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CORRESPONDÊNCIA. 23
07-05-2015 20:59
CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 06
Estremoz
7-3-94
Meu caro António Cândido
Já não se chama Portugal mas O Encoberto.[1]
Virá como tudo quanto se sonha com o pensamento. Não sabemos desistir.
Muito obrigado pelos livros enviados. Admirei muito o seu D. Sebastião[2], que lembra o do Cutileiro em Lagos. Muitos parabéns mais uma vez. A dificuldade comigo é conseguir não o admirar.
Por acaso ou sorte, na Quinta-Feira às 15 horas, na sala de Exposições da Biblioteca da Universidade Católica, falarei sobre “O Encoberto: o mito sebástico”.
Terei o prazer de o poder abraçar?
De qualquer modo, abraço-o agora com um grande abraço
António Telmo
[1] Nota do editor - António Telmo refere-se a uma revista projectada no seio do seu grupo, que se não chegou a concretizar.
[2] Nota do editor - António Telmo refere-se ao romance de António Cândido Franco Vida de Sebastião, Rei de Portugal, Mem Martins, Europa América, 1993.
UNIVERSO TÉLMICO. 20
06-05-2015 11:13Onde a terra se acaba. 03[1]
Agostinho da Silva
Falando Camões da «piscosa» Sesimbra, o que, se sabe, já deu origem a que um comentador, não entendendo que o poeta se referia a peixes, tivesse explicado gravemente que se tratava de piscos, graciosamente substituindo a asa à barbatana, poderia pensar-se que o verso de que tiro o título geral destas notinhas – «Onde a terra se acaba e o mar começa» – lhe teria vindo à ideia peneirando a vista dos altos do Castelo ou das fragas a que se encosta a Califórnia.
A hipótese é pelo menos boa para que no próximo ano em que se lembra haver-se, há quatro séculos, publicado Os Lusíadas, recorde esta vila o Poeta que algumas vezes a deve ter visitado e pense um pouco, largando a fantasia como quem estende rede nas águas, no que seria ele quando ocorreu a visita ou na comparação que entre duas idades poderia fazer, se em mais de uma oportunidade esteve por estes lados.
Talvez tivesse vindo antes de embarcar para a Índia, depois de o terem soltado do Tronco de Lisboa, pois esteve Camões preso, não por engano mas por culpas; o Poeta, efectivamente, não era de piedosas virtudes, já lhe dando bastante trabalho ser o que era para ainda lhe acrescentar o de fingir que o não era; bastantes vezes falou nos erros seus, mas, segundo parece, era o arrependimento de pouca dura; além de tudo, empregava o Governo como soldado: vivia, portanto, da violência, como não. Pois em Sesimbra o imagino, sabendo-se já contratado para matar, depois de ter sido castigado por quase ir matando, a pensar que a má Fortuna, de que também falou em versos seus, o obrigava, para viver livre, a emigrar, como tantos outros de seus compatriotas emigrariam a construir terras estranhas, só uma delimitando para si próprios, o Brasil, e a fazendo grande como sua grandeza e a carregando de sonhos de futuro, seus próprios sonhos, aqui, desfeitos.
Talvez tivesse voltado depois, exactamente nesse ano de 1572 em que seu poema se ia publicar, com uma vida já quase toda para trás e os anos para a frente se anunciando como difíceis, sem bens, sem companhia, sem amor e quase sem esperança, apenas um raiozinho dela luzindo em D. Sebastião; a esse mesmo lhe apagam os fados em Alcácer; e crê «morrer com a Pátria» porque as ilusões da Índia lhe ocultavam o que seria Brasil e o que poderia ser África.
Quem sabe se a mesma Sesimbra das fronteiras entre mar e terra, inspiradoras do verso célebre, lhe não viu compor os outros versos, dolorosos esses, em que renuncia à voz poética e se queixa da indiferença, do desprezo ou da soberba com que lhe acolheram o poema os poderosos do momento, todos laçados pela ganância dos bens e o prestígio das posições, interessados em estar bem com a camarilha real ou, melhor ainda, fazer parte dela, presos aos negócios com as grandes casas bancárias da Alemanha ou Itália, ansiosos, tanto como el-rei, por uma boa campanha de Marrocos que lhe trouxesse a glória de mandar e a satisfação à vã cobiça, e sempre o desdém por quem pensa e escreve ou, pior ainda, também pensa e não escreve porque nem escrever sabe, ou já desaprendeu, ou o duro trabalho lhe não dá hora vaga.
É bom lembrar o Camões da estátua, e é bom lembrar, para que não mais os haja, o Camões da fome; é bom lembrar o Camões das bibliotecas e das escolas, e é bom lembrar que niguém praticamente lê Camões, a não ser a minoria que o roça lá pelo 5.º ano, ou ainda a menor minoria que ouve prelecção de Faculdade; é bom lembrar o Camões da Fé e do Império e é bom lembrar o que perdeu saúde e sangue, por aí se irmanando com aquela verdadeira sua grei que o mesmo fez e faz por América, África, e Europa e Ásia. Sobre esse segundo bem do contraponto gostaria eu que Sesimbra, lembrando, meditasse.
UNIVERSO TÉLMICO. 19
06-05-2015 11:06CARTAS DE AGOSTINHO DA SILVA PARA RUY VENTURA. 03
3
[carimbo do correio – Lisboa, 13.7.1993; cartão]
13.7.93
O fundamental é que não acabemos por dentro – e o que temos que estabelecer é como vamos viver com mundo tão complicado. Temos que viver plenamente por dentro e daí tirar a cal para caiar o universo. Como vou, tento [?] (7), acabar as Folhinhas, tem o Amigo de escolher: ou lhe devolvo a ajuda, que muito agradeço, ou o seguinte, eu junto os 500 ao auxílio ou […] (8) que estou prestando ao Pelouro Social da Junta das Mercês, o bairro onde moro. […] com os melhores votos.
A.
____________
Notas de Ruy Ventura:
(7) Sempre que surgir este sinal, trata-se de uma leitura duvidosa.
(8) Os cortes, assinalados por […], devem-se à ilegibilidade de algumas partes das missivas.
UNIVERSO TÉLMICO. 18
04-05-2015 21:53Onde a terra se acaba. 02[1]
Agostinho da Silva
Depois de acentuar, o que talvez seja conveniente, que o título, tirado de meio verso de Luís de Camões, é o de todos os artigos que O Sesimbrense tiver a paciência de me publicar e não apenas o do primeiro que já saiu; que irá o leitor dando a cada um dos que ainda vierem a designação que melhor resuma para ele o essencial do que foi escrito, ou lhe não dará título algum, o que o autor preferiria, para que vá sendo a conversa cada vez mais livre; talvez não estivesse fora de propósito mais alguma palavra sobre um dos sentidos de se acabar a terra.
Talvez tenha sido o navegar a actividade humana que mais acentuou no homem o sentido de grupo, no qual se não apaga o valor de cada um dos componentes e em que o trabalho final resulta, em qualidade e quantidade, do cuidado e do esforço dos homens da companhia tomados um a um e levados ao melhor de si próprios pela confiança que nele depositou o grupo como um todo e, um a um, os indivíduos que o formavam. Barco rompe mar e do mar tira seu fruto porque cumpre cada qual seu limitado e indispensável dever, atento à tarefa que lhe deram e seguro de que estão os outros desempenhando também as suas, e bem despreocupado, por outra parte, de que lhe atribuem outro mérito senão o de colaborado, em seu próprio proveito e no dos outros, com o que sabia fazer e para fazer lhe deram.
E não foi certamente por acaso que tomaram para si igualmente a palavra nave, que se liga a navegar e a navio, as igrejas medievais, aquelas verdadeiras igrejas ou assembleias de povo crente, em que nenhum arquitecto procurava deixar sua obra assinada, em que toda a construção era anónima excepto para efeitos de salário, em que afinal toda a comunidade pusera seu empenho, pois que a toda a comunidade, pronta, serviria. O afã de marcar méritos pessoais só começou quando, a partir do Renascimento, a economia e tudo o resto com ela, inclusive a Igreja, que vemos agora, felizmente, livre da pecha, se lançou pelos caminhos anticristãos da concorrência individual e da luta sem quartel por mais lucros para mais capitais que mais lucros dessem.
Vejo que neste jornal se ficou triste por no artigo anterior ter escapado à tipografia imprimir o meu nome; suponho que, ao contrário, nos devia o facto ter alegrado a todos como sinal da tal campanha que quer ver acabar o mais depressa possível uma terra, ou um mundo, que tão cruel tem sido para tanta gente, e ver iniciado um mar de novos descobrimentos, onde o grupo importe, não cada um de nós; seria uma boa iniciativa essa, de nos deixar a todos anónimos, embora soubesse o capitão de bordo o nome de cada um, para lhe perguntar, se necessário, por vela mal caçada ou ruim aperto de válvula; das pequenas inovações se passa às grandes; e não se esqueça Sesimbra de que tem de ser inovadora, por sua face ao mar.
INÉDITOS. 53
04-05-2015 21:21Em Sete Cartas a um Jovem Filósofo, pela voz de José Kertchy Navarro, escreve Agostinho da Silva: «São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.» E, em O Estranhíssimo Colosso - Uma Biografia de Agostinho da Silva, que no próximo sábado será apresentado em Sesimbra, tratando da relação entre Agostinho e Mário Soares, seu explicando nos anos de Palhavã, considera António Cândido Franco, a propósito do futuro Presidente da República: «Um ponto porém lhe agradeceu o meu biografado: não ser um agostinhozinho, a papaguear de alto as lições do mestre.» É a esta luz, estamos em crer, que ganham em ser lidas as breves linhas inéditas que António Telmo, nos últimos anos de vida, dedicou a uma das quatro personalidades que toda a vida ouviu e que lhe deram o pão para a boca.
Agostinho da Silva[1]
Agostinho da Silva não concorda, estou bem certo, com as extensas homenagens que lhe têm feito depois da sua morte. Não concordará também com a imagem que daí resulta. Gostará de ver quem se lhe oponha, sem insulto ou grosseria, mas por pensar diferente.
António Telmo
VOZ PASSIVA. 53
03-05-2015 13:52As Rosas
Teresa David
Ao Majestoso e Querido Mestre António Telmo!
As Rosas,
na sua
Polarização
de Divino,
Libertam-Nos
o Perfume
do Natural
do Inquestionável
do Paraíso!
Luz de Veludo,
Elas, de Celestial!
Escutemo-Las
e,
onde Já
Habita a Nova Aurora,
Acolhamos
O que Nos Une
no Dom
Infinito,
costurando
a Alegria
macia
na Inteireza
das Pétalas da Vida!
Ao Entregarmos
As Rosas
Do Amor
Ao Outro
Mediador
no Cortejo,
Clamor,
Repouso de Orvalho,
Ressuscitamos
com
A Frescura
do Sol!
E,
Nessa Ascese
de Maravilhamento,
Apaixonada
Dança de Rosas,
(Re)Encontram-se,
Tornam-se Irresistíveis
O Mundo e Deus!
VOZ PASSIVA. 52
03-05-2015 13:28António Telmo
ou a reconstituição de uma melodia original
Eduardo Aroso
88 são as teclas de um piano de concerto!
Mas entre bemóis e sustenidos
Fica tudo o mais o que os dedos não tocam
O que se adivinha a seguir
E os tempos idos
Na inteira sensação
Que quem escuta de modo diverso sabe distinguir.
Um aroma move-se entre sons e silêncios.
E são essas impressões
Que não se apagam da memória
Quando se reconstitui o fio cantante
Da vida que ali ou mais além
Tem as suas modulações.
- Então volta toda a música como o nascer de sol
Um som que pede outro acima dele,
Um ritmo que se funde noutro mais complexo
Um pensamento que explode de luz íntima…
E tudo continua e se junta não tanto como no Bolero de Ravel,
Mas na praia atlântica onde a dança pertence às ninfas do sonho
E o som das ondas, uma a uma, reconstitui a cadência lusíada;
Uma flauta criou a escala necessária para dar todas as cores à sua melodia
Que se agarra comovida ao plâncton profundo da pátria.
15-04-2015
VOZ PASSIVA. 51
02-05-2015 16:52António Telmo*
Romana Valente Pinho
[Romana Valente Pinho, primeira da esquerda na fila da frente, com António Telmo, em Alenquer, em 2001. Ao seu lado, Helena Briosa e Mota e Anahi Braia Vitorino]
O que mais me fascinava em António Telmo, antes de o conhecer, era o mistério que se evidenciava em todos os seus livros. Li e reli Filosofia e Kabbalah várias vezes movida por esse mistério... Quando o conheci pessoalmente, o mistério, em vez de diminuir, tornou-se ainda maior! Porém, passou a revelar-se mais leve, mais divertido, mais comungante.
Passados 20 anos da minha primeira leitura de Filosofia e Kabbalah e passados 15 do meu primeiro encontro com António Telmo, deparo-me agora com um pequeno trecho de uma entrevista sua que me confirma e relembra precisamente a importância desse mistério para a (des-)formação do nosso conhecimento:
“Pretendi dar pistas de aperfeiçoamento interior, mas, como disse de início, os meus livros sabem mais do que eu. Na verdade, eu não sei nada. Quem quiser saber alguma coisa terá que procurar Tomé Natanael. Tem que o procurar” (António Telmo, A Terra Prometida, 2014, p. 60).
____________
* Título da responsabilidade do editor.
INÉDITOS. 52
02-05-2015 11:0488 ANOS DEPOIS: ANTÓNIO TELMO, SEMPRE!
Homens sem sono[1]
O problema que se põe é o de saber se, entre nós, há homens despertos activos, homens-galos, não no sentido puramente estético do termo, mas naquele que Boitaca associou aos descobridores do Caminho pelo galo que anuncia o nascer do sol no alto da coluna e que talvez explique a etimologia do nome de Portugal. O enigma ainda inexplicado do 25 de Abril, é o aparecimento em jornais, televisão e rádio de uma expressão referida aos que fizeram o 25 de Abril: a de “homens sem sono.” Quaisquer que tenham sido as consequências do 25 de Abril, penso que foi um facto positivo, não pelas razões que têm sido dadas, mas porque abanou um povo adormecido, o fez estremecer e se, no campo político e social, tudo está aparentemente na mesma, é possível que os “homens sem sono” se tenham servido de conhecidos autómatos para abrir a janela no quarto onde o país dormia. Continuo a pensar que qualquer coisa mudou na casa de Portugal, qualquer coisa que ignoram políticos, psicólogos, sociólogos, mas que germina – ainda obscura semente de luz – como um suave movimento que pode ser encontrado se estivermos subtilmente atentos.
O que germina é a Pátria, que se lançou no 25 de Abril, cansada de ser Bragança ou de ser Salazar, mas que não quer ser Soares, Cunhal ou Freitas do Amaral. Há ou não homens despertos que saibam que a trombeta sonora, composta de sete sons, do galo primigénio da raça soará na hora exacta da noite excessivamente densa? Por enquanto, se acena a ouvirmos, não queremos acreditar e negamos. Três vezes a negamos. Negámo-la em 1640, quando confundimos D. João IV com D. Sebastião, em 1820 com as ideias francesas, em 1928 com Salazar e em 1974 com Spínola. É preciso acertar com o sinal do Encoberto. Só que o Encoberto por definição não tem sinal.
Por quê o galo?
O galo, de que Portugal é o porto, tem as seguintes características que convém meditar profundamente:
1. Bela plumagem, cauda em espiral e crista vermelha.
2. É polígamo.
3. Ergue-se erecto e altivo sobre as patas.
4. Marca pelo canto os tempos essenciais do curso do sol.
5. O seu canto ascende numa tríplice cadência, despertando as potências adormecidas da alma. É a manifestação sonora de Kundalini.
Claro que os “cientistas” que estudam as sociedades se riem destas disquisições poéticas e irreais. É uma das regras da ocultação. Tudo se passa como se Portugal não tivesse nome. É “este país…”, talvez definitivamente morto com o “Pai Rosacruz” mostrado por Pessoa, aquele que “conhece e cala”. Ver o problema da existência ou morte da Pátria através das imagens de um galo, aproveitando uma vaga associação etimológica, um puro acaso de sons, se não é a ironia que, por contraste, lembra as galinhas que tomaram conta do terreiro, é, quando muito, coisa de literato simbolista. Outra regra, senão a mesma, da ocultação.
Há, porém, coincidências espantosas para lá daquela já referida dos “homens sem sono”. Há, de novo, o encoberto de Massamá, desta vez de monóculo, que foi vencido e logo se ocultou para dar veracidade ao símbolo. Muita gente se contentaria com um símbolo (os monárquicos, por exemplo, desde que o símbolo os garantisse contra os que não são símbolos). Há os cravos, as chakras! Há a era do Aquário, na boca dos chacais e de Costa Gomes. Há, por cima disto tudo, o País de Gales, a Galiza, a Gália, uma grande comunidade antiga que aqui tinha seu Porto, seu Porto Culto, como dizia Bruno ou Oculto, porque lido em voz alta soa na mesma.
Tudo aparece, neste tempo que vivemos, como uma grande paródia simbólica da verdade da Pátria. Uma grande paródia simbólica onde, apesar de tudo, o mesmo está! Eis um sinal do fim da Pátria. Surge com as ideias que a formam na forma de uma grande curiosidade. Eis o sinal que não se vê.
António Telmo
VOZ PASSIVA. 50
02-05-2015 10:51António Telmo: da arte pela arte à arte ao serviço de uma causa, que caminho?
Risoleta C. Pinto Pedro
[António Telmo na Universidade de Brasília, em 2 de Maio de 1966]
António Telmo tem o talento de se inspirar na biografia transfigurando-a pela alquimia do símbolo e aprofundando-a esteticamente pela metáfora.
É curiosíssimo encontrar pelo meio da sua escrita pinceladas de biografia nas cores básicas ou em tons pastel. O efeito acaba por ser o mesmo. Quer uns quer outros sofrem um fenómeno perante os nossos olhos nunca habituados: a transfiguração, a alquimia. O processo simbólico de Telmo dilui-se na ficção, a ficção tem a originalidade do símbolo, ambas se transformam pela metáfora.
Já me aconteceu ler ficção de autores que apreciei na escrita divulgativa, levemente ensaística ou mesmo de autoajuda, ter apreciado estas, e não gostar das tentativas ficcionais. Posso ter apreciado essa outra inicial vertente e quando se metem à ficção senti-la como um desapontamento. O que é normal, a escrita de divulgação, de formação, de reflexão tem características próprias e a ficção literária, dentro dos infinitos estilos compostos por cada um, também. Um autor de ficção pode pretender escrever um texto normal, comum, pragmático e informativo, e tropeçar na metáfora, enrolar-se na musicalidade, afogar-se no fluxo do literário. Também é normal. Com isto, não quero dizer que não possa acontecer a caneta com dupla vocação. Ou oficina. Pode até acontecer, no exercício da modernidade, ambas se confundirem. Acontece, mas nem sempre. Por isso me encanta a escrita de António Telmo, que consegue manter o seu estilo, presente no texto reflexivo ou de reflexão, e na ficção. Que se interpenetram, sem se confundirem. As doses são rigorosamente medidas (no athanor do seu inconsciente?) para criar ora uma coisa ora outra, produzindo resultados diferentes com os mesmos ingredientes. Chama-se a isto autenticidade. Não precisa de se afastar do seu estar, pensar ou sentir para criar isto ou aquilo. Penetra e fecunda o texto com a sua essência e Deus faz o resto. Porque sente que aquele seu menino está com ele na arte e no serviço. E é esta a minha “tese” (com aspas, porque a expressão é forte, reconheço, e a minha proposta é humilde) que está indelevelmente fixada nas páginas escritas por António Telmo: nem arte pela arte, nem arte ao serviço, mas arte com e como serviço. Arte realmente…. real.
Abril e Maio de 2015