pays, on reçoit des forces qui viennent de la nature, ce qui manque ici presque totalement.

   Je voudrais bien avoir des nouvelles de vous, et de toute la famille. Rappelez-vous que je pense quotidiennement à vous. Que nous n’avons pas eu la chance de nous revoir avant mon départ me faisait sentir la règle que tout doit être exercice dans ce monde et que la continuité suppose le changement pour qui se met sur la voie. Le temps est propice au travail, nous propose sans cesse des possibilités d’apprendre en chair et os et sentiments, exercer en nous même, la force conciliatrice qui en général n’est que “jouissance dans toutes formes, venant du dehors”.

Je vous envoie ces jours un petit livre d’un poète, et beaucoup plus que cela, qui m’a communiqué une grande joie par ces écrits divers et le haut sentiment qui émane d’eux (le petit livre épuisé, était une “occasion”, pardonnez l’extérieur usé).

   Mais les autres grands livres attendent encore à (Franckfurt), peut-être dites-moi un mot comment les faire parvenir à vous, par quelle adresse, eventuellement pour votre éditeur.

Moi, je me trouve dans des différents travaux qui sont un seul, finalement; avec intensité. Il est beaucoup exigé, et augmente avec chaque pas.

   Croyez-moi, avec toute la famille, votre ami fidèle.

Max Holzer

 

 

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