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VOZ PASSIVA. 75
25-04-2017 11:56António Telmo: os Números, os Nomes e os Numes
Paulo Jorge Brito e Abreu
«Dividindo bem o Logos – distribuindo-o bem pelas tuas entranhas.»
Empédocles
I
Seguindo e segundo santelmo António Telmo, eis aqui, e eis agora, as «Congeminações de um Neopitagórico», pois a Sabedoria tudo dispôs com número, o peso e a medida, e «Deus geometriza» segundo Platão. Pois cada Nume é um número, e cada número é um nome. Nos abeiramos, em sacral, sagrado esquisso, da Simbologia, da Súmula, da Suma que nos dá o velho Pitágoras. António Telmo ou, então, o Tomé Natanael, António Telmo, na Ágora, o áugure pítico. Que se entregava, de feito, às Artes divinas, ou Divinatórias. E aqui surge, dessarte, a pergunta: qual o escopo, e a escola, deste nosso «Bateleur»??? E em crítica acribia, eis o responso e a resposta: adentro do culto, e Cultura Portuguesa, adunar os Hebraicos ao Livro de Thoth. Quero eu dizer, educar e eduzir: enlaçar a Kabbalah com a Letra de Hermes. Filho de Júpiter e Maia, o deus Hermes, o Mercúrio, o Hermes Trismegisto, o deus que aos homens deu as palavras, as letras, os nomes e os Numes. Pois a serpente mercurial, ela é superna, e superior, ao cifrão comercial. Ela é música, o Museu, e Templo das Musas. Unindo entanto, e ligando, o Céu com a terra; eis o seu mágico, ou ático, laboratório. Queremos assertar: aqui hermética hermenêutica, o iniciático labor e a Cruz tornada espada. Se tudo é uno, portanto, então tudo está em tudo. E a Kabbalah é o sabor, a Kabbalah é o saber que importa desvelar. As Letras actuantes, as Letras activas como o Sol e as estrelas. Pois, na Fonte Cabalina, em Cavaleiros do Amor, foi de acordo com as Letras que o mundo foi criado – e, qual Arauto, e Autor, António Telmo é por isso o fogo-de-santelmo, «Philosophus per Ignem» para as quinas de Alquimia. E se ele é, dessarte, o Filho da Viúva, ele é, outrossim, o Tomé Natanael. Elaborando, e operando, na Arqueologia do Ser. Tomando a Bíblia, sobretudo, como ofício, o exercício das metáforas – e esse o múnus, o Nume, da Palavra perdida, da hermética irmandade dos Amigos da Luz. Fazendo, como vimos, do Poeta um «Bateleur». Pois acrobata, pelotiqueiro ou saltimbanco, é a lâmina prima do Tarot de Marselha. O Iniciado, ou o Mago, aquele que, com a língua, aquele que se dedica aos jogos malabares. Que o Mistagogo, e o Poeta, ele é sempre, ele é sempre, um prestidigitador. Aquele que, no jogo, em ludíbrio da mente, aquele que transmuta a verdade em mentira e a mentira em verdade, o cultor, o místico e mistificador. «Arte Poética», dedicado, formalmente, ao Álvaro Ribeiro, data, portanto, de 1963, e é o «liber» primeiro do nosso Criacionista. Elaborado nas «Sephiroth», na árvore das cifras, ou safiras desse modo – e não remembras, ó ledor, a esfera e o «Sfairos» parmenidiano??? Para bem ser aprendida, e compreendida dessarte, urge bem que esta Lira, já escrita em «Shekinah», seja tomada como estética, e poética, Filosofia. Um pouco como o fazia, professando e proferindo, Agostinho Maldonado, nos anos 70. Imitando o que operava, falante e aflante, o feraz Leão Hebreu, o médico e Filósofo Judah Abravanel. Ou em tópicos e tropos camonianos, adorando o Deus menino por cuja potestade os deuses descem à terra, os homens sobem, selectos, ao Céu. Considerando, por isso mesmo, e siderando, as três mais claras, e preclaras, expressões do Cristismo, em terras de Luso, são o Mosteiro, dessarte, de Santa Maria de Belém, «Os Lusíadas» da Luz e o paládio «São Paulo», do Teixeira de Pascoaes. Bem longe e distante, deveras, da feira de vaidades que é o mundo literário Portugalaico. Pois importa, em «Shekinah», importa, aqui, o proferir: se o bétilo, «Omphalos», se o bétilo, na Pítia, clama por Beth, a «Casa de Deus», ou «Beth-El», se tornou, Cristiana, em «Beth-Lehem», em Belém, ou na «Casa do Pão». Que inicial, iniciática, da palavra «Barukh» ( bendito seja Ele ), a letra «Beth» é o começo de «Bereshith», ou «no princípio», a primeira palavra do Antigo Testamento. Ou especulando, em estupor, e estupefacto: em demanda, ou na questa, de um sófico centro, o ministério mais alto do magistério Portugal, ele é ser, ele é ser, um construtor de Catedrais. Não já no fundo e fundamento, mas em preste Firmamento. Ou dizendo, e eduzindo, por vocábulos outros: em frutífera «Efrata», o antigo, avito nome da cidade «Betel» foi a «Luza», Lusa gente, ou gente lusitana. Sempre aliando, na Casa de Deus, sempre aliando, e ligando, a terra com o Céu. A Maia ao Pater, afinal. De tal modo que assertamos: se a terra é fértil, de facto, e se chove, deveras, ora urge que os Magos já voltem a Belém.
II
Se Lusitânia, por isso, é citânia de Luz, trataremos, aqui, do génio poético do mundo ocidental: não é dessarte, António Telmo, ciência fácil nem fútil. Pois ao falarmos do Tarot, falaremos da Torah – e proferindo nós o naipe, o «naib» ou «naibbe», professamos nós ora o Vidente e o «nabî». Pois consequente à expulsão dos Judeus da antiga Espanha, a diáspora sefardita difundiu, e defendeu, o alado «Liber Mundi». E ora basta e ora bonda. Pois «nomina numina» diremos nós ora: foi nado, António Telmo, em Almeida, a 2 de Maio de 1927. E significa, o nome António, «valoroso» ou «valioso». A abrir sua «persona», corresponde, a letra «A», ao «Aleph» dos patriarcas, e significa, esse «Aleph», o «Touro», o signo precisamente do nosso caro Filósofo. Pois se o chifre do Touro é o crescente lunar, simboliza «Aleph» a Lua em sua prima semana; se Vénus tem, seu domicílio nocturno, no signo taurino, a Lua está nele em altar exaltação. E sabe-se, na Simbologia, que o Touro, ou bovino, representa os deuses celestes nas religiões e nos cultos indo-mediterrânicos. Que o «Taurus» é símbolo da força, e potência criadoras, ele a-presenta, ou re-apresenta, as forças elementares do sexo e do sangue. Pois a partir, na História, do terceiro milénio antes de Cristo, o El era o deus Touro, sob a forma, formal, da estatueta de bronze; fixada na ponta de um Pau ou duma Vara, essa estátua é similar à do feraz Bezerro de Ouro. Ou pra aplicarmos, aqui, a Cabala fonética: o «Stauros» dos gnósticos era a Cruz, dessarte, e o Tau dos Patriarcas. E querendo ir até ao imo da ciência de Pitágoras, a Kabbalah é florescência da Linguagem dos Pássaros. Que o Poeta é a chave, o Poeta é qual a ave que as portas nos abre. Pois seguindo e segundo o nosso Livro de Thoth, nasceu, António Telmo, sob o Touro, cognato, e segundo decanato. Quer isto indicar, indiciar, assinalar: um homem com um cinto, e com uma chave na mão direita, a dignidade, a nobreza, o poder e o domínio. O domínio, a força, afinal, duma Arte Real. Já o «A», de que falámos atrás, significa a independência, a curiosidade e a coragem – e o poder, iniciando, do mandamento e do mando. E na primeira consoante do nome de «António», tipifica, o nosso «N», a imaginação, criatividade, e o cunho inspirador. Que o nascido, alfim, no dia 2, é qual harmónica «persona», ele é sensível, emotivo, e não gosta de discórdias. Fortemente afectuoso, ele ama as Musas, a dança, e o ritmo em geral. Pois importante, e marcante, é o facto seguinte: nos primeiros dias de Maio, concelebra, o povo Luso, a festa das Maias, as Maias promotoras das Artes maiêutas. Se dedica, o mês de Maio, a Vulcano ou Apolo, Apolo consorciado com a Maia mulher. Se o maior é o magno e portanto o maioral, bem magíster, e mágica, é nossa majestade. E qual o magistério??? Se nascer no quinto mês dá origem, lilial, a uma certa instabilidade, 1927, agora, é como segue: 1 + 9 + 2 + 7 = 19 – e 1 + 9 = 10, e 1 + 0 = 1. É o signo da Palingenesia, reencarnação, e da Nova Renascença; ela plasma e ela marca a senectude do Sénior. O Arcano do Sol alumiando, iluminando, o ministério menestrel. Ratificando, inicial, e rectificando, no «Dharma», indicaremos, em Telmo: 2 + 5 = 7: é o número, deveras, das Artes Liberais e dos dias da semana; se isso é sagrado, o secreto e o segredo, é vista aqui, a sabatina, qual a messe e a missão.
Professoral, a missão, dos Poetas maiêutas. E ora sus, avante, e mais ânimo e Alma para a nossa viagem: pois somando, agora, os dígitos, eis a safra, e pois a cifra, do prestidigitador: 2 + 5 + 1 + 9 + 2 + 7 = 26. E 1927 + 7 = 1934; e concluindo, no conto, 1 + 9 + 3 + 4 = 17, o Arcano e arcaico da estética Estrela. Quer num, quer noutro caso, para o Filósofo António Telmo, o 8 é dessarte o Caminho da Vida, é pois o Karma, de facto. Ou cotejando aqui a causa com António de Macedo: foi nado e nascido, o homónimo do Telmo, a 05/ 07/ 1931: e 1931 + 5 + 7 = 1931 + 12 = 1943: e 1 + 9 + 4 + 3 = 17; e, como sói aqui dizer-se, voam juntas e conjuntas, as aves, liliais, da mesma plumagem. Para António Telmo Carvalho Vitorino, o 8 é portanto o número do Destino – e é a Força da Justiça, e a Estrela está com ele em correlação. Simboliza, a lemniscata, a Rosa dos Ventos e a liderança, a Autoridade, do Autor, e o poder material. São as provas, desafios e a transmutação – e a verve da Kabbalah, e a Caaba como símbolo da Pedra e do Cubo. Mas característica, e carácter, da estética Estrela, é o prospectivismo, professor, e o espírito visionário. O imaginal, dos magistas, a «imago» aplicada à poética razão. Pois liberta, ou liberada, dos instintos e pulsões, realiza-se, a Estrela, no estésico da Esperança e no Fogo do Espírito. Por a Poesia, afinal, como a cura, visionada, e o estado de Graça. E sendo vista, a Psicologia, como a fala da Alma e a Fonte Cabalina – e eis a Luz e a Lira, eis a «lectio», lição, do Álvaro Ribeiro.
Por limitações, na lida, de espaço, terminaremos ora. Não sem antes indicarmos, sinaleiro, e assinalarmos: o número pessoal, ou da Personalidade, de António Telmo Carvalho Vitorino, ele é, dessarte, o 22 – ele em nova, numinosa, é chamado Número Mestre. Significativa, apelativa, oblativa coincidência: é o Número do Destino de Signund Freud, o frutuoso; do Destino é o Nume, em vida sana, de António Manuel Couto Viana. É o Caminho de Vida, outrossim, de Annie Besant, a Teósofa. É o Caminho, preclaro, de Pierre Janet – e é o Karma, na via, de George Agostinho Baptista da Silva. Para Mário Máximo, outrossim, 19 + 9 + 1956 = 1984, e 1 + 9 + 8 + 4 = 22. São 22 os capítulos do feraz Apocalipse, 22 as letras do alfabeto hebraico – e 22, argonautas, e em conteúdo, os Arcanos Maiores do Livro do Mundo. Eis a cifra, em «Sephiroth», do grande apostolado, do Génio, engenhoso, e Construtor de Catedrais. Que ele é «Nabî», o Visionário, e labora, liberal, para toda a Humanidade. Por isso aduziremos, mensurando a mente nossa: vamos todos, com Telmo, até ao novo Tabernáculo. Ou vamos ora, simplesmente, aprender a dançar.
Queluz, 05/ 02/ 2014 – Queluz, 17/ 04/ 2017
UNIVERSO TÉLMICO. 53
19-04-2017 12:08Saudável indignação
(para que o sagrado, o silêncio e o amor permaneçam no coração)
Risoleta C. Pinto Pedro
Se com alguma facilidade olho como ridículas, acções de que eventualmente eu possa ser o alvo, mais difícil me é o estado de ataraxia se se trata de um amigo. Mais ainda se se trata de um amigo com a qualidade ética, humana, pedagógica, criativa e intelectual de António Cândido Franco. Pensei bastante sobre isto nesta Páscoa e percebi porquê: é que se posso examinar o meu estado interior e tranquilizar-me a mim mesma em relação a mim própria, mas difícil me é saber em que estado se encontra o amigo, ainda que diga e manifeste que está bem. Se o meu coração ficar em paz com a confissão, também eu mudo de agulha e esqueço o facto, mas se não for o caso, algo se impõe, algo tem de ser feito. Frequentemente confundimos paz com o silêncio que se faz quando metemos a cabeça na areia. Na verdade, dentro do coração o som de metais a embaterem uns nos outros é ensurdecedor. Por outro lado, é possível denunciar uma ignomínia no meio de uma amável brisa interior, fresca, sorridente e pacífica. Nem sempre a imobilidade ou a aparente paz exterior tem correspondência no interior e vice-versa. Assim, deixei-me recentemente de preconceitos em relação a conflitos, polémicas e tempestades cerebrais e atirei-me de cabeça, com o coração em paz, na defesa de um amigo. Não estive sozinha, mas poderia ter estado, contudo outra voz se fez ouvir, seguiu-se um manifesto conjunto que vem sendo subscrito por muitos outros e outras vozes individuais e colectivas se têm vindo a fazer ouvir, como uma maré tranquila, mas determinada. Nunca temos a razão toda, mas tenho de reconhecer que em determinados momentos temos 99,9%. Deixo um por cento de fora para o elemento mistério que sempre nos ultrapassa.
Que fazer, quando um amigo que se aproxima espantosamente do mais elevado ideal de ética que podemos conceber e ainda por cima é talentoso e competente, que fazer quando a sua obra, que nós até conhecemos, porque a lemos e estudámos, é pública e repetidamente arrasada da forma mais inqualificável por quem não percebe nada do assunto? Poderíamos ter ficado calados? Sim, mas não era a mesma coisa. Os 25 de Abril fazem-se por alguma razão. Se assim não fosse, tínhamos ficado todos quietos perante as injustiças de um regime. Os “pequeninos” regimes injustos dentro dos grandes regimes não terminam com as revoluções. É preciso prosseguir as campanhas educativas, chamar os bois pelos nomes, salvo seja, e dizer que o rei vai nu.
É claro que apreciando e adoptando o nobre princípio paz aos homens, guerra às ideias, é preciso não esquecer que as ideias são veiculadas pelos homens e algumas são mentirosas, cruéis e indignas. Ficar em silêncio é concordar tacitamente.
Veio-me parar às mãos, recentemente, uma carta de Antero e, como sempre que o leio, fiquei cheia de saudável inveja. Se eu tivesse o talento dele, e estou a pensar na carta que escreveu ao Ministro que mandou encerrar a sala das Conferências Democráticas tal como alguns, se pudessem, mandariam retirar das prateleiras das livrarias a magnífica biografia que António Cândido Franco fez de Agostinho, e sabe-se lá com que inquietante nostalgia de antigas fogueiras, não o podendo fazer, limitando-se a desrecomendar e anatematizar a sua leitura, se eu tivesse o talento de Antero, repito, teria escrito algo assim ou parecido:
«Vou ser descaridoso com V.Exª, porque V.Exª deixou de merecer a minha caridade.
Dirigindo-me a V.Exª, dirijo-me sobretudo ao público: por isso escrevo pela imprensa. Particularmente não lhe escreveria, porque me prezo de não ter correspondentes senão pessoas inteligentes, pouco condecoradas, e de provada ortodoxia em gramática portuguesa. V.Exª não está neste caso. Além disso, a questão não é pessoal.
Para mim o marquês d`Ávila é apenas mais um titular: isto é, uma coisa hirta que passa, e que dois merceeiros mostram um ao outro. Já vê V. Exª que era impossível incomodar-me, e menos ainda ofender-me.
A questão é com um ministro, cujo nome me é indiferente, é com a opinião pública, que tem de julgar os actos desse ministro.»
Não o sabendo fazer com este talento, fi-lo do modo como sei:
https://aluzdascasas.blogspot.pt/2017/04/a-proposito-de-um-artigo-no-observador.html
Depois participei e subscrevi um manifesto a que se têm juntado almas honestas, indignadas e perplexas. Era sexta-feira santa, uma verdadeira Quaresma:
https://www.antonio-telmo-vida-e-obra.pt/news/manifesto-de-desagravo-a-antonio-candido-franco/
Quaresma que, alquimicamente, à medida que as assinaturas se foram juntando, se foi transformando em Páscoa.
Estamos quase no 25 de Abril. Não acredito que consigamos, com a mesma facilidade, libertar a obra de Agostinho da Silva das amarras em que a mantêm presa, mas os corações estão mais leves por António Cândido Franco.
Uma coisa de cada vez.
Por uma questão de higiene intelectual, não divulgarei, neste texto, o artigo da perfídia que deu origem a isto tudo, quem quiser conhecê-lo facilmente o encontrará na Internet, mas permitam-me que me faça acompanhar, mais uma vez, por um mestre. Assim poderia ter iniciado o meu desabafo, só não o fiz porque não me chamo Antero de Quental:
«Exmº Sr: Pego na pena, mais pesaroso do que irritado. As misérias morais de qualquer homem contristam-me, porque vejo nelas o abaixamento da alma humana, que devia pairar serena e sem mácula. As misérias morais dos homens, que pela posição, pela autoridade, pelos anos, têm missão de dar exemplo da justiça incorruptível, e ser como apóstolos entre nações, essas compungem-me dobradamente, porque vejo nelas a degradação duma coisa augusta, a lei»
E não resisto a continuar:
«V.Exª não só julgou sem processo, como também condenou: porque impedir-nos de falar é já uma condenação. E é uma condenação maior ainda atrair sobre as nossas cabeças, apontando-nos à indignação do país, como inimigos da ordem e das crenças públicas, a reprovação universal. Fazer isso, contra homens indefesos, com todo o peso da autoridade, do lugar, da reputação, é além de tudo cobarde.»
Assim, é com este sabor a Antero que prossigo:
«Ah, sr. marquês! Em presença de certos factos (e este é um deles) sinto uma melancolia profunda invadir-me, envolver-me a alma! É assim que, no momento mais solene do século XIX, e num dos momentos mais críticos da nossa história, com os perigos visíveis e invisíveis que correm sobre nós de todos os lados do horizonte, é assim que homens escarnecidos na arte, tão cheia de lições e experiência, de governar os outros homens, dão ao mundo o espetáculo de incapacidade, da intolerância, e da mais assustadora ignorância das verdadeiras questões do nosso tempo?!
São estas as lições com que educam o sentimento público, a opinião? É assim que preparam o futuro? Aonde vamos nós por este caminho? Ao absolutismo? Não, que não tem força para tanto. Vamos à mais repugnante das dissoluções sociais, à dissolução dos princípios, a gangrena dos espíritos, a morte moral!
O assunto é sério e triste. Já não me posso rir, e a indignação cedeu inteiramente à melancolia que inspira o destino provável de uma nação, que os seus salvadores se esforçam cada vez mais por condenar irremissivelmente! Já não me posso rir, sr. Marquês, apesar de continuar a vê-lo: é que por detrás de V.Exª, em redor de V.Exª, dentro de V.Exª, vejo eu uma coisa bem pouco para riso: um mundo que apodrece!»
Ao fim de uma eternidade a fingir-se de morta (o que não lhe será difícil…), a dita Associação que usa o nome de Agostinho vem, timidamente, aflorar um desesclarecimento. Que apenas convence quem se deixaria convencer até com um texto escrito numa língua que não existisse como a língua dos “pp” que usávamos em crianças, ou é intelectualmente tão míope que não vê mais do que um centímetro à frente do nariz. Demasiado tempo, para tão tardio, dúbio e débil auto-desculpar.
Como muito bem diz Antero, esse cuja estátua, como acabei de saber por uma amiga, tal como a obra de Agostinho, tem sido maltratada e mutilada, «a questão não é pessoal». Mas é ética, pública e nacional.
Apetece citar Sebastião da Gama, não poupando os críticos: «Deixem-me sossegado a fazer versos/ […] uma coisa melhor que todas as suas pretensões/todas as suas ciências, todas as suas opiniões,/ e que mais belos do que eles só uma flor encarnada a nascer em cima de um telhado/ sem se importar de saber se olham para ela ou não…».
Sebastião da Gama, de quem afirma o seu amigo David Mourão-Ferreira:
««… não se julgue que havia, no comportamento de Sebastião da Gama, o quer que fosse de rígido ou empertigado: nem ascética austeridade nem teológica sobranceria. Em tudo, pelo contrário, manifestava ele uma bonomia contagiante que mais dava a impressão, a quem o visse pela primeira vez, de um Santo António de nicho popular. E a imagem não era de todo inexacta, porque existia, na sua alma, um fundo do mais puro franciscanismo. Quem, no entanto, a essa imagem o reduzisse ficaria privado de conhecer os tesouros de sensibilidade estética, de argúcia crítica, de inteligência e de bom gosto e que o seu espírito guardava, em secreta e inconsciente rivalidade com os tesouros que a alma não conseguia esconder.»
Dele dizia Hernâni Cidade: «É que naquela alma, perfeita em sua inteireza e unidade, não havia deveres profissionais ou virtudes de circunstância: tudo era vivido em profundidade ou altura em que excluem qualquer forma de superficialidade».
Faço minhas, em relação a António Cândido Franco, as palavras de Hernâni Cidade e David Mourão-Ferreira. Que incomensurável diferença face aos seus caluniadores!
Face a esta verdade que é o seu Ser, não há esclarecimentos que resistam.
UNIVERSO TÉLMICO. 52
19-04-2017 12:00A explicação que nada explica e a Associação da furgoneta
Pedro Martins
Tardiamente, com jeito atrabiliário e modo tímido, a Direcção da AAS veio agora apresentar, na sua página oficial no facebook, uma explicação – que, na verdade, nada explica mas algo esclarece – com respeito à partilha e promoção do artigo de Paulo Trigo Pereira (PTP) naquela página oficial, os quais, artigo e promoção, manifestariam apenas a iniciativa e a posição pessoal de PTP, pois na Direcção da AAS existiriam perspectivas plurais sobre a referida biografia.
De tudo isto, que é poucochinho, retiram-se, essencialmente, duas conclusões:
1 - A Direcção da AAS foi desautorizada intelectualmente pelo Presidente do órgão representativo do plenário dos sócios, economista e político a quem ninguém reconhece qualquer autoridade intelectual (ter autoridade é ser autor) no tocante a Agostinho da Silva.
2 – Não obstante, a assim desautorizada Direcção franqueou a PTP a página oficial da AAS para que este, forçosamente em nome desta mesma Associação à míngua de uma ressalva, exprimisse um ponto de vista meramente pessoal, que precisamente a desautorizava e agravava um dedicado e generoso consócio.
Acompanha agora a Direcção da AAS esta sua tíbia explicação da publicação da resposta que em tempos foi dada por António Cândido Franco a António Araújo. Fá-lo, segundo proclama, em nome de uma «saudável pluralidade, conforme ao espírito de Agostinho».
Essa «saudável pluralidade» pode ser aferida pelos mais recentes processos eleitorais da AAS, conforme se verifica pelo seu boletim oficial, Folhas à Solta. A prática tem sido esta: 1) o Presidente da Assembleia Geral convoca formalmente eleições; 2) o dito boletim, escassos dias depois, ao mesmo tempo que publica e divulga a convocatória eleitoral, publica e divulga a «lista proposta» (2015) ou a «lista candidata» (2017), as quais, com ligeiríssimas nuances, replicam nominalmente a composição dos órgãos sociais cessantes. No acto eleitoral mais recente, a «lista candidata» para o biénio 2017-2018 foi anunciada urbi et orbi em 17 de Março, apenas três dias depois da data (14 de Março) aposta na convocatória pelo Presidente da Assembleia Geral, e ao mesmíssimo tempo em que esta era publicitada perante os sócios por via electrónica. Não terá previsto a Direcção da AAS a possibilidade de outros sócios pretenderem apresentar uma lista alternativa? E não terá previsto que, se isso sucedesse, a lista da Direcção cessante levava já uma considerável vantagem sobre a lista que eventualmente surgisse em segundo lugar?
Não quero, porém, nem por um momento, duvidar da saudável pluralidade da AAS. E, por isso mesmo, serei antes forçado a concluir que à AAS não lhe restam já sócios suficientes para a formação de uma segunda lista, que concorra em alternativa a um acto eleitoral interno. A menos que os Estatutos, que desconheço, consagrem nesta matéria a figura do plebiscito.
Já tivemos o partido do táxi. Lamentavelmente, teremos agora a Associação da furgoneta.
UNIVERSO TÉLMICO. 51
12-04-2017 00:00Amor e maus-tratos, O estranhíssimo paradoxo
Risoleta C. Pinto Pedro
(A propósito de um artigo do senhor Paulo Trigo Pereira)
Dizem alguns psicólogos, no que ao relacionamento amoroso se refere, que ignorar o outro é uma das mais eficazes formas de maltratar.
Escreve o senhor Paulo Trigo Pereira um lamento sobre o estado em que se encontra a vida amorosa de Agostinho com o poder instituído em Portugal. Ou vice-versa... digo eu.
Pelo caminho faz referência a uma biografia que afirma «falhada».
Nem um nem outro assunto são novos.
O Projecto António Telmo. Vida e Obra (PAT.VO) e o Gabinete de Estudos Agostinho da Silva (GEAS) que não devem ser confundidos com a Associação que usa o nome de Agostinho e a que o senhor Paulo Trigo está ligado, lamentando, repito, o referido GEAS, mas de forma activa, não propriamente o estado em que se encontra o amor das instituições por Agostinho, mas o ocultamento em que se encontra a sua obra, o que inviabiliza dramaticamente a comunicação amorosa com todos aqueles para quem escreveu, tem levado a cabo uma série de iniciativas (publicações, colóquio, conferências… a continuar...) fazendo a parte que, institucionalmente não lhe cabendo, acaba por substituir-se a quem, institucionalmente lhe cabendo, não o faz. Quanto a isto, estamos conversados. Uns escrevem lamentos, outros operam, assim contribuindo todos para o equilíbrio no mundo. Agostinho teria achado perfeito.
Quanto à tal «falhada» biografia de Agostinho, como por enquanto só existe uma, apenas poderia o senhor Paulo Trigo estar a referir-se ao magnífico e belíssimo trabalho de António Cândido Franco, O Estranhíssimo Colosso. Aqui temos um paradoxo.
Sabemos que o livro tem setecentas e tal páginas, apesar de tudo recomendamos a sua leitura. Não por ser um livro perfeito (haverá algum?), mas para cada um poder avaliar por si, sem ficar sujeito àquilo que os outros decidem dizer. Agostinho teria gostado igualmente disto. Também por ser um interessante modo de actualizar criativamente o cânone de Agostinho no que se refere às biografias. Com um sorriso ora irónico, ora triste, mas sempre amoroso, apaixonado pelos factos e pela humanidade e grandiosidade do seu biografado, assim escreve António Cândido Franco, tal como Agostinho escreveu as suas biografias. No caso do seu biógrafo, em versão macro, como não poderia deixar de ser, por se tratar de um Colosso. O livro é grandinho e não alberga banalidades. Não alimenta vícios.
É um livro colossal em todas as suas dimensões.
Tal como escrevi na altura, quando fiz a recensão do livro de António Cândido, recensão posteriormente publicada no meu livro A Literatura de Agostinho da Silva, essa alegre inquietação (publicado pela Zéfiro, na colecção Nova águia, em 2016 e lançado durante o Colóquio do GEAS dedicado à sua literatura, o terceiro livro de uma série recente dedicada ao nosso escritor filósofo):
«Um estilo pessoalíssimo, um ‘dolce stil novo’ que, se não se inspira, é certamente inspirado pelo biografado na sua faceta de biógrafo.
Vejamos:
‘Sem pudor, que era escusado, pegava de conversa com o seu escolhido e ia com ele de passeio, a céu aberto, […] de modo que o leitor pudesse seguir a sua presença. Dito doutro modo: a biografia era o modo de dizer que Montaigne estava vivo e respirava.’
Refere-se este trecho a Agostinho biógrafo. Mas se experimentarmos substituir os tempos verbais pelo presente e ‘Montaigne’ por ‘Agostinho’ não há aqui nada que não se ajuste ao biógrafo António Cândido. Na biografia, Agostinho está vivo e respira, neste passeio a céu aberto com António Cândido.
E aqui temos o que poderíamos designar como uma Arte Poética aplicada à biografia, de que ambos comungam. Fazer biografia é restituir o sujeito à vida, para o leitor. Um trabalho… colossal! E, provou-se … possível!»
Mais à frente:
«Um biógrafo apaixonado pelo biografado (não seria possível escrever uma biografia assim sem essa condição…): ‘O meu doido’, de onde extravasa todo o amor, ternura e admiração que cabem num coração.
Agostinho, lendo esta biografia, teria posto de lado a admiração, como a carne que não comia, mas não teria sido insensível ao amor, ele que toda a vida o respirou e recriou. Nem ao humor. Acima de tudo ter-se-ia divertido com a sua própria imagem, com o riso refletido dela, ele que nunca se levou demasiado a sério.»
Escrevi também:
«Não consigo imaginar alguém lendo este livro a espernear. Embora já tenha havido quem o fizesse. Deve ser um enorme sofrimento. Como se nos pusessem à frente a melhor e mais divina das iguarias, mas por razões obscuras não pudéssemos mostrar o nosso prazer e fôssemos obrigados a deliciar-nos, mas ao mesmo tempo fazendo caretas e contorcendo-nos obscenamente de agonia a fingir que não gostamos. Deve ser doloroso. Mas é possível, porque já aconteceu. Mistérios. Ou talvez não.
Não vou esmiuçar, o ambiente está perfumado de Agostinho e seu biógrafo, não quero estragá-lo, mas quem tiver curiosidade sobre a explicação para um ou outro feroz ataque com que o livro foi recebido, explicações não faltam. Bastariam [certas] páginas [...] para, numa certa óptica, ajudar a compreender acicate tão cerrado a esta biografia. Que aliás, não é ela, a biografia, que incomoda, mas flashes de biografias outras que, em nome da verdade, aqui aparecem. Como diria o Garrett das Viagens¸ ele poderia descrever a estalagem desta ou daquela maneira, ao gosto da época, dos leitores, dos críticos, o problema é que nada disso lá estava…»
Para se escrever e falar sobre a obra de Agostinho não chega ter-lhe apertado a mão. Para se escrever sobre o livro de António Cândido Franco não é suficiente ter-lhe folheado as páginas.
É preciso ler um e outro. Ler leva tempo, é certo. São escolhas que se fazem.
Quanto a Agostinho, há que divulgá-lo. Por isso alertei também, noutra parte do referido livro, para a moda das citações a que se vem resumindo, tão injustamente, a divulgação do seu pensamento e da sua obra:
«deste culto superficial das citações mastigadas, digeridas, cheias da moleza do prêt-à-porter, de um Espírito Santo liofilizado de pacotilha que não celebra a santidade do Espírito na santidade do corpo, de meia dúzia de expressões memorizadas e mecanicamente expandidas até à auto-extinção pela fuga da alma.
Tenhamos a esperança, que ele nos deixa, de que este veneno da simplificação, este macaqueio obsceno a que corajosamente se expôs, não nos faça mal e não o mate. Na vida, como na morte.»
Um dos venenos foram as referidas entrevistas televisivas, de que viria a arrepender-se. Compreende-se.
"Há um outro Agostinho da Silva", afirma o senhor Paulo Trigo.
De acordo. Só que neste momento está escondido nas bibliotecas particulares e alfarrabistas.
"E há outras leituras", acrescenta o senhor Paulo Trigo.
Pois há. Mas para isso precisamos dos livros. Que estão esgotados há anos, que não são reeditados. E os manuscritos, tantos deles transcritos em labor, esse sim, de amor, por que razão não podem ser publicados, divulgados? Talvez o senhor, pela sua ligação à Associação, possa esclarecer-nos. Quer?
Este é o verdadeiro paradoxo actual de Agostinho. Venham os livros. O amor virá naturalmente, por atracção. Com ou sem "inteligentzia nacional", com ou sem "instituições públicas". Uma designação muito vaga que mais oculta do que revela. O que se compreende. Quem quiser pensar um pouco. Atravessando superficialidades e paradoxos.
11-04-2017
UNIVERSO TÉLMICO. 50
11-04-2017 21:24A estranhíssima Associação: Reflexão à margem de um artigo do deputado Paulo Trigo Pereira
Pedro Martins
Em tom lamentoso, o senhor deputado à Assembleia da República, Dr. Paulo Trigo Pereira, que, por acaso, é também o Presidente da Assembleia Geral da Associação Agostinho da Silva, vem, em artigo publicado hoje no Observador, interrogar-se como é possível que Agostinho esteja actualmente tão mal tratado em Portugal, pelo poder instituído e instalado. Cito a parte final do seu texto:
«5. O paradoxo de Agostinho hoje, é que ele é simultaneamente amado e mal-tratado. Amado e querido por muitos dos que o leram, que viram as suas entrevistas televisivas, que privaram com ele e foram amigos dele. Mal-tratado, quer por parte de certa “inteligentzia nacional” (a que já estamos habituados), mas sobretudo pelas instituições públicas. A entrada sobre Agostinho da Silva no “Camões – Instituto da Cooperação e da Língua” é desequilibrada (há apenas um lado de Agostinho na mente do autor). Não tem as referências bibliográficas de Agostinho, nem as obras de referência sobre ele que têm vindo a sereditadas sobretudo pela Associação Agostinho da Silva (AAS). O espólio, sobretudo literário, de Agostinho está ainda em condições precárias de sustentabilidade física futura. Deveria ser assumido com a brevidade possível pela Biblioteca Nacional em condições de acessibilidade para estudiosos e interessados. Ainda há pouco tempo, o Museu de Marinha retirou, sem nenhuma informação para herdeiros ou a AAS, um pequeno mas nobre memorial a Agostinho com parte do seu espólio. Não existe, que eu saiba, nenhuma instituição pública (nacional, regional ou municipal) onde seja possível tomar contacto com a vastidão da vida e obra deste personagem maior da cultura portuguesa. Urge cuidar do seu património, em Portugal e no Brasil. Saibamos nós, seus familiares amigos ou admiradores, ajudar a corrigir estas injustiças.»
Não posso deixar de estranhar as afirmações do senhor deputado. Quais são «as obras de referência sobre ele [Agostinho] que têm vindo a ser editadas sobretudo pela Associação Agostinho da Silva (AAS)» a que se refere? Aqui exorto o senhor deputado a apresentar um título de bibliografia passiva agostiniana que na última década tenha saído a lume com a chancela da AAS, ou com o apoio desta.
Há, é certo, a biografia de Agostinho da Silva que António Cândido Franco publicou em 2015, com algum apoio da AAS, que sobretudo se mostrou muito empenhada em promover sessões públicas de lançamento da obra, mas a essa mesma biografia considera-a o senhor deputado «uma larga “biografia falhada” (de não recomendável leitura)». Tendo em conta o cargo que o senhor deputado vem mantendo nos órgãos sociais da AAS, e que já em 2015, quando O Estranhíssimo Colosso – Uma Biografia de Agostinho da Silva saiu a lume, detinha, e tendo ainda em conta que António Cândido Franco será, ao que sabemos, dedicado sócio daquela associação, não se poderá deixar de estranhar a oportunidade e a adequação desta afirmação. Mas quanto ao funcionamento institucional da dita associação, do qual, de resto, talvez o senhor deputado esteja longe de estar inteiramente ciente, já nada verdadeiramente poderá surpreender.
Já agora, poderá o senhor deputado explicar por que não há vislumbre de actas do colóquio agostiniano que em Fevereiro de 2016 se realizou na Faculdade de Letras de Lisboa com o apoio da AAS? Por que não se disponibilizam, pelo menos, os vídeos desse colóquio, que teve emissão em live streaming?
Quem ler o escrito de senhor deputado Paulo Trigo Pereira, pode ser levado a pensar que continuamos hoje a assistir a um pujante, ou pelo menos efectivo, movimento editorial tendo por objecto a obra agostiniana. Não é assim. A verdade é que há onze – onze!!! – anos não é publicado, seja a que título for, mormente no âmbito da actividade da AAS, qualquer livro de Agostinho da Silva, com excepção das Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo e de Agostinho da Silva – A Última Entrevista de Imprensa, ambos com os selos do Projecto António Telmo. Vida e Obra e do GEAS – Gabinete de Estudos Agostinho da Silva. Conhece, senhor deputado?
O assunto é deveras misterioso, tendo em conta a legião de admiradores que Agostinho concita, mas não parece que se tenha alguma vez cruzado com a curiosidade do senhor deputado.
Já que o senhor deputado fala no espólio do filósofo, será capaz de nos explicar por que não vêm a lume quaisquer inéditos de Agostinho? Por que parou, de todo, o trabalho de investigação que sobre esse espólio vinha sendo feito no seio da AAS até há alguns anos? E estará realmente o senhor deputado em condições de explicar o que na verdade se passa com o espólio de Agostinho? Sabendo-se que, há dois anos, a Assembleia Geral da AAS decidiu entregá-lo à BNP, conviria que o senhor deputado esclarecesse quem está em falta: se a AAS, se a BNP. E porquê. Os cidadãos agradeceriam.
Diz o senhor deputado que os poderes públicos não querem saber de Agostinho. Quem cedeu à AAS a sua actual sede, numa zona histórica e central de Lisboa? Uma autarquia local. O protocolo, esse, é do conhecimento público. Estranho é que, nestas condições, seja uma outra autarquia, noutro distrito, a dezenas de quilómetros de distância, a principal destinatária da escassa actividade pública que a AAS ainda desenvolve.
Louvavelmente, o senhor deputado pôs a fasquia muito alta, como Agostinho aliás merece. Erigiu-o à condição de problema nacional. Talvez devesse, por isso, começar por olhar para a sua própria casa – aquela que tem Agostinho por patrono – e explicar ao país o que por esta tem, ou não, sido feito em prol da posteridade agostiniana. Estou em crer que isso conferiria legitimidade acrescida às suas reivindicações. Receio, todavia, que lhe seja difícil explicar a decadência. Aí, porém, importará lembrar que foi o senhor deputado que começou esta conversa.
DOS LIVROS. 57
09-04-2017 12:35Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões
«Os Portugueses somos do Ocidente.
Imos buscando as terras do Oriente.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8
3
Já o disse uma vez e volto a dizê-lo para que eu próprio me ouça e não me deixe estar adormecido: se desaparecesse a Lua do Céu e o mundo continuasse a correr pelo mês adiante, muito poucos dariam por isso, sobretudo entre os habitantes das cidades. Por igual razão, (que o leitor não necessita, espero-o, que lhe digam qual) o Oriente e o Ocidente, o Norte e o Sul, enquanto pontos cardeais, são apenas meros pontos de referência quando se vai por exemplo de viagem até ao Porto, não ao Porto Oculto de Sampaio Bruno; deixaram de ser sentidos como forças viventes ou como grandes significados, coisa que a língua não esquece ao conotar direcção e sentido, sentido e significação. Mas esquecemo-nos nós, apesar de sabermos como os selvagens e por instinto qual é a nossa mão esquerda e qual é a nossa mão direita. Dizer que o mundo, com sua terra, seu céu e suas estrelas e no meio sua atmosfera, pode obedecer a uma ideia que seja como aquele instinto, tendo de si uma percepção análoga à que temos do nosso próprio corpo com esquerda e direita, costas e rosto, significará mais do que uma simples metáfora poética. O citadino ignorante de que há uma lua no céu, com que a natureza julgou talvez poder dispensar a electricidade, verá nessa metáfora um falso raciocínio próprio da fase mitológica da humanidade, pois para ele, na verdade, as direcções do espaço são apenas o resultado de uma construção mental imaginária, cómoda para o indivíduo, que, onde quer que se encontre, ocupa idealmente o centro do Universo. Por isso mesmo, podemos prescindir desses pontos de referência, se os substituirmos por outros ou por nenhuns no grande mar tumultuoso das cidades.
António Telmo
(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)
DOS LIVROS. 56
01-04-2017 14:47Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões
«Os Portugueses somos do Ocidente.
Imos buscando as terras do Oriente.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8
2
A ilha é como um ponto na imensidade do Oceano.
Para lá ou para cá da identidade da Ilha dos Amores, imaginada por Camões, com a paisagem de Xvarnah, imaginada pelos persas, não é difícil, sem deixar de ser surpreendente como algo que nos colhe do íntimo, observar que os três outeiros que se levantam na Ilha, a corrente que desce do alto e o lago onde vogam os cisnes estão de acordo com outra, análoga, forma de imaginar, esta hebraica, que é a da árvore das sephiras. As três colunas correspondendo aos três outeiros; o lago aparecendo como Malcuth onde se recebem e guardam as energias sagradas que vêm do alto.
António Telmo
(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)
CORRESPONDÊNCIA. 41
21-03-2017 09:28ANTÓNIO QUADROS, 24 ANOS DEPOIS
Comemora-se hoje o vigésimo quarto aniversário da partida de António Quadros, inseparável amigo e condiscípulo de António Telmo no magistério filosofal de Álvaro Ribeiro e José Marinho. Assinalamos a efeméride com a publicação de uma carta do autor de Portugal, Razão e Mistério para Telmo, motivada pela leitura, então muito recente, da História Secreta de Portugal, o célebre livro télmico que no ano em curso completa quarenta anos de publicação.
22.6.77
Meu caro António Telmo:
Como deve calcular, li o seu livro com entusiasmo. É uma obra antes de mais nada corajosa, susceptível de abrir perspectivas a muitas pessoas que de nada “suspeitavam”. Você foi, como costuma dizer-se, para a cabeça do touro, abordando de frente e coerentemente, toda uma problemática oculta, mas sem a consideração da qual é de facto impossível começar a compreender satisfatoriamente a nossa história.
A sua maior vantagem é aliar conhecimentos esotéricos a uma reflexão filosófica sempre de qualidade, quer na fundamentação, quer no raciocínio.
Há no seu livro intuições e análises magníficas, em especial as questões relacionadas com as ordens do Templo e de Cristo, com os Jerónimos, Boitaca – sendo de realçar a sua “descoberta” da referência simbólica, nos Jerónimos, à iniciação de Nicolau Coelho, bem como a conotação estabelecida com Camões.
Ficamos a dever-lhe, pois, algumas contribuições essenciais para o conhecimento do Portugal profundo e do projecto ou dos projectos que assumiu, viabilizou e acabou por frustrar.
Pessoalmente, o seu livro suscitou-me interrogações e até o que diria serem objecções, não fosse admitir, por um lado a superficialidade da minha 1.ª leitura, e por outro lado, o escopo das suas intenções (não-histórico).
Por exemplo: a sua “História…” parece-me demasiadamente limitada no tempo; e antes do século 16? e antes da Ordem de Cristo? E antes da fundação da nacionalidade? É que há talvez (decerto) história secreta, com a civilização dolménica, com Tartessos e Creta, com os lusitanos, celtas e visigodos (os godos sábios), com a aliança dos príncipes borgonheses com a Ordem de Cister e a do Templo (S. Bernardo, confrarias de pedreiros, etc.)…
Parece-me que você também silencia em excesso as questões do Culto do Espírito Santo, dos “espirituais”, de Joaquim de Flora e dos Franciscanos portugueses, de D. Dinis e D. Isabel de Aragão, da transformação do Templo na de Cristo – e em especial nos problemas de interpretação iconográfica dos símbolos de Tomar; a Teodomar dos visigodos é um centro marcado e note a importância do triângulo Tomar – Santarém – Batalha / Alcobaça, dentro do qual se situa Fátima.
A sua divisão da história portuguesa em ciclo dos Reis, do Clero e do Povo – que é sem dúvida muito fecunda, ganharia a meu ver (até sob os pontos de vista que você defende) em ser enriquecida com um outro ciclo – Templários / Ordem de Cristo, qualitativamente diferente dos restantes; seria balizado por D. Dinis e D. Manuel, tendo como coordenadas principais o templarismo e o paracletismo. Antes 4, pois, do que 3 ciclos.
Não sei se concorde com a sua data-limite de 1513, para além da qual o projecto manuelino teria mudado de rumo; algumas das referências em que você se baseia não me parecem muito sólidas: assim, por exemplo, o Convento e Igreja de Belém foi doado aos Frades Jerónimos antes do início da construção – e é muito curioso observar que, em troca, o Rei ofereceu à Ordem de Cristo um edifício de Lisboa que tinha antigamente pertencido aos Templários… Por outro lado as razões para retirar Boitaca dos Jerónimos não têm a meu ver relação com qualquer decisão de tipo secreto, já que ele continuou a trabalhar no mesmo sentido noutros lugares. E… tem você a certeza de que as Capelas Imperfeitas foram interrompidas antes da morte de D. Manuel? Tenho de estudar o assunto, mas julgo que foi na verdade a morte do Rei que as interrompeu.
A sua indicação sobre o papel secreto de Boitaca, como um iniciado, parece-me no entanto uma descoberta importantíssima. O enigma da sua nacionalidade ainda se mantém; mas, sendo o iniciador da arquitectura manuelina, com a Igreja de Jesus em Setúbal, pode ter sido o pontífice de dois caminhos: o do passado cisterciense-templário, e o do novo mundo português-imperial e templário renovado. O seu estudo ficaria mais completo se você tivesse podido descobrir alguma coisa sobre Diogo de Arruda, a quem, afinal de contas, foi confiada arquitectura não menos importante do que a de Belém: a transformação da Charola de Tomar, a sua abertura para a nova Casa do Capítulo, e as famosas Janelas.
Agradeço a referência à “Estética Existencial”; no entanto, retomo o assunto de um ângulo mais profundo em “O Movimento do Homem”, apontando os Jerónimos como o novo Templo de Salomão, o Templo Universal, situado em Belém, sob a estrada ou a estrela condutora desta vez para o Ocidente e tendo como orago os Magos.
Outro ponto que seria fecundo considerar, seriam as relações, até arquitectónicas, entre o Manuelino do sec. 16 e o nosso Barroco dos séculos 17 e 18, pois há tão fundas relações entre eles, como há entre o sebastianismo projectual de Camões e o sebastianismo mitológico de A. Vieira.
Temo estar a ser insuportavelmente pedante, mas espero que não me leve a mal. É que o seu livro avivou uma das minhas preocupações mais constantes e antigas, fazendo emergir um tropel de ideias e reflexões. Vou relê-lo com redobrada atenção e talvez descubra que tem uma unidade não compatível com as minhas divagações!
Também li e apreciei, os seus artigos em “Escola Formal”.
Até qualquer dia,
Seu velho amigo,
António Quadros
DOS LIVROS. 55
19-03-2017 18:28Da Introdução a Autobiografia e Sobrenatural em Luís de Camões
«Os Portugueses somos do Ocidente.
Imos buscando as terras do Oriente.»
Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 50, 7-8
1
A palavra ar é a palavra aur (luz, em hebraico) sem a semivogal u, relação esta entre as duas palavras que podemos fundar na intimidade que há entre a propagação da luz e a atmosfera. É certo que se pode objectar que ar é uma palavra latina e aur uma palavra hebraica, o que tornará ilícito, do ponto de vista linguístico, a relação que proponho. Sê-lo-á do ponto de vista linguístico, mas então é preciso explicar como é que a mesma raiz hebraica aur se encontra noutras palavras latinas relativas a luz, como aurum (“ouro”) e aurora ou auréola.
Por outro lado, observe-se como, em combinação com a ideia de luz, há uma imediata relação com o som. É Henry Corbin quem chama a atenção para a conotação de aurora com aures (e digamos nós, com “auriculares”), que, como sabemos, significa ouvidos. A atmosfera não é só o meio de propagação da luz; é, ao mesmo tempo, o meio de propagação do som. E o que é espantoso é que a palavra grega atmosfera significa — em consonância com o sânscrito em que atmos é o nome para o espírito — a esfera do ar ou do sopro. Parece que há uma língua primordial presente, na forma de inúmeros vestígios, nas diversas línguas e é isso que funda as relações que se vêm mostrando.
Sem o ar não haveria respiração e, portanto, vida; não haveria também audição nem visão e nem sequer a possibilidade de cheirar. A palavra aroma tem a mesma raiz ar. E, no domínio do tacto e do paladar, o amor nos ensina que não há verdadeira relação sem a recíproca conversão pelo homem e pela mulher do sopro vital, o que é bem evidente na união pelo beijo.
Considerando a relação dos elementos com os pontos cardeais, temos, pela mesma relação linguística, que referir ar a oriente. É sabendo onde está o oriente que nos orientamos. Há, porém, um oriente que não é o espacial. Não se oferece ao sentido da vista. É qualquer coisa de íntimo, mais ligado com o ouvido do que com qualquer outro sentido. Por essa sensação íntima, temos esquerda e direita, rosto e occiput. Todo o nosso equilíbrio físico depende do ouvido. Sabe-o a medicina. A tradição sófica hindu ensina que o ar, sem o qual não há vibração sonora, é o que produz a determinação das direcções. É o que está bem manifesto na designação do símbolo sintético das direcções espaciais: a Rosa dos Ventos.
Os ventos vêm e vão. Vêm das regiões marcadas por oito pontos no horizonte. O símbolo da Rosa inverte essa perspectiva. As direcções dos ventos têm a sua origem no ponto central donde irradiam para todas as partes do Universo. Esse ponto é que é a verdadeira origem ou o verdadeiro Oriente dos ventos ou das oito energias que compõem o mundo subtil. Ele mesmo é que determina todas as direcções, ele mesmo é que situa, sendo o insituado, como o Espírito (Sopro) Santo para com as almas no ensino de São João.
António Telmo
(Publicado em A Aventura Maçónica - Viagens à Volta de um Tapete, 2011)
DOS LIVROS. 54
15-03-2017 09:35Explicação
Vinte anos depois, venho retomar a História Secreta de Portugal no ponto em que a deixei. Do horóscopo que fez Fernando Pessoa apenas uma data, o ano de 1978, foi motivo de incertos vaticínios, mentidos ou desmentidos, depois, pelos acontecimentos. Esperei em vão que outros, mais versados em astrologia do que eu, fizessem o que não fiz então: ler toda a sina do nosso país nas linhas traçadas pelo vate.
Em vinte anos, passou-se muita coisa. Estamos, hoje, em posição de ver melhor, estudando a história do futuro pela história do presente e a história do presente pela história do passado. O horóscopo de Portugal é um documento impressionante. Tudo está aí, assim haja quem o veja.
Juntei a esta republicação das minhas ideias sobre a história de Portugal umas cinquenta páginas de aprofundamento. Elas constituem um novo livro, em modo sintético. Sendo esse livro, como é, a apresentação de um destino, deixará certamente perplexo o leitor para quem, por ventura, a história seja o domínio do imprevisível. No pensar de Fernando Pessoa há, como se verá, um primeiro, um segundo e um terceiro Portugal. Sabemos só, pelo horóscopo, que haverá, em tempo marcado, um quarto e um quinto que serão, em planos sucessivos, a manifestação gloriosa da alma portuguesa depois da viagem milenária pelo céu e pelo inferno da sua história. Imprevisível de todo é a forma dessa manifestação, mas sem a consciência do que fomos e do que somos não estaremos presentes no que quer que seja que viermos a ser.
O horóscopo trouxe-nos de novo ao Templo, em Belém, da Senhora dos Reis Magos. Continuo a pensar, vinte anos depois, que não foi em vão que os Boitacas deixaram escrita na pedra a transcendente mensagem. Não tem sentido pensar que edificaram o Templo para gozo dos turistas e dos historiadores de arte antiga ou para lugar de solenidades públicas de efémera repercussão. Quem morreu não foi Deus, como pensou o alemão ateu, quem morreu foram os monges e o que foi criado para lugar de oração é, mesmo sem monges e invadido por uma multidão informe ou por políticos sem Pátria, uma oração de pedra, que a excede infinitamente.
Valete Fratres
António Telmo
(Publicado em O Horóscopo de Portugal, 1997)