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INÉDITOS. 72
03-01-2018 12:23Consiste a História Oculta de Portugal de António Telmo num conjunto de escritos, alguns deles fragmentários, que se constituiriam como materiais para uma primeira versão da História Secreta de Portugal. Grande parte desses escritos – os que relevam pelas diferenças que revelam perante a obra saída a lume em 1977 – constituem a terceira e última parte do Volume VIII das Obras Completas de António Telmo, História Oculta de Portugal precedida de No meio do caminho da vida e Os meus prefácios, que será lançado no próximo dia 20, na Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa, em Lisboa, conjuntamente com António Telmo, Literatura e Iniciação – Esboço para uma cartografia sobre pedra cúbica, de Risoleta C. Pinto Pedro, segundo título da Colecção Thomé Nathanael – Estudos Sobre António Telmo.
Da História Oculta de Portugal antecipamos hoje aos leitores mais um dos textos que a integram.
A inveja como agente da degenerescência espiritual[1]
As maiores vítimas da inveja são os filósofos, porque a filosofia é uma actividade distinta e onde o valor do homem como indivíduo se afirma sobre os outros valores. Só o indivíduo pensa. Se eu penso, com ilusória boa vontade, admirar um Heidegger, longe na Alemanha, ou um Plotino, longe no tempo, não suporto que o meu vizinho seja um filósofo admirado. Não o posso ver, invejo-o. A inveja, que é coisa da vista, precisa de uma certa distância. É um sofrimento, mas um sofrimento que actua negativamente sobre o objecto que o produz. Se este está longe, mal visível ou invisível, a distância o guarda do turvo olhar. Deus foi morto em Cristo, porque em Cristo se tornou visível. Consiste a inveja, como a língua o diz, em não se poder ver a imagem que nos fascina. Mas para olhar e lançar a energia turva da vontade é precisa uma certa distância, nem mais nem menos, a do meu vizinho, quer se chame Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro ou José Marinho, da rua de Portugal.
A clandestinidade da filosofia seria o modo de evitar a acção nefasta da inveja; fingir-se nada para não ser reduzido a nada e à absoluta inexistência. Mas o filósofo não é legião nem turba. É um indivíduo. Não pode ser filósofo sem ser indivíduo, isto é, indivisível, sustido em si, distinto. O distinto é o que se vê. O igual é o limite para que tende a anulação da vida pelo espírito, a anulação da evidência. É talvez, por isso, que a ave de Minerva, como escreveu Hegel, só voa ao anoitecer, que é como quem diz: a filosofia só aparece no termo de um ciclo. É a evidência do que, até então, estava oculto e oculto actuou e moveu os homens e sua história. Vem finalmente dizer como é, quando tudo parecia ganho contra ela, quando a igualdade dos seres parecia realizada pela anulação dos espíritos, único caminho possível de realizar-se.
Pondere-se este facto simples: de um lado uma língua, a portuguesa, como já se viu, que é o próprio pensamento na complexidade enorme das suas articulações secretas; do outro um povo que ainda não deixou de a falar e que enquanto é apenas memória lhe está ligado em substância. Mas o plano do mundo subtil onde se exerce o acto comum de pensar define-se pela mediocridade das ideias, pela incapacidade de ligar duas ideias e muito menos de deduzir uma terceira. Como é isto possível?
O mesmo fenómeno foi verificado pelos linguistas americanos (um Sapir, um Boas, um Lee-Whorf) que têm estudado as línguas dos povos selvagens. Povos completamente estupidificados falam idiomas que são complicadíssimos sistemas de compreensão do mundo. Como é isto possível?
A hipótese de Sapir é que nenhuma relação substancial existe entre a língua e o povo. Então, quem pensa na língua? Os leonardinos concluíram daqui a existência de uma filosofia portuguesa. Mas não é isto contraditório com o que se disse há pouco, que só o indivíduo pensa? A isto respondem os leonardinos que precisamente porque os indivíduos tendem, simultaneamente com o movimento degenerescente do povo, a não serem indivíduos deixam de ser capazes de pensar pelas categorias da própria língua e apenas conservam os automatismos mais simples e que menos apelo fazem ao esforço de reflexão. Claro que se pode pensar noutra língua que não seja a nossa. Mais tarde ou mais cedo, porém, se homens deixam de pensar a língua que falam, esta acabará por morrer. Restará apenas o escrito. E por isso, a inveja tentará aniquilar também o que está escrito, na sua obra de instauração da morte.
António Telmo
[1] N. do O. – O título é da nossa responsabilidade, mas baseia-se, reproduzindo-a, numa inscrição manuscrita do filósofo, em página autónoma do caderno de apontamentos.
VOZ PASSIVA. 79
27-11-2017 15:05
Revisitação dos Jerónimos
(à memória de António Telmo)
Eduardo Aroso
Era quase Natal
E eu queria de novo nascer
Em Portugal.
Tacteei a pedra, seiva,
Esculpida em pássaro alado.
Nas lajes do chão
Um rumo
De oceano perdido e achado.
Era quase Natal
E eu queria de novo nascer
No vero Portugal.
Sempre a página aberta
De húmido nevoeiro
E a alma sente sem dizer,
Porque ainda não sabe.
Mas só na corda inteira
Há luz e surge a chave.
Era quase Natal
E eu queria de novo nascer
Em Portugal.
Olhei ao alto
Mais acima
Do chacra do ego
Querendo desatar
O enigma do nó cego.
Era quase Natal
E eu queria tocar a flor
Da pedra-mito de Portugal.
26-11-2017
EDITORIAL. 15
20-11-2017 09:32
Quatro anos depois…
…o Projecto António Telmo. Vida e Obra prepara-se para, em conjunto com a editora Zéfiro, lançar o Volume VIII das Obras Completas de António Telmo, História Oculta de Portugal precedida de No meio do caminho da vida e Os meus prefácios, obra que será lançada no próximo dia 15 de Dezembro, ao final da tarde, na Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa, em Lisboa, numa sessão em que igualmente será lançado o livro António Telmo, Literatura e Iniciação, de Risoleta C. Pinto Pedro, naquele que é o segundo título a sair a lume na Colecção Thomé Nathanael – Estudos sobre António Telmo. Já na próxima quinta-feira, dia 23, na sede da AMORC, em Lisboa, prossegue o ciclo As Artes da Misteriosofia, com Sofia A. Carvalho, Rui Lopo, Eduardo Aroso e Maria Azenha. Publicar, estudar e divulgar António Telmo sempre foi e sempre será a nossa missão.
Quatro anos depois, o Projecto António Telmo. Vida e Obra prepara-se para abraçar outros desafios, percorrer novos caminhos, reinventar o seu futuro, sem nunca perder de vista o rumo que, desde sempre, norteou os seus passos: a vida, a obra e o pensamento do seu patrono.
A todos os que têm tornado este sonho uma realidade, e em particular à família de António Telmo, na pessoa de Maria Antónia Braia Vitorino, a nossa gratidão! Bem-hajam!
UNIVERSO TÉLMICO. 55
07-10-2017 08:41Celebrando os 90 anos de João Ferreira, membro do nosso Projecto, e bem assim os do filósofo brasileiro António Paim, Renato Epifânio dirige ao primeiro esta carta, que será publicada no próximo número – o vigésimo – da revista NOVA ÁGUIA, e que aqui, com a devida vénia, antecipamos aos nossos leitores.
VOZ PASSIVA. 78
26-09-2017 10:43António Telmo – considerações sobre a praxis de um iniciado maçon
Rui Arimateia, M M
ANTÓNIO TELMO Carvalho Vitorino nasceu em Almeida a 2 de Maio de 1927 e faleceu em Évora a 21 de Agosto de 2010.
Foi iniciado Maçon na Resp\ L\ “Quinto Império” da G\L\R\P\, do Rito Escocês Rectificado, em Março de 1998 (E\V\) a Or\ de Lisboa. Foi elevado a M\ M\ em Dezembro do mesmo ano.
Sobre a sua passagem pela Ordem Maçónica, António Telmo deixou-nos inúmeros depoimentos, dispersos pelos seus escritos, nomeadamente os que inspiraram esta comunicação e publicados nos seguintes livros: “História Secreta de Portugal” (1977), “Congeminações de um Neopitagórico” (2006), “A Aventura Maçónica – Viagens à Volta de um Tapete” (2011) e “A Terra Prometida” (2014).
Diz-nos ele a certa altura o seguinte, n’Uma Prancha Maçónica:
“Tenho 71 anos. Sou, do ponto de vista profano, o mais velho da nossa respeitável Loja. Tenho 3 anos. Sou, do ponto de vista iniciático, o mais novo desta respeitável Loja. [p.107]
(…).
Pedi para ser iniciado e assim vim a pertencer a este admirável povo maçónico.
Emprego propositadamente a palavra povo. Todos sabemos como a verdadeira sabedoria se conserva e transmite, ao longo dos séculos, e dos milénios, através do povo. Os intelectuais que o têm governado e pretendido ensinar têm vindo a cindi-lo, pouco a pouco, dessa sabedoria. Afrancesaram-no ontem, americanizam-no hoje. O saber esotérico que os homens, as mulheres e as crianças receberam dos iniciados por um processo misterioso, que se conserva nas danças, nos cantos, nos adágios, nas festas, nos jogos e, sobretudo, na língua que ele criou, ele o povo, que dizem analfabeto, degenerou em folclore. (…).
(…).
Gosto de estar entre o povo maçónico e de ser um deles. Sinto que o sou de pleno direito, não porque perfilhe esta ou aquela ideologia, mas porque fui iniciado e passei pelo rito que me abriu a porta do Templo. Não é com orgulho que digo isto, mas sim para expressar que o que define um Mação enquanto Mação é a passagem pelo rito. Se há um ensinamento ou uma doutrina que todos nós devemos seguir e até aplicar no nosso campo de influência social, esse ensinamento ou essa doutrina derivam do próprio rito, onde as palavras, ritualmente proferidas, os tornam suficientemente claros.” [p.109]
[in “Uma Prancha Maçónica”, António Telmo, 2014, A Terra Prometida]
*
* *
Dizia Fernando Pessoa num dos seus poemas: “Não procures nem creias: tudo é oculto.”
Também dentro da Maçonaria o oculto impera. Por razões óbvias no que diz respeito à protecção de bens e pessoas devido a regimes totalitários. Por razões ritualísticas tendo em conta a característica iniciática da Ordem.
O Segredo Maçónico está oculto. Cabe a cada um dos Irmãos ou Irmãs desocultá-lo e transmiti-lo quando o momento chegar, compreendê-lo e manifestá-lo através da sua própria linguagem individual e da sua vivência na Loja e no Mundo.
Através dos séculos os Mestres Maçons de outrora conseguiram fazer transmitir aos Mestres Maçons de hoje os Sentidos inefáveis da Arte da Construção, imbuída de segredo maçónico! Este não foi violado, pois continua a fazer sentido através das Iniciações actuais, através de todo um trabalho ritualístico individual e colectivo. Segredo esse que consegue ser um cimento aglutinador de muitos e muitos maçons, unidos entre si e auxiliando na construção de um mundo melhor. Contudo é um segredo simples aquele que é recordado pelo Venerável Mestre em todas as sessões regulares de Loja, quando, reunida a assembleia de maçons na Cadeia de União ritual, transmite:
“Que o amor fraterno una todos os elos desta cadeia simbólica e seja o vínculo imperecível de todos os F\M\ no espaço e no tempo, ligando-nos indissoluvelmente pela tradição iniciática às gerações de irmãos e irmãs que nos precederam e que se prolongarão no futuro.
Estas mãos unidas simbolizam a aliança indestrutível de todos os F\M\ da Terra. (...).”
O assim denominado Segredo Maçónico encontra-se revelado: a recepção e a partilha do Amor Fraterno… resta aos Maçons vivê-lo e transmiti-lo!
Não posso deixar de referir a extraordinária mensagem de São João Evangelista, essência última da mensagem mais profunda da Religião Cristã: «Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o daquele que dá a vida pelos amigos.” [“Evangelho Segundo São João”, XV-12]
Igualmente digno de interesse o trecho que podemos ler num Ritual de Iniciação maçónico: “Não se é iniciado pelos outros; iniciamo-nos nós mesmos”.
Voltando a António Telmo e a “Uma Prancha Maçónica”, diz-nos ele que:
“(…). Ensinou Aristóteles, na sua Arte Poética, que, nos mistérios de Elêusis, o neófito nada aprendia, mas recebia uma impressão. O ritmo interior que comanda o rito (não me refiro ao cerimonial, que pode ou não acompanhá-lo) envolve o neófito, durante a iniciação, no profundo e inefável mistério que por ele se exprime, envolve-o como uma onda, donde sai atordoado, mas limpo, prende-o numa cadeia magnética [a Egrégora] de que não se libertará jamais, a não ser por cima, se assim o quiser o Grande Arquitecto do Universo. É por isso que se diz que um Mação nunca deixará de o ser, mesmo que abandone a Ordem.(…). [p. 110]
(…). Imaginemos o nosso espírito como um espelho (…). Para que o espírito, assim concebido como um espelho, receba a verdade são necessárias, pelo menos, três coisas. [1] É necessário que esteja limpo para que não receba turva e distorcida a imagem da verdade; [2] é necessário que entre ele e a verdade não se interponha nenhum obstáculo impeditivo da reflexão; [3] é necessário ainda que seja orientado na direcção da verdade. A iniciação no grau de Aprendiz realiza isto mesmo. A verdade é a luz que brilha no Oriente. Deixamos as jóias cá fora, isto é, as nossas convicções, a fim de que elas não se interponham entre o espelho e a luz da verdade; passamos pelas três regiões elementares, onde nos libertamos das sujidades mentais pelo fogo, das sentimentais pela água, das instintivas pela terra. Por fim, o nosso espírito, tornado uma matéria límpida perfeitamente disponível, é voltado para o Oriente. Pelo compromisso feito à maneira dos Maçãos, o espírito está pronto. Quando o espírito está pronto, a luz [o Mestre] aparece.(…).
(…). A arte é longa e a vida breve.” Ars longa, vita brevis. (…).” [p.111]
[in “Uma Prancha Maçónica”, António Telmo, 2014, A Terra Prometida ]
Diga-se de passagem que, em todos os graus maçónicos é sobretudo o conhecimento de Si-Mesmo que é ensinado ao maçon em demanda. E, no mesmo Ritual, mais à frente, vamos encontrar um outro trecho que diz: “O iniciado está só ou, mais exactamente, é único, pois nenhum homem evolui em lugar de outro.”
Para procurarmos e eventualmente encontrarmos o Caminho da Verdadeira Luz, que está oculta, será necessário sabermos o que procurar – procurar “o que importa” – e sabermos o que procurar irá inevitavelmente levar-nos a uma abordagem do real na zona do Auto-Conhecimento, onde a compreensão dos problemas da vida e da morte é indispensável para que alguém se possa situar plenamente, e de facto, na Senda de uma autêntica Busca Espiritual e Maçónica.
Vida e Morte… conceitos que desde a sua Iniciação no Grau de Aprendiz não são estranhos aos Maçons... mas que se vão complexificando durante a peregrinação no Caminho maçónico.
No entanto, há que sublinhar devidamente, este Conhecimento, portador da Verdade e que confere a Libertação e a Paz ao ser humano, “comprometido” com a Sageza das Idades, é incomensurável, omni-abarcante, não limitado, mas só poderá ser percebido pelos que o querem e ousam perceber.
A Demanda começa em cada um de nós. Deus, Aquilo-que-se-quiser-chamar, o fim último da Iniciação, a Luz, o Grande Arquitecto Do Universo, tão procurado, tão aspirado, reside, de facto, em nós próprios. Como é afirmado no Chandogya Upanishad (III-14):
“Este Atman que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de alpista; este Atman, que reside no coração, é ao mesmo tempo, maior que a Terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos reunidos.”
Também Paracelso o afirmou: “Trazemos em nós o centro da natureza.”
Assim, cada um de nós é realmente um centro que efectua a ligação do Céu à Terra através da sua própria escada mística, mais ou menos conscientemente, com mais ou menos intensidade, mas em permanente busca e em contínua evolução.
Neste centro interior e íntimo, poderá, apesar de tudo dominar a cerceadora dualidade da condição humana manifestando-se pelo sofrimento ou pela felicidade, pela paz ou pela guerra, pelo amor ou pelo ódio!... Mas também nesse centro poderemos encontrar e vivenciar a Unidade da Vida e então achamo-nos subitamente num estado onde não é possível encontrar quaisquer referências para se compararem os complementares, para se olharem as contradições, para se apontarem os conceitos antagónicos. Será, no fundo, através deste estado, que acontece uma real percepção da Totalidade, uma autêntica consciencialização da Unidade, da Vida e da Morte, verdadeiros leit-motiv de todo o labor e busca maçónicos. Lembremo-nos do seguinte poema de Fernando Pessoa, que nos aponta o caminho a seguir…
Oscila o incensório antigo
Em fendas e ouro ornamental.
Sem atenção, absorto sigo
Os passos lentos do ritual.
Mas são os braços invisíveis
E são os cantos que não são
E os incensórios de outros níveis
Que vê e ouve o coração.
Ah, sempre que o ritual acerta
Seus passos e seus ritmos bem,
O ritual que não há desperta
E a alma é o que é, não o que tem.
Oscila o incensório visto,
Ouvidos cantos estão no ar,
Mas o ritual a que eu assisto
É um ritual de relembrar.
No grande Templo antenatal,
Antes de vida e alma e Deus...
E o xadrez do chão ritual
É o que é hoje a terra e os céus...
22-9-1932
Fernando Pessoa. Poesias Inéditas (1930-1935). .
Lisboa: Ática, 1955
Sobre Fernando Pessoa e a Maçonaria, deixou-nos António Telmo um importante depoimento na sua História Secreta de Portugal:
“(…).
Fernando Pessoa foi o nosso primeiro poeta maçónico e toda a sua obra poética pode e deve ser interpretada como a expressão da viagem iniciática da alma num adepto que não se limita a cumprir os ritos e a estudar o dogma, mas desse cumprimento e desse estudo tira todas as consequências nos vários planos de vivência do ser. Assim, os heterónimos podem ser vistos como uma aplicação do «dom das línguas» ou um exercício destinado a produzir esse dom; a maioria dos poemas constituem o desenvolvimento de ensinamentos maçónicos e, por vezes, o próprio Fernando Pessoa não deixa de o assinalar por meio de epígrafes (caso do Eros e Psiche e de No Túmulo de Christian Rosencreutz); outros ainda, como por exemplo A Múmia, são a transposição poética da experiência de determinado ritual.
(…).
A obra de Fernando Pessoa vale não só por si, mas também por marcar um comportamento maçónico excepcional no seu tempo. Através dele, a Maçonaria regressa à sua origem ou, pelo menos, aparece como a legítima continuadora da Ordem do templo. (…).
Pela Mensagem, Fernando Pessoa rectifica, à luz de princípios maçónicos recuperados, a história de Portugal. (…).”
[in Telmo, 1977, pp.116-118].
A dramatização ritualística na Maçonaria é constituída por pensamento e sonho, no sentido de construção de um Arquétipo Sagrado, de uma Egrégora. No fundo trata-se de construir em nós mesmos um templo e um tempo originais, no sentido mítico e espiritual. Através do jogo da dramatização, connosco próprios e com o outro, abrimos canais psicológicos que permitirão o fluir de energias vivificadoras e transformadoras cujo resultado será a assunção do homem novo, neste caso do maçon, do construtor, do seguidor do Mestre Hiram, o vencedor da morte!
A palavra ritual, no fundo não tem forma cristalizada, antes remete para uma linguagem única e universal que cada maçon, no acto de escutar, no acto autêntico e criador da atenção ritualística, transforma em vivência e em Amor.
*
* *
Dizia-nos há algum tempo o eminente médico Daniel Serrão, num dos seus escritos que: “O futuro do Homem é viver num Universo colectivo de inteligências comunicantes onde não haverá nem mestres que ensinem, nem discípulos que aprendam. Todos aprenderão com todos.”
A frase anterior poderia constituir uma das ideias-força do pensamento não só de António Telmo mas também de Agostinho da Silva e de toda uma plêiade de escritores e de pensadores que honram com os seus trabalhos e reflexões a língua e a filosofia portuguesas, e onde poderemos adivinhar, latente, a famosa tríade da Revolução Francesa e adoptada pela Franco-Maçonaria: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
António Telmo, foi de facto um homem livre e de livre pensamento ao serviço da Obra!
A imensa riqueza do legado filosófico de Telmo é, de facto, a constatação da liberdade que nos dá para até ele chegarmos e a surpresa que experimentamos quando reconhecemos que, no final da Obra, estaremos todos de mãos dadas, tal Cadeia de União Simbólica, porque a sua finalidade última, é o Encontro com a Unidade e a Unicidade da Vida e a certeza de que a Vida vencerá a Morte!
Assim, olhando com “olhos de ver” a obra de António Telmo, intuímos que se encontra “contaminada” com a tríade filosófica atrás referida – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – que imediatamente nos coloca num registo de compreensão enquadrada numa “Escola de Pensamento” cujo fio condutor nos leva pelo menos até aos antigos Mistérios da Filosofia Perene da Idade Média, de Roma e da Grécia… a Escola Universal dos Livres Pensadores Franco Maçons.
António Telmo compreendeu realmente a importância da iniciação, do mistério, do segredo e do silêncio em Maçonaria, quando nos refere, na sua História Secreta de Portugal, que estamos “num mundo onde a presença do mistério impõe que nada se possa realmente saber fora dos termos desse mistério. Assim, os mais lúcidos e imprudentes não desistiam de procurar a palavra perdida da Sabedoria.”
Que, acrescento, será coincidente com a palavra perdida dos maçons, cujo objectivo último de cada um será o seu reencontro com essa Palavra Perdida... a Palavra Divina, segundo Fernando Pessoa. Atentemos à profunda máxima Socrática: “Homem, conhece-te a ti próprio! E, conhecendo-te, conhecerás o Universo e os próprios Deuses!”.
Num outro texto de António Telmo, poderemos ler:
“(...) É espantoso como foi possível conservar, ao longo dos séculos, inalteráveis, no que lhes é essencial, ritos e símbolos maçónicos, quando enormes forças, cá dentro como lá fora, tudo têm feito para os adulterar e corromper! (...).”
[in Telmo, A Terra Prometida, 2014, pág.108]
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António Telmo, como era seu costume com todas as filosofias que abordava, enquanto Maçon foi autocrítico em relação à própria práxis maçónica que conhecia.
Interessante este Diálogo entre Frei Anselmo e Noviço, que ele nos deixou e que foi publicado na “Aventura Maçónica”:
“(...).
Lês, escreves e isso está bem. No resto do tempo que te fica, procedes como toda a gente, como um autómato. Deixas-te emporcalhar pelos jornais e pela televisão. É um “deixa andar” continuado. De nada serviu termos-te conduzido para uma agremiação de neopitagóricos, onde simbolicamente desceste ao reino das trevas e daí te ergueste para a luz.
Falas com as pessoas como se elas não tivessem rosto; se atentasses, como é devido, na forma do rosto daquele ou daquela com quem conversas, se chegasses a ver nele a expressão de um mistério e de uma luz que, por dentro, ilumina esse mistério, não darias tanta importância ao que não és, àquilo em que és igual a todos os outros.
(...).”
[in Telmo, 2011, p. 27]
António Telmo, tal como Fernando Pessoa, tinham semelhante opinião acerca da Iniciação: uma vez maçon, sempre maçon; uma vez Iniciado, para sempre Iniciado.
Declarava António Telmo que:
(...). Na Loja estamos perante um mistério, mais do que isso, fazemos parte desse mistério. Emprego a palavra mistério no seu sentido original e não na acepção que popularmente recebeu de insólito e contrário ao curso natural dos fenómenos. No seu sentido original, a palavra deve ser referida à sua raíz mu, comum a outras palavras como mudo, murmúrio, mito e místico. Ao pronunciarmos o fonema m, fechamos os lábios. Fechamos a entrada da caverna bucal, que é o lugar do Verbo. (...).
Tendo em conta esta etimologia de mistério, não é difícil ver que o ensino aqui se faz pelo silêncio, um silêncio que se torna significativo, no que ele tem de mais profundo, pelas indicações subtis, por aquilo que há de menos discursivo nos ritos e nos símbolos. Os sinais, os toques, as letras e os nomes são talvez o que melhor exprime o que pretendo significar com o termo de “indicações subtis.
(...).” [pp.63-64].
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* *
(...). Toda a simbólica da iniciação até à recepção da Luz mostra-nos que devemos considerar aqueles que nos guiam por entre obstáculos no meio das trevas, não como indivíduos, mas como personalidades representativas do que há de mais interior e de mais profundo em nós. Durante a minha iniciação, senti-os como os senhores do caminho e não como homens de carne e osso. (...).
A passagem do mundo profano para o mundo sagrado constitui o momento que decide de tudo. É um começo de que se pode tomar consciência no domínio do ser pela percepção de que se ficou definitivamente ligado à “única coisa que importa”. (...).
No começo é que está tudo. E aqueles que, depois de terem recebido a iniciação, se esquecem de a renovar em si por um acto interior do espírito, são como alguém que acordou para a manhã e se deixou adormecer de novo, trazendo para a vivência do dia todo o sono que julgaria ter deixado na cama. Todo o percurso iniciático, do primeiro ao último grau, se lhe quisermos atribuir alguma realidade, terá de ser visto como um renovar, por entre descontinuidades, do começo. Começo esse que pode ser reproduzido lá fora pela presença a si próprio nos vários momentos da vida, sobretudo naqueles que parecem mais distantes da “única coisa que importa.
(...). [pp.80-81].
(...) Cada Maçon é um Templo, por isso, onde quer que esteja, está o Templo. Não devemos, portanto, reduzir ao trabalho de Loja a nossa actividade, dividindo-nos em dois comportamentos, um exterior e outro interior, como se, uma vez lá fora, já não existisse “o que mais importa”. Tal atitude, comum a muitos Maçons pouco esclarecidos, leva a acentuar a dualidade que julgávamos ter sido resolvida pela Iniciação. Eis porque me parece oportuno o seguinte conselho: na Loja, devemos subordinar o nosso interior ao que se passa exteriormente; fora da Loja, pelo contrário, subordinar o que se passa exteriormente ao nosso interior. Há um ensinamento oriental que diz o seguinte:
As aves, mesmo quando andam longe dos ovos, continuam a chocá-los.
(…).”
[in Telmo, 2011, p.83]
Como corolário deste conjunto de reflexões Télmicas sobre a Iniciação e sobre o ensinar e o aprender nesta Escola de Vida, que é a Maçonaria Universal, terminava com as sábias palavras da grande sabedoria da Tradição Africana, afirmadas por Tierno Bokar Salif, da Ordem Muçulmana de Tijaniyya, de Bandiagara no Mali:
“Se queres saber quem sou,
Se queres que te ensine o que sei,
Deixa um pouco de ser o que tu és
E esquece o que sabes.”
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BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA
1. MARTINS, Pedro – UM ANTÓNIO TELMO – MARRANISMO, KABBALAH E MAÇONARIA, ‘Colecção Thomé Nathanael’, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2015.
2. TELMO, António – A AVENTURA MAÇÓNICA – VIAGENS À VOLTA DE UM TAPETE, ‘Hyram Colecção Maçónica’, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2011.
3. TELMO, António – A TERRA PROMETIDA – MAÇONARIA, KABBALAH, MARTINISMO & QUINTO IMPÉRIO, ‘Obras Completas de António Telmo’, Volume I, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2014.
4. TELMO, António – CONGEMINAÇÕES DE UM NEOPITAGÓRICO, Ed. Al-Barzakh, Vale de Lázaro, 2006.
5. TELMO, António – HISTÓRIA SECRETA DE PORTUGAL, Col. ‘Janus’ n.º6, Editorial Vega, Lisboa, 1977.
_____________________________
Rui Arimateia (M\M\), a Or\ de Évora, 21 de Setembro de 2017 (E\
UNIVERSO TÉLMICO. 54
26-09-2017 10:33
Agostinho da Silva: retrato do filósofo enquanto drama*
Pedro Martins
Confesso-vos que não fui feliz na escolha deste título. Não creio que Agostinho possa caber num retrato, que é uma imagem fixada na imobilidade e se presta à veneração dos altares, o que ele, por certo, lamentaria.
Com palavras suas direi agora, do que em seguida vos vou dizer, que não descobri nada: vem tudo em Cortesão.
O historiador definiu o homem português segundo três virtudes básicas: a hombridade, a inquietação e a plasticidade amorável.
A hombridade, comum a todos os iberos, não é apenas um sentimento de independência individual; significa também a consciência austera da dignidade humana e do valor do indivíduo e traduz-se em inteireza de carácter e afirmação intimorata da virtude e da verdade.
No castelhano, esta hombridade exaspera-se e desvia-se até à afirmação amoral do indivíduo; no homem português, combina-se com a plasticidade amorável, que dá ao espírito, exaltado pelo amor, uma capacidade eminentemente compreensiva, tanto para comunicar como para apreender. É um dom de simpatia e comunicação cordial que lhe permite dar e receber, sem alterar o seu fundo próprio.
Foi o que sucedeu no Japão, onde os portugueses deram bem mais do que receberam, mas de onde acabaram expulsos, por se terem recusado a abjurar a sua fé cristã.
A inquietação, comum aos povos ibéricos de raiz semita, ganha uma tonalidade específica no português: é ela que explica a sua hombridade plástica, por confronto com a hombridade rígida do castelhano.
Hombridade, inquietação, plasticidade amorável: eis Agostinho, como sabemos pela biografia, de muito recomendável leitura, que dele escreveu António Cândido Franco e pelo livro de Risoleta Pinto Pedro sobre a alegre inquietação da sua literatura.
Logo em 1957, em Reflexão, Agostinho fará notar que, ao invés da França, «do lado de Espanha ninguém sacrifica a personalidade à convivência», para depois observar que a maior façanha de Portugal foi ter resistido a Castela, para assim poder cumprir o seu dever de ser católico: isto é, fraternal e universal.
Daqui parte o seu ecumenismo. Por longos anos, a busca da unidade será para o filósofo mero proselitismo de conversão a um cristianismo vincadamente paraclético: a partir da unidade essencial do Espírito, procura desenvolver a universalidade significada na etimologia da palavra católico.
Como escreveu Álvaro Ribeiro, «a teologia, em Portugal, não é exclusiva, nem predominantemente cristologia». Em 1964, em “Ecúmena”, afirma Agostinho: «A razão voluntária essencial de me ver católico não seria a existência de um Deus Pai ou de um Deus Filho; seria a crença no Deus Espírito Santo». E, pouco adiante, acrescenta: «é o Espírito quem torna todas as regiões aceitáveis, embora só seja verdadeiro o cristianismo, porque só o cristianismo o põe como Deus; e, se fordes fiéis a este culto do Espírito, podereis ir ao encontro de qualquer religião e qualquer religião poderá vir a vós, porque continuareis fiéis ao essencial do cristianismo.»
A primeira parte desta última citação é inaceitável; a segunda permite compreender o drama do filósofo, na medida em que lhe revela a preocupação de permanecer português: receber do outro, sim, mas sem que isso implique a perda de uma identidade que, antes de mais, é religiosa.
Já em Reflexão, de modo revelador, Agostinho distinguira os Portugueses de Judeus e Mouros. Com condescendência, lembrara, porém, como os homens de nação assim tornados estrangeiros assistiam reverentemente a esse culto do Espírito Santo que, nas suas palavras, «descera em novo Pentecostes sobre a nação portuguesa, sagrando-a para seu apostolado».
Este Agostinho brasileiro, homem de Igreja que persegue ardentemente o desígnio da Fraternidade, alerta-nos para os riscos heterodoxos: quem pensa com audácia e argúcia, tende a agir sem caridade perante os menos aptos dos seus irmãos. Deve, pois, obedecer com humildade à hierarquia, o que tanto vale para um Lutero como para Joaquim de Flora, a quem, por mais de uma vez, criticará Agostinho o anúncio do fim da Igreja e de uma terceira revelação no palco da História. Na sua visão, «foram os portugueses mais largos e se fixaram no Cristo, como verdadeiro e último profeta», enquanto o calabrês foi estreito «por não ver que, na ida de Jesus para que o Espírito viesse, nada mais se estava afirmando que a perfeita espiritualidade do Consolador».
Foi isto escrito em 1964, e Agostinho, no seu afã de arrebatar ao Islão o selo da profecia, chamando a Cristo verdadeiro e último profeta não pode deixar de evocar a primitiva Igreja judeo-cristã de Jerusalém, chefiada por Tiago, o Justo, que professava a cristo-angelologia do Verus Propheta, arquétipo celeste sucessivamente manifestado na héptada do mistério: Henoch, Noé, Abraão, Isaac, Jacob, Moisés e Jesus, este último o derradeiro suporte terrestre das hierofanias do Adão Celeste. Sabemos de tudo isto por O Paradoxo do Monoteísmo, de Henry Corbin, autor que Agostinho bem conhecia e recomendou a António Telmo, para que o discípulo pudesse erguer a sua prodigiosa desocultação de Camões; mas não sabemos se a leitura de um outro livro do francês – No Islão Persa – o não terá levado a reconciliar-se com Joaquim.
Na verdade, Corbin, ao interpretar Flora, reconduz ao mistério íntimo de cada alma, e não à imanência da causalidade histórica, a sucessão da Igreja de Pedro pela Igreja de João própria da Idade do Espírito Santo: «É que o tempo existencial» – escreve Corbin – «quebra a trama do tempo histórico para cada alma que penetra no mundo do Espírito e antecipa o mistério da morte».
Pela antecipação do mistério da morte se pode definir a mística, domínio a que Agostinho assimila a quinta-essência da religião, pela inefável experiência que supera a oposição entre sujeito e objecto. Inferior à religião é a teologia, que o filósofo não pode distinguir com segurança da filosofia. Por certo tem apenas que «filosofia separada de teologia é invenção do Diabo»; e aqui convirá lembrar, de novo com Álvaro Ribeiro, que «incorre no perigo de não compreender o pensamento português quem levar ao extremo a distinção e a separação, talvez válidas para culturas estrangeiras, entre filosofia e teologia».
A teologia é critério que permite aferir o desenvolvimento do desígnio ecuménico de Agostinho. Na Educação de Portugal, escrita em 1970, já sob o influxo invencível da Liberdade, propõe, para não mais a abandonar, a igualdade de tratamento teológico e político de todas as religiões, concebidas como os vários aspectos da religião do Espírito, cujo Evangelho, definitivo, terá por língua o Português. Não se trata agora de desenvolver a plena vocação universal do cristianismo, mas de considerar uma nova religião. Como, no ano seguinte, dirá em “Nota a cinco fascículos”: «foi até agora a Igreja Católica uma parte da Igreja Cristã; consistirá fundamentalmente a metanoia em ver a Igreja Cristã como uma parte da Igreja Católica, de quem sejam outros componentes os anglicanos e os budistas».
Porém, ainda em 1971, em Goa – Cadernos Teológicos, o seu heterónimo Frei G. H. desconcerta-nos, ao afirmar da religião do Espírito Santo: «é coisa que acho nunca poderá haver, embora se lhe possa prestar culto dentro de outras religiões», pois «o Espírito Santo é o centro abstracto, o ponto simultaneamente ideal e existente, só pensado e real, em que se encontram todas as religiões; como o ponto importante e indispensável de uma roda é exactamente aquele que nela se não move, assim toda a actividade religiosa vem do Espirito, nenhuma religião é sem ele concebível e todas a ele se dirigem».
Três anos depois, será com aparente relutância que Agostinho escreve “Sobre Ideia de Deus”, texto em que a influência de Sampaio Bruno vai muito para além do título. Com efeito, o que pensa sobre esta matéria reproduz a teologia de Frei G. H. E acrescenta:
«Mas há outra razão que me tem feito guardar silêncio sobre o assunto, imitando o que fez aquele lendário, ou não, rei romano, ou etrusco, que para o fim da vida adorava a deusa Tácita, e não imitando os mestres zen para consumo da Califórnia, que, com as melhores intenções do mundo e aumentando ao mesmo tempo a felicidade espiritual de Mr. Jones e o depósito no banco, nos declaram que sobre o Absoluto nada há que dizer, e o dizem abundantemente em volumes anuais desprendidos e gordos. É que efectivamente só podemos falar do que é relativo».
E que nos diz ele a este propósito?
Não nos devemos iludir com a aparência de algum vocabulário vinculado à teologia cristã. Agostinho pensa como um cabalista. Ao distinguir Deus, ou o Espírito, ou o Absoluto, da pessoa do Pai, o filósofo põe a Trindade como uma emanação, pois, conforme escreve, «o mundo explode de Deus, ou Deus explode em mundo», e um cabalista falaria aqui do Ein Sof e da árvore das sephiroth que o manifesta. Na verdade, a ideia da criação ex nihilo é incompatível com um Deus absoluto de cuja totalidade nem mesmo o mal Agostinho se permitirá excluir, e um cabalista falaria aqui de Geburah. E ao lembrar que, em física, a expansão e a contracção do Universo são simultâneas, evoca o modelo cosmogónico da actividade divina que, segundo a Cabala, tornou enfim viável a existência do mundo.
É bom que se fale aqui de esoterismo, ou não confessasse o ecuménico Frei G. H. o seu desejo de ir aprender sufismo em Ormuz; e não entrevisse Agostinho um deus imanente em cada homem. Quando, em Educação de Portugal, proclama que «ecumenismo não é contrato, é vida», e «lhe serão sacramentos símbolos só», e considera «todas as religiões como os vários aspectos» da religião do Espírito, antecipa e amplia o Contributo maçónico para o diálogo entre as religiões do Livro, estudo em que André Benzimra intenta recuperar o grande segredo de reconciliação desses Templários tão do apreço de Agostinho que bebiam o mesmo vinho dos sufis e dos cabalistas.
O diálogo, quase nunca ensaiado, do seu ecumenismo religioso com a gnose da iniciação poderá ser proveitoso. Só o esoterismo, que considera os princípios, permite realmente a superação dos dogmas. Se, como Agostinho imagina, «Deus brilha no reverso das medalhas exactamente como no anverso», e se o esotérico está para o interior como o exotérico para o exterior, talvez em tudo isto se vislumbre um sentido preciso para o convento ecuménico de Frei G. H., onde de cada um se espera que se aprofunde tanto na sua religião que encontre as dos outros.
Extremamente ambicioso foi esse ecumenismo, ao pretender abarcar o candomblé, o agnosticismo e o ateísmo, quando se poderia ter cingido ao que, então como hoje, lhe estaria mais próximo e seria mais urgente: o conflito entre judeus e árabes. Mas a verdade é que Agostinho, na sua prospectiva da década de 70, quase sempre omite o judaísmo; e já nos anos 50, em Reflexão, chegara a recuperar, com evidente acrimónia, a polémica teológica cristã medieval contra os judeus. Ainda aqui, por um presumível recalcamento marrano, revela-se Agostinho medularmente português. Pena foi que não tivesse podido relacionar «os desterrados religiosos» que foram construir o Brasil com a difusão perene, em terras de Vera Cruz, do culto do Divino, para o que lhe faltou conhecer os estudos paulistas de Anita Novinsky e ter prestado atenção ao que Moisés Espírito Santo lhe poderia mostrar.
A fazer fé em Frei G. H., duas convicções parecem mover Agostinho nos vastos territórios que vimos percorrendo: «uma, a central, alicerçada, além de tudo, pelo que meditei no candomblé da Casa da grande Olga de Alaketu, e que é a da Fé que me liga às crenças joaquimitas e, portanto, às mais puras das dos nossos povos de origem portuguesa ou ao português aculturados; a segunda, periférica, a de procurá-la e encontrá-la em todas as religiões, quer as do Deus Ausente, quer as do Deus Presente.»
Nesta relação, necessariamente hierárquica, entre o centro e a periferia, de novo se confrontam o «rijo cerne da hombridade» propagado pela irradiação da plasticidade e a tendência dissolvente do que, nesta, é já receptividade. Entre avanços e recuos, todo o drama hesitante de Agostinho da Silva, de que fomos colhendo sinais, se joga aqui.
Bem mais do que as filosofias dadas aos prelos, prezava ele as «vidas filosóficas». Neste sentido, o testemunho com que quase termino será da maior relevância, se nos lembrarmos de que, para Agostinho, pelo «Filho, divino, sacrificado e salvador», pôde o homem «na sua dor ter companhia»:
Um dia, recebi em casa um telefonema de um senhor que se dizia filho de Agostinho da Silva e que, soube-o depois, exercia o múnus de Professor Universitário no Brasil. Diz-me quem era e o que pretendia: “o meu pai sempre nos pediu que não o deixássemos morrer sozinho. Com isto queria significar que desejaria um sacerdote nos últimos momentos da sua vida”. E acrescentou: “tendo em conta as conversas que tínhamos a seu respeito, julgo que ficaria contente, se o sacerdote fosse você”. Claro que disponibilizei-me de imediato (fosse quem fosse o Agostinho que precisasse de mim). Apresentei-me logo no Hospital S. Francisco Xavier. Sorriu, tomou a minha mão e mostrou vontade de falar o que, naquele momento, já lhe era impossível. Mantive com ele um diálogo gestual, que resultou em pleno. No fim, com o seu consentimento, administrei-lhe a Unção dos Doentes e dei-lhe a Absolvição geral. Não tenho capacidade para exprimir a emoção e a alegria dos dois.
São palavras de Dom Manuel da Silva Martins, Bispo, hoje Emérito, de Setúbal. Por elas porventura se verifica que, no fim da vida, Agostinho refluiu ao «rijo cerne da hombridade», o qual, como ensinou Cortesão, significa «inteireza de carácter, tenacidade e fidelidade a todas as tradições da terra e de uma cultura multissecular».
Foi Agostinho aquilo que era. E assim se se cumpriu Português.
* Comunicação apresentada ao "Dia Literário Agostinho da Silva", que se realizou no dia 24 de Setembro de 2017, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém.
«OS MEUS PREFÁCIOS». 13
18-09-2017 10:11Apresentação de Vigília Ardente,
de Carmo Martins[1]
Há, na província, espíritos assistidos pelo génio poético, que, por dificuldades editoriais, se vêem obrigados a perder alguns dos seus melhores poemas em páginas de jornais que nunca mais ninguém volta a ler e guardam os restantes num dossier onde sonham o seu primeiro livro. São os mais genuínos, porque escrevem sem a compensação do aplauso. Mas, quando a obra é válida, isto é, quando traz em si aquele elemento misterioso que espiritualiza a humanidade, mais tarde ou mais cedo, às vezes só depois da morte, as circunstâncias compõem-se para os tornar conhecidos do mundo.
Finalmente, após muitos anos de ansiedade dos amigos, entre os quais tenho a honra de me poder contar, reuniram-se os factores concorrentes para que Carmo Martins pudesse publicar o seu primeiro livro.
Anuncia-se nele um poeta da estirpe de Mário Beirão, Florbela Espanca e Azinhal Abelho. Citamos três poetas nascidos no Alentejo, entre sobreiros e azinheiras, nesta terra que o espírito parece ter abandonado mas que tem na largura dos horizontes o sinal de uma infinita esperança. Teixeira de Pascoaes escreveu do alentejano que esqueceu Maomé e não chegou a conhecer Jesus. Mas Leonardo Coimbra, passando um dia por Estremoz, viu, numa tarde, de sol alucinante, a luz do Alentejo como a energia em que fraternizam todos os seres.
Carmo Martins nasceu em Monsaraz, como Azinhal Abelho na Orada e Florbela em Vila Viçosa. Nessa pequena vila, outrora desconhecida e esquecida, que hoje o turismo descobriu para os estrangeiros, viveu descuidadamente o fluídico perpassar dos dias «que brotam da rocha viva, da fonte original». O extraordinário poema “Elegia do Tempo Quebrado” conta-nos como, aos dez anos, na crise da puberdade, a criança, que então era, de súbito se sente acordar para o sentido do mistério da vida e das coisas. Aconteceu assim que a estrada de Damasco é agora a estrada que sobe até Monsaraz ladeada de amendoeiras e desce, por córregos, até ao Guadiana em cujas águas se reflecte o passado e as eras mortas.
Todos os altos, sobretudo nas grandes extensões planas, são altares. Ainda as águas do rio fluíam na sombra, já os primeiros raios do sol doiravam Monsaraz e a flor das suas amendoeiras. É entre o sentimento de um nascer que é morrer e o da morte, no alto da estrada onde esplende a manhã, que decorre a visão poética de Carmo Martins. A sua vida interior é uma viagem de inquietação, de reflexão, de procura e o poeta nem pela contemplação da natureza encontra o sossego ou a quietação porque «todas as criaturas gemem».
Todavia, da leitura deste livro não se sai manchado de pessimismo, mas rico de uma nova espiritualidade. O poeta tem o dom da atenção perfeita, uma atenção que se prolonga e mantém da coisa vista para a palavra que a há-de traduzir. Se é um facto que todas as criaturas gemem, não é, no entanto, pela dissolução dos seres no absoluto da matéria, como advogam certos cientistas, ou no absoluto do Ser divino, como querem os orientalistas, que se conquistará a Paz. O valor do Cristianismo reside, em grande parte, no reconhecimento de que cada criatura possui a sua singularidade, indispensável na economia dos mundos. O mal não está em ter nascido. Todos os sinos tocam quando uma criança nasce. O mal está em contrariar o impulso divino da criação.
Gostaria de exemplificar este e outros aspectos com os versos a que correspondem, mas uma apresentação não é um estudo crítico. O leitor não lê um livro de poesia, sobretudo de lírica, como lê um livro de prosa, do principio ao fim, seguindo o itinerário marcado pelo autor. Folheia-o como quem desfolha. Aqui lê um poema, ali outro. Se gosta, continua a ler. Muitas vezes nem chega a sair da livraria onde vai comprá-lo. É esta a razão porque a poesia se vende tão pouco. Compra-se o que já está consagrado ou o que foi objecto de uma propagada bem conduzida.
O livro de Carmo Martins segue um plano significativo da ideia expressa no título, pelos seguintes passos: Deus, Infância, Poeta, Natureza, Inquietação, Conditio Moriendi, os seis momentos da vigília da alma.
Não é, pois, Vigília Ardente uma colecção de poemas que se terão juntado para satisfazer o volume ou a quantidade requerida para formar livro. Importa, por conseguinte, lê-lo de princípio a fim, embora cada poema valha por si próprio.
E o autor? Conheço-o bem melhor através do que escreveu do que através dos já longos anos durante os quais me tem sido dado conviver com ele. Vivemos ambos em Estremoz. Encontramo-nos por vezes à noite, depois do jantar, no Café. Acompanha, tranquilo, a banalidade das conversas no grupo que se forma nas mesas perto do balcão, como se o seu espírito fosse tão banal como elas. Ninguém suspeitaria que estivesse ali uma alma superior, cheia de abismos e luz, se não fosse bem sabido que a preocupação de ter conversas intelectuais é quase sempre o sinal de um espírito superficial. «Falemos de casas»...
António Telmo
VERDES ANOS. 28
06-09-2017 13:03Muito recentemente, o escritor e editor Luiz Pires dos Reys, a quem muito agradecemos, deu-nos conta de um artigo publicado por António Telmo no Diário Popular, em 18 de Abril de 1956, que não se encontrava ainda identificado e incluído na sua biografia. Temos hoje o privilégio de o dar a conhecer ao leitor. Este escrito será, evidentemente, integrado no Volume VIII das Obras Completas de António Telmo, que sairá a lume ainda no semestre em curso.
ESCRITORES FIGURAS DE RETÓRICA[1]
Não há quem afirme a possibilidade de se ser artista plástico sem a correspondente habilitação técnica, habilitação de que, pelo contrário, é geral convicção poder prescindir-se nas artes da palavra. Tudo leva a pensar, porém, que a decadência que se verifica, hoje, na literatura, – decadência denunciada, sobretudo, no predomínio do lirismo e da crítica literária –, deriva, em grande parte, da falta de estudos estilísticos.
A estilística, numa definição larga, é uma técnica, é a mecânica da palavra Está demonstrado que falharam as várias tentativas para dissociar o pensamento do seu elemento mecânico, pois, de algum modo, o escritor, filósofo ou poeta, se há-de exprimir por ritmos, por figuras, por fórmulas. São elucidativos neste ponto os magníficos estudos de Jean Paulhan.
Na poesia, são os líricos quem mais combate o valor da estilística. De todos é conhecida a polémica entre passadistas e modernistas sobre o problema da métrica, da rima e do ritmo. Procuraram os últimos abolir da poesia estes elementos, reagiram os primeiros, arrastando, uns e outros, uma luta improfícua. Não se reparou, então, que as duas posições colaboram no mesmo erro, o de considerarem o metro, a rima e o ritmo formas exteriores impostas à poesia. Combatendo ou defendendo tais formas, não viam que elas constituem elementos estruturais da poesia e que, portanto, não são uma coisa que se possa usar ou não usar. Tal equívoco teria, porém, de surgir, uma vez que os passadistas estabeleceram e fixaram leis contraditórias com a originalidade, espontaneidade e fluição da criação poética. Hoje, essa é uma polémica que perdeu actualidade.
O problema para a nossa geração põe-se noutros termos, o de saber quais os ritmos, metros e rimas em que naturalmente se exprime o génio da língua. Neste campo, como noutros, Teófilo Braga aparece como precursor, ao dizer que se toda a língua tem uma fonética também tem uma poética. De facto, é insustentável a posição dos passadistas aplicando leis idênticas a línguas diversas. A verdade é que não sabemos como se esconde a nossa poesia. Remetemos o leitor para o Tratado de Versificação de Amorim de Carvalho, trabalho inovador em muitos aspectos.
O erro dos passadistas consistiu em se atender menos à expressão oral do que à expressão gráfica da poesia. O erro dos modernistas consistiu em não se ver que o metro, o ritmo e a rima – a qual também é aliteração – como elementos estruturais que são da poesia, conquanto ocultos à análise da expressão gráfica, se revelam ao ouvido, uma vez lidos os versos em voz alta. Só assim e compreende que, havendo-se esquecido que a poesia é para ser ouvida e não lida, cantada e não soletrada, se tenha, por um lado, escandido por unidades silábicas, – coisa absurda, visto que a sílaba não constitui elemento musical –, e, por outro lado, no caso dos modernistas, se tenha desprezado o efeito encantatório da poesia a favor dum seu conceito como expressão de sentimentos e até de ideias.
A poesia, permita o leitor a banaldiade, é uma forma de encantamento, mas tão evidente observação é, muitas vezes, esquecida, talvez, repetimos, porque lemos, mais do que ouvimos, os poetas. Adormecemos perante a forma impressa. Desconhecemos o valor do que é oral, a sua potência encantatória. Queremos dizer que a atenção do leitor é desviada para a análise da expressão a ponto de não suspeitar sequer que, se a força das intuições poéticas lhe é transmitida, o é, mesmo durante a leitura, pela audição mental.
Tal descrédito da estilística é estimulado, na prosa, pelos escritores de tendência idealista. O leitor notou que, tanto na atitude dos metricistas, como na dos líricos adversários, está implícita uma noção pitagórica do ritmo, que exclui a noção aristotélica de potência. Atitude idêntica é a que se refere à estlística nas suas relações com a prosa.
Referir-nos-emos somente à negação da eloquência, a qual, a partir dos românticos, foi decaindo até degenerar na conferência ou na palestra, primeiramente escrita e depois lida, numa voz que estabelece entre aquele que fala e o que escuta uma relação em que não há transmissão vivente de imagens, mas prévio acordo ou desacordo de noções, visto que já antes o ouvinte sabe o que vai dizer-se. A arte da dicção, que gradua a voz desde a palavra velozmente ciciada até à palavra proferida com força e destacada como um corpo que se arremessa, é arte que, se continua ser ensinada pelos eclesiásticos, não tem, no corpo do Estado, um estabelecimento que a inclua nos seus quadros de ensino. Tem-se muitas, inúmeras vezes, denunciado a influência da cultura francesa entre nós, tem-se atribuído essa influência às qualidades da língua que a transmite, a sua clareza, a sua nitidez, a sua precisão. Tais qualidades até constituem argumentos contra o valor da eloquência, a favor do frio intelectualismo que dissocia o pensamento das imagens. Mas a língua francesa, inapta para a poesia em virtude da identidade dos seus elementos sonoros, é uma língua de oradores e, mesmo na expressão escrita, influi pela repetição de sons de igual tonalidade, pelo seu incessante martelar, pelo rimar constante das sílabas terminais carregadas de sonoridade. O prosador francês não tem, como o prosador português, de obedecer à regra que manda evitar a rima, regra, de resto, discutível mesmo em língua portuguesa.
Assim, na poesia e na prosa, o prestígio do escrito fascina literatos e filólogos a ponto de não verem a verdadeira função da estilística. As metamorfoses da imagem em forma, figura e fórmula, em som, letra e número, desde o canto épico e a oração eloquente até à expressão seca e descarnada das matemáticas, não só nos elucidam quanto à significação da técnica pitagórica, como quanto à da arte aristotélica. A língua é, com efeito, o mecanismo do pensamento, em sua natureza de mediatriz contraditória da ingenuidade e da sinceridade das almas líricas. Intriga quem medeia, quem intermedeia, como no mundo social, os espíritos casamenteiros. Nesta força negativa da língua, que vela ou mente a pureza do espírito que sente e pensa há, no entanto, uma necessidade a que não pode furtar-se o poeta e o prosador sob pena de esterilidade e de infecundidade. Entre o fixismo da expressão medida e formular e a intuição original que arrebata o pensador, desenrola-se um movimento que se propaga aos outros seres, ao leitor ou à leitora, ao ouvinte ou à ouvinte do poema ou da prosa admirável. Mas sem o domínio da língua, sem estudos estilísticos, sem a meditação do movimento epopaico, o escritor decai forçosamente na expressão fixista, é conduzido, absorvido e arrastado no próprio automatismo das frases feitas, dos lugares-comuns, das associações de imagens correntes na sociedade de espíritos a que pertence.
Voltamos assim ao início deste escrito. Sem habilitação técnica não pode o artista desempenhar integralmente a sua missão. O que é verdade para as artes plásticas é-o muito mais para as artes da palavra, embora a aparência diga o contrário. A língua é uma matéria mais subtil do que as tintas e a pedra, mas por isso exige do artista uma também mais subtil preparação técnica. Enquanto se desconhecer isto, enquanto os literatos desconhecerem isto, a profissão de escritor será desdenhada e os escritores considerados adornos e ornatos, figuras de retórica.
António Telmo
[1] Diário Popular, suplemento Letras-Artes , ano XIV, n.º 4861, Lisboa, 18 de Abril de 1956, pp. 7 e 15.
«OS MEUS PREFÁCIOS». 12
06-09-2017 10:15
Prefácio a Demasiado (too much), de João Fortio[1]
Criador de imagens pelo desenho e pela cor, de figurações em azulejos, de formas de barro, João Fortio surpreende-nos agora, depois dos cinquenta, como escritor, proeza rara nos pintores portugueses, incapazes quase sempre de seguirem o alto exemplo de Almada Negreiros. Bem se sabe que há pintores e pintores. Há aqueles que são só olhos e mãos e aqueloutros, superiores, que o pensamento ilumina e move, mãos e olhos. Como é o caso do próprio Fortio nos seus quadros, do ignorado Carlos Aurélio e do muito celebrado Espiga Pinto. Todos alentejanos, todos filhos da cólera e do amor.
O livro de João Fortio não perde na comparação com os seus quadros, os seus desenhos, os seus azulejos, ainda quando tenha nestes figurado uma Isabel de Portugal sem paralelo na vasta iconografia da Rainha Santa.
“Demasiado” não é demasiado. Lê-se, de atenção subjugada, do princípio até ao fim. O autor escreve conversando com o leitor como consigo mesmo num estilo inconfundível, contando-nos uma história que é a da própria humanidade no fim dos tempos. E, embora essa história se envolva de fantasia, é esta tão verdadeira que não podemos deixar de tomar consciência, através dela, da realidade que hoje vivemos dolorosamente na religião, no ensino e na política.
23 de Outubro de 2007
António Telmo
EDITORIAL. 14
21-08-2017 00:04Sob o signo do sete
Passam hoje sete anos sobre o dia que António Telmo partiu para a grande viagem. A sua ausência é só uma aparência. O filósofo está cada vez mais presente, nomeadamente junto das novas gerações, que todos os dias descobrem a sua obra, as suas obras, o legado do seu pensamento, o exemplo de uma vida aventurosa e extraordinariamente singular.
Sete, esse número tão constante na vida e na posteridade de Telmo. Nasceu em 1927, setenta anos depois de Sampaio Bruno, cinquenta depois de Pascoaes. Tinha, pois, trinta anos quando, em pleno centenário brunino, ingressou, com a sua geração, na odisseia do jornal 57; e cinquenta quando um discreto furor envolveu a aparição da História Secreta de Portugal.
Sete é o número simbólico da plenitude mas, no caso de Telmo, será sempre possível ir mais além. Sete foram os volumes já publicados nas suas Obras Completas, mas, ainda este ano, será publicado o oitavo volume, agora a ser ultimado no plano da edição literária: História Oculta de Portugal precedida de No meio do caminho da vida e Os meus prefácios. Dos materiais que da História Oculta de Portugal até nós chegaram, publicamos hoje o que parece ser a introdução de um livro que, com diversa feição, viria a ser a História Secreta de Portugal.
Também um novo título da Colecção Thomé Nathanael – Estudos sobre António Telmo sairá a lume em 2017. Trata-se de um livro de Risoleta C. Pinto Pedro, que reunirá vários ensaios sobre a obra do filósofo da razão poética.
Paralelamente, a revista Nova Águia irá publicar no seu próximo número, ainda neste Outono, um inédito télmico. Para breve estará também a publicação, nas Actas do mais recente Colóquio Luso-Galaico sobre a Saudade, da correspondência de Afonso Botelho para António Telmo.
Já no próximo dia 2 de Setembro, no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha, a tarde será de Telmo, numa sessão que contará com a presença de António Carlos Carvalho, Risoleta C. Pinto Pedro e Pedro Martins. E, até ao final do ano, As Artes da Misteriosofia assinalarão, na sede da AMORC, em Lisboa, o nonagésimo aniversário do nosso patrono.
Entretanto, muito está ainda por descobrir e por estudar nesse infindável tesouro que é a obra de António Telmo. Disso é exemplo a notabilíssima recensão, até agora esquecida, que Luís Furtado Guerra publicou em 28 de Março de 1964, no jornal O Debate, sobre a seminal Arte Poética, e que agora publicamos nesta página, aqui agradecendo, penhoradamente, a Pinharanda Gomes a preciosa indicação que desse escrito nos deu.
Uma palavra final de agradecimento e carinho para a família de António Telmo, na pessoa da Dr.ª Maria Antónia Braia Vitorino. A ela se deve ter sido possível tudo quanto se tem feito. Bem-haja!