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VOZ PASSIVA. 111

31-08-2020 21:10

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

António Telmo, um homem singular

(Testemunho em verso ao jeito popular)

Maria Antónia Braia Vitorino

De caminhar

Calmo e lento,

Desatento

Ao cumprimento

Não ouvido,

Distraído

A olhar a beleza

Da árvore, da flor:

A Natureza!

Sem ambição

Do que é vão

Amava a Filosofia

Que fez dele escritor.

Simples, sem vaidade,

Gostava desta cidade

Onde foi professor.

Convivente,

Apreciava a companhia

P’ra conversar com humor.

Seus hobbies: caçar e bilhar.

Era alguém diferente

Do habitual.

Espírito livre, aberto,

Discreto mas “inquieto”

A dialogar

C’o pensamento.

Um ser ILUMINADO

Que olhava Além

Um mundo IMAGINAL

Pr’alcançar o ESSENCIAL.

Inteligência invulgar

De um saber vasto e pensado.

Uma eloquência

Excepcional!!

De suprema intuição,

Num ápice, a solução!

Sem pedir, nem procurar,

Convidado p’ra professor

Dentro e fora do país

A fundar uma Escola

Que dirigiu como quis.

Granjeou uma reputação

Que o levou a inspector

Da Educação

Durante a Revolução.

Uma Escola simpática

E a mais democrática

Que Agostinho encontrou

Dentre as que visitou.

Em merecimento

Sesimbra seu nome deu

A uma rua.

Também Estremoz

Onde viveu e morreu

Numa rua sua

Seu nome pôs.

VOZ PASSIVA. 110

31-08-2020 20:10

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 

(7) Páginas Autobiográficas

 

Não sei se fui o que recordo ali:

Menino em fuga com leão ao colo,

Dado por Deus na África onde ardi,

Antes de ver avô rumar ao solo

 

Em Almeida, onde nascera antes.

A Senhora da Manta que não vi,

Ocupou por nítidos instantes

O menino assustado que sorri

 

E hoje envia ao fantasma de então

Memória, luz, compaixão, perdão,

Desenhando ainda na parede branca

 

De minha tia em Alter-do-Chão,

Com ervinha verde e trémula mão,

O quadrado que o mal dizima e espanta.

VOZ PASSIVA. 109

24-08-2020 22:25

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Duplo decálogo

Miguel Real

 

O DECÁLOGO TELMIANO

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da tradição primitiva de uma sabedoria vinculadora da ligação entre a cultura oriental e cultura ocidental (Dalila Pereira da Costa);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da tradição oculta vinculada à mensagem espiritual presente no Evangelho de São João, posteriormente subvertida pela Igreja de São Pedro (Pedro Martins);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da tradição prisciliana da Igreja Lusitana (T. de Pascoaes, Sampaio Bruno);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da tradição da Ordem do Templo (os templários), transformada por D. Dinis em Ordem de Cristo – fautora da empresa dos Descobrimentos;

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da religião do Livro (judaísmo, cristianismo e muçulmanismo) anterior aos finais do século XV (expulsão de judeus e mouros);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da mensagem paracletiana do abade Joaquim de Fiori ou da III Idade do Mundo (o Império do Espírito Santo de Agostinho da Silva);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo da teoria do V Império (Bandarra, pe. António Vieira e Fernando Pessoa);

 

  1. – Portugal como nação-abrigo dos “Fiéis do Amor” (Camões, Grão Vasco, Sampaio Bruno);

 

  1. – Portugal como nação-eleita da História do Futuro, de pe. António Vieira;

 

  1. – Portugal como nação-eleita de Os Lusíadas, de Camões, e de Mensagem, de Fernando Pessoa.

 

 

 

SEGUNDO DECÁLOGO

 

ANTÓNIO TELMO – O CONTINUADOR DE PESSOA

 

O vento perguntou a Fernando Pessoa?

  1. – Quem, Pessoa, seguiu o teu caminho da serpente?
  2. – Quem, Pessoa, seguiu os teus estudos sobre a Kabbalaah?
  3. – Quem, Pessoa, seguiu os teus estudos sobre a Rosa-Cruz e o Rosicrucianismo?
  4. – Quem, Pessoa, voltou a desenvolver os teus estudos sobre a Filosofia Hermética?
  5. – Quem, Pessoa, foi de novo Iniciado, neófito, dos rituais antigos?
  6. – Quem, Pessoa, se tornou cristão gnóstico?
  7. – Quem, Pessoa, desenvolveu de novo o sexto e secreto sentido?
  8. – Quem, Pessoa, se devotou intensamente ao ocultismo, tornando-o a sua filosofia principal?
  9. – Quem, Pessoa, celebrou de novo o Templo e o templarismo?
  10. – Quem, Pessoa, cantou de novo o Quinto Império camoniano e vieirino?

 

E Fernando Pessoa respondeu ao vento:

 

- Só conheço um pensador português que o tivesse feito: A. T., as suas iniciais. Por vezes, lendo-o nas alturas, confundo os seus escritos com os de uma senhora do Porto: D.P.C., as suas iniciais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOZ PASSIVA. 108

24-08-2020 21:25

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro

 

 

(6) Luís de Camões e o Segredo dos Lusíadas

 

É outra a ilha, outro é o mito.

Hermeneuta, nauta e cavaleiro

Ouve de longe de Camões o grito

Do poeta vagalume, do guerreiro:

 

“Que leia mais do que vê escrito”!

É difícil escrever com Roma à frente!

A verdade do Amor só sai em grito,

Soletrada ao contrário pelo crente.

 

Esconder o que escondeu, não é de ateu,

Mas de quem nessa ilha viu o céu.

Se a imagem da mulher desperta Deus,

 

Que dizer destas deusas, Prometeu?

É de amor a cantiga, esconde o véu,

Revelando ocultamente o gineceu.

 

 

VOZ PASSIVA. 106-107

21-08-2020 00:21

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

____________

António Telmo, Mara Rosa (retrato a carvão)

 

____________

 

Na morte de António Telmo

António Cândido Franco

 

À esquina o nome do lugar.

 

Na porta a declaração de óbito

e uma fotografia a preto e branco.

 

Um homem de óculos

de ar impenetrável e amplo.

 

Na capela uma caixa de pinho

embrulhada em veludo preto e

coberta com um pano cor de vinho.

 

Por cima pétalas e rosas.

Aos pés duas batas de flores.

 

Diante o altar com crucifixo em lata.

No nicho em pau as santas do lugar.

 

Ao cimo um Cristo triste no Calvário

com cruz e espinhos.

 

Nos bancos corridos

sombras negras que compõem o cenário.

 

 Um grupo de amigos caminha e avança.

No centro a caixa preta de pinho.

 

O Filósofo é agora o tapete

 à volta do qual se vive o transe.

 

No silêncio hierático e puro

da sua boca selada pelo não ser

brilha o azul incriado do verbo escuro.

 

Morte, mistério da iniciação.

 

E numa rosa quente, a arder

que alguém lhe pôs à altura d’ coração

explode a luz em fogo do Oriente.

 

 

22 de Agosto de 2010

INÉDITOS. 97

21-08-2020 00:07

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

A ciência é o que menos importa quando descobre aquilo que a nega[1]

 

Mais uma vez me acontece ficar a olhar maravilhado para a iluminura do manuscrito persa com a paisagem da Ilha do Amor imaginada por Luís de Camões.

O meu livro Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões foi um insucesso. Nem o facto de ter sido escrito pelo autor da História Secreta de Portugal contribuiu o que quer que fosse para atrair a simpatia do leitor. O maniqueísmo é uma doutrina condenada. O Príncipe dos poetas maniqueu!

A partir daqui as pessoas não vêem mais nada. Nem sequer se interrogam se o seu conceito de maniqueísmo que divide o universo entre dois princípios antagónicos corresponde ao que facto ele foi no mundo persa.

Pus a palavra no título associando-a a Camões, julgando que assim atraía o leitor escandalizado para a leitura de um livro onde descobriria a beleza sem par da espiritualidade daquela Pérsia que o poeta tinha por gloriosa.

Estava convencido de que, quando esse leitor verificasse a espantosa coincidência entre a paisagem do manuscrito e a paisagem da Ilha do Amor poria em questão tudo quanto até agora se escreveu sobre as “fontes” camoneanas. Não vivemos num país culturalmente sério. Não é verdade que os positivistas façam a história sobre os documentos. Eles arranjam os documentos que possam mostrar o que pensavam previamente da história. Em terra de científicos, a ciência é o que menos importa quando descobre aquilo que a nega.

 

António Telmo    



[1] Nota do editor – O título é da nossa responsabilidade.

 

VOZ PASSIVA. 105

21-08-2020 00:05

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

A Voz

Maria Antónia Braia Vitorino

 

Bem timbrada

Bem colocada

Atraía

Seduzia

Encantava

Quem ouvia!

Telmo usava

Improvisação

Ao expor.

Chamava

Mais atenção

Ao espectador.

Articulava

Pausadamente

Com boa dicção.

Olhava de frente

P’ra quem assistia

Àquela sessão.

Tudo se percebia.

Rosto erguido

Sem baixar

Nem virar

A cabeça.

Tudo era ouvido.

A intenção era essa.

VOZ PASSIVA. 104

20-08-2020 23:46

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Dez sonetos para o Filósofo da Razão Poética

Risoleta C. Pinto Pedro


 

(5) A Verdade do Amor

 

É na verdade que o Amor persiste

Adoração que nasceu em mim.

O Espírito nega, antes do fim,

A emoção que no pensar consiste.

 

Por via de Platão e Leonardo,

Memória, imagens que Bergson acorda,

Do N de Natália, aonde o bardo

Conduz Narciso, cujo beijo aborda.

 

Sendo a paisagem, para quem medita,

A montanha ladeada de ciprestes,

Nada faz pensar que a turbulência habita

 

Metistófeles, sob desvairadas vestes.

A força do nome que lhe pôs o Mestre

Soterra-o na treva do desdém terrestre.

 

VOZ PASSIVA. 103

20-08-2020 23:36

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

E se falássemos de António Telmo?

Pedro Martins

 

 

«Todos quantos podem dizer «nós» pensando na sabedoria esotérica que permitiu à Faculdade de Letras da Universidade do Porto ser uma escola esotérica serão capazes de pressentir, se não o souberam já, o que o discípulo de Leonardo Coimbra pretendia dizer ao invocar o nome de Hermes. A existência de uma sabedoria hermética, demonstrada neste estudo, sabedoria não inconsciente mas subconsciente à filosofia portuguesa, ao ser descoberta poderá traumatizar quem entrou na escola de Leonardo Coimbra pela porta da ortodoxia. A fidelidade ao ensino só poderá manter-se com o reconhecimento do que lhe aparecerá como terrível e inevitável. Qualquer subterfúgio para iludir a verdade frustrar-se-á perante os textos. Será talvez tarde para recuar, mas, se persistir, ao reconhecimento, no sentindo aristotélico da tragédia grega, seguir-se-á a catástrofe e, por fim, havendo coragem e inteligência, a entrada em Colona, onde Édipo, pela mão de Antígona, filha do incesto, ainda hoje exerce a medicina perfeita.»

 

                        António Telmo, in “As Tradições Heterodoxas da Filosofia Portuguesa”

 

 

O nacionalismo místico que António Telmo professava de modo confesso prestou-se por certo a equívocos que dele, porém, nunca partiram e de que o filósofo, de resto, se soube sempre precatar. Baste a leitura das primeiras páginas da História Secreta de Portugal para se perceber que nunca o seu nacionalismo foi um nacionalismo político, naquele sentido nefasto que ensombrou o século XX e o mundo civilizado se encarregou de apostrofar.

Ser Telmo nacionalista em mística, termo aliás equívoco, cujo significado se degrada quando o restringem ao domínio da religião, há-de parecer tão legítimo quanto o sê-lo em música um Lopes-Graça; mas esta asserção, que, em sua verdade, deveria parecer óbvia, talvez suscite hoje o esgar policial de uma chusma energúmena para quem mesmo o patriotismo (afinal, uma questão de amor próprio, um modo matinal de enfrentar o espelho) constitui crime hediondo. Terão também de se haver com Portugal, Razão e Mistério, de António Quadros, obra maior desse lídimo interlocutor de Telmo, agora regressada, na plenitude possível, aos escaparates de todo o país.

Não que Telmo curasse de quaisquer soslaios. Nivelando Sérgio por Salazar na balança escandalosa com que aferia a massa plúmbea da nossa decadência, sabia bem o filósofo, para quem a imparcialidade, como por mais de uma vez lhe escutei, era uma condição sine qua non do filosofar, quanto iria afrontar os modos instituídos de pensar.

São assim os livres-pensadores religiosos, atreitos aos códigos austeros do ocultismo que transcende os dogmas. Congeminado sem baias, afrontam os áulicos do fanatismo, esses milionários da fé, como dizia Pascoaes; inscrevendo a palavra Deus no horizonte das suas ideias, decepcionam o fanatismo dos áulicos, tão cheios de si como de verdades chãs.

Distante o fátuo proselitismo da estearina bafienta que aspirava a envolvê-lo, e cujos fautores, afeitos ao comércio de tronos e altares, enfim hauriram as consequências implicadas no excerto de Filosofia e Kabbalah dado à epígrafe destas linhas, o legado de Telmo, na senda de Bruno, Leonardo, Álvaro e Marinho, Eudoro e Agostinho, oferece-se então como porto de abrigo a quantos, sem perda ou ganho de credo próprio, se recusem a aceitar, sem mais, a institucionalização academicista da filosofia portuguesa pelo prisma redutor de um certo leonardismo tardio, a qual, de resto, já hoje arrosta o embate malsão de tensões intestinas cujo centro de gravidade, mostrando-se alheio, e mesmo adverso, ao cerne soberano da Escola Portuense, a esta, por isso mesmo, não hesita em impugnar-lhe a própria existência.

Caso este muito para meditar, o de uma improvável guerra civil, que se diria prestes a eclodir, entre díspares prelaturas, quando o móbil do prélio seja, afinal, um vergel gizado entre o filo-judaísmo redentorista com que Sampaio (Bruno), em seu anelo messiânico, tende, n’O Encoberto, à exaltação da Ordem Maçónica, e o sublime escândalo ebionita que Álvaro Ribeiro re-velou em A Literatura de José Régio. Pois se não for sobretudo isto, senhoras minhas e meus senhores, a filosofia portuguesa, que quereis vós que ela seja?

Se o canto das sereias usa causar naufrágios, a arca de Noé impõe-se ao dilúvio. Por estes dias, António Telmo pode bem ser tido por um autor ignorado da maioria e da multidão. Mas por submersa, ou subterrânea, que a sua influência seja, nem por isso será menos luminosa. E, como o filósofo não raro lembrava, é na obscuridade que as grandes transformações se dão.

VOZ PASSIVA. 102

18-08-2020 21:28

ANTÓNIO TELMO, DEZ ANOS DEPOIS

 

Trilogia das naus

- Evocação de António Telmo

Uma década de serviço e de saudade

Eduardo Aroso

 

I

Estremoz foi cais de partida.

Dez naus largaram rumo

Ao que se há-de cumprir.

O lugar alarga-o a ideia

O arquétipo do poder-ser.

Dez naus levam a bordo

Pobres franciscanos do universal

Soldados de labuta, seara maior.

Desembainha-se a espada pela luz

Em cada acto eleva-se a espiral

E no meio do «plaino abandonado»

Avistam-se palpitantes cavaleiros do amor.

 

II

As dez naus enfrentam ainda

Precipícios e vagas de nevoeiro.

Multiplicam-se bichos e adamastores

Mas não treme ouroboros

Que permanece sempre inteiro.

O que sobrevive a ventos e marés

São os destinos-alquimias de temores.

As proas cruzam a medonha escuridão

Onde sulcos mostram promessas de azul

Eixos plenos de Oriente ao Poente 

E ao mistério ainda do Cruzeiro do Sul.

 

III

Estremoz foi cais de partida.

Mantinha-se toda a possibilidade

Da rosa ser a seiva da pupila

No rosto com séculos de saudade.

Onde cada um chega encontra

A pedra-angular à sua espera.

E aí seguro edifica seguindo a luz

Que se torna chave das linhas astrais.

Só a palavra livre se conquistou

Perdida e achada, para ser mais.

 

Agosto, 2020

 

 

 

 

 

 

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